Estratégia para investimento de impacto socioambiental
Neste século XXI, a humanidade enfrenta os desafios de reduzir as desigualdades sociais e diminuir os danos causados ao ambiente. Os recursos do Estado, aliados à filantropia e aos investimentos sociais corporativos são e permanecerão essenciais à promoção do bem-estar, como o acesso da população à saúde, educação e moradia e o combate às mudanças […]
Neste século XXI, a humanidade enfrenta os desafios de reduzir as desigualdades sociais e diminuir os danos causados ao ambiente. Os recursos do Estado, aliados à filantropia e aos investimentos sociais corporativos são e permanecerão essenciais à promoção do bem-estar, como o acesso da população à saúde, educação e moradia e o combate às mudanças climáticas, mas não são suficientes para atender sozinhos às crescentes demandas sociais e ambientais do planeta.
Os negócios de impacto, empreendimentos com a missão de gerar impactos socioambientais positivos e que permitem trazer retorno financeiro aos investidores, com modelos economicamente sustentáveis, surgem como uma nova força de transformação no mundo, ampliando o capital investido na busca de respostas inovadoras para questões urgentes.
Com graves problemas sociais e ambientais, o Brasil abre caminho para o desenvolvimento de negócios de impacto ao estabelecer uma política nacional específica para o setor, pioneira no mundo. A Estratégia Nacional de Negócios e Investimentos de Impacto (Enimpacto) foi instituída via decreto presidencial no dia 19 de dezembro, após ter sido submetida a uma consulta pública coordenada pela Secretaria de Inovação e Novos Negócios do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). O documento irá nortear a política de Estado, com ações para a promoção do setor no país.
A estratégia alinha o Brasil às melhores práticas no mundo e baseia-se em quatro eixos: a ampliação da oferta de capital; o aumento do número de negócios; o fortalecimento de organizações intermediárias, como incubadoras e aceleradoras; e a promoção de um macro ambiente favorável, que inclui propor e acompanhar legislações, normas e regulamentos. Liderado pelo Mdic, em parceria com a Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS), movimento criado no Brasil em maio de 2014, o projeto contou com a participação de mais de 20 órgãos de governo, diversas entidades e movimentos da sociedade civil.
O tema de investimento de impacto socioambiental começou a ser moldado no fim dos anos 90 no Reino Unido e Estados Unidos e consolidou-se a partir de 2007, dando origem a um movimento global. Estima-se que exista no mundo uma demanda por capital de US$ 2,5 trilhões em investimentos socioambientais, lacuna que os negócios de impacto ajudam a preencher.
É na participação de todos os setores da sociedade que será possível encontrarmos as respostas inovadoras para os desafios que o século XXI nos coloca. O mundo é e será cada vez mais regido pelo “e”, não mais pelo “ou”. Um empresário não escolhe entre um negócio rentável e um empreendimento voltado para a resolução de um problema socioambiental. É possível ser ambos.
Ao lançar uma estratégia de Estado para investimentos e negócios de impacto, o Brasil incentiva outros países a seguirem o mesmo caminho, sobretudo as economias em desenvolvimento, onde os recursos são mais escassos e as desigualdades sociais, maiores.
A política nacional implementada pelo Brasil é resultado de um grupo de trabalho formado no âmbito do governo federal que busca na inovação as soluções para os graves problemas do país, bem como formas alternativas de atração de capital para financiar essas iniciativas, que vão desde a melhora da educação e habitação à redução da poluição. A sua implementação irá acelerar a inserção dos negócios de impacto na agenda do país, ao articular a colaboração de órgãos do governo, fundações, empresários, sistema financeiro, comunidade científica e organizações não governamentais em torno de um mesmo propósito: a criação de bem-estar social por meio de empreendimentos economicamente viáveis.
A Força Tarefa de Finanças Sociais do Brasil foi criada há três anos, a partir da mobilização de organizações da sociedade civil, com a missão de impulsionar o investimento de impacto no país. Em outubro de 2015, lança 15 recomendações para o avanço do setor e passa a fazer parte do Global Steering Group (GSG), movimento que sucedeu a Força Tarefa dos países do G-7, formada dois anos antes. O GSG é liderado pelo investidor britânico Sir Ronald Cohen, fundador da Apax Partners e considerado como “pai do venture capital” no Reino Unido. Dos 15 países-membros que integram essa iniciativa, o Brasil torna-se o primeiro a implementar uma política de Estado, apesar de muitos países possuírem ações governamentais voltadas para investimento de impacto, como o Reino Unido, Canadá e EUA.
O mercado global de investimento de impacto é estimado em US$ 114 bilhões, segundo relatório do Global Impact Investment Network, publicado em 2017. Na América Latina, o capital destinado a negócios de impacto também expandiu-se, com um total de US$ 1,2 bilhão administrado por investidores em 2016, segundo relatório da Ande (Aspen Network of Development Entrepreneurs). No Brasil, esse montante era de US$ 186 milhões.
Dois exemplos brasileiros de como os negócios de impacto transformam a sociedade são a Avante e o Programa Vivenda. A Avante fornece microcrédito para empreendedores que não têm acesso ao sistema bancário. Com empréstimos que vão de R$ 400 a R$ 30 mil, já emprestou mais de R$ 100 milhões, está presente em mais de 100 cidades e já transformou a vida de mais de 30 mil famílias. O Programa Vivenda realiza reforma de baixo custo e alto impacto social em casas de comunidades de baixa renda, já tendo realizado reformas em 720 casas.
Em discurso feito em julho deste ano, na abertura de um encontro do GSG em Chicago, nos Estados Unidos, Sir Ronald Cohen destacou que os governos dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destinam atualmente cerca de 20% do PIB a problemas sociais, o que representa mais de US$ 10 trilhões, o dobro do percentual que gastavam em 1960. Ainda assim perceberam que não possuem os recursos nem as habilidades para resolver todos os problemas. Os filantropos doam em todo o mundo em torno de US$ 500 bilhões por ano, e também suas doações, por mais generosas, não são capazes de atender a todas as necessidades do planeta. Investimento de impacto, diz Cohen, “é a resposta atual a necessidades do empreendedor que aspira melhorar, com escala, a vida das pessoas e o planeta; é o coração invisível dos mercados guiando a mão invisível dos mercados”.
Fábio Barbosa foi presidente do Banco Santander, é do conselho da Fundação das Nações Unidas e vice-presidente da Fundação Itaú Social.
Maria Alice Setubal, socióloga e educadora, é fundadora e membro do conselho do Cenpec e presidente do conselho da Fundação Tide Setubal.
Texto originalmente publicado no Valor Econômico dia 10/11/2018