Branquitude
Pode-se dizer, com base em evidências estudos, que a branquitude é um dos elementos estruturantes e organizadores da sociedade brasileira. Trata-se, de acordo com a Plataforma Ancestralidades, de “posição surgida na confluência de eventos históricos e políticos determinados, em que sujeitos classificados socialmente como brancos são privilegiados quanto ao acesso a recursos materiais e simbólicos”. Desse modo, a branquitude é uma “estrutura de poder concreta em que as desigualdades raciais se ancoram”.
Ao relacionar-se com as estruturas de poder e, consequentemente, com quem as acessa e as constitui, compreende-se, então, que a branquitude induz à hierarquização do tecido social com base nas relações étnico-raciais.
Nesse sentido, Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora da obra Entre o Encardido, o Branco e o Branquíssimo: Branquitude, Hierarquia e Poder na Cidade de São Paulo, considera que a premissa inerente à branquitude se baseia em “noção falsa de superioridade moral, intelectual e estética”.
Ainda de acordo com com Lia Vainer Schucman, ao considerar-se que “a branquitude se caracteriza como posição em que pessoas classificadas como brancas são beneficiadas pela estrutura racista de 500 anos de expropriação e espoliação do trabalho, corpo e da própria vida dos outros em uma sociedade com racismo estrutural, a questão central não é só o benefício: esses benefícios são distribuídos apenas no próprio grupo.”
Uma das dimensões mais conhecidas nesse contexto é o pacto narcísico da branquitude. De acordo com Cida Bento, doutora em Psicologia e cofundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), trata-se de “herança inscrita na subjetividade do coletivo, mas que não é reconhecida publicamente. O herdeiro branco se identifica com outros herdeiros brancos e se beneficia dessa herança, seja concreta, seja simbolicamente; em contrapartida, tem que servir ao seu grupo, protegê-lo e fortalecê-lo”.
Ainda de acordo com Cida Bento, no que diz respeito ao pacto narcísico da branquitude, “este é o pacto, o acordo tácito, o contrato subjetivo não verbalizado: as novas gerações podem ser beneficiárias de tudo que foi acumulado, mas têm que se comprometer ‘tacitamente’ a aumentar o legado e transmitir para as gerações seguintes, fortalecendo seu grupo no lugar de privilégio, que é transmitido como se fosse exclusivamente mérito E no mesmo processo excluir os outros grupos ‘não iguais’ ou não suficientemente meritosos.”
Uma das estratégias para promover a ruptura com a lógica da branquitude, assim como com o pacto narcísico da branquitude, diz respeito à preparação para pessoas negras poderem chegar a espaços de poder e de decisão. Ações com esse perfil contemplam, por óbvio, a participação de lideranças brancas e organizações de segmentos diversos para poderem ter efetividade.
Um exemplo de iniciativas com esse perfil é a Plataforma Alas, projeto idealizado pela Fundação Tide Setubal que visa propor um “pacto coletivo para acelerar a busca pela equidade racial nas posições de liderança”. A iniciativa considera, enfim, que é necessário haver “apoio ao desenvolvimento de lideranças negras por meio de oportunidades de formação e fortalecimento em diferentes momentos da vida” para colocar em prática um dos diversos vetores para romper com a lógica da branquitude.