Até quando vamos tolerar desigualdades?*
"Temos a chance de fazer a revolução educacional que a sociedade demanda, mas para isso precisamos superar a aceitação das desigualdades"
“Temos a chance de fazer a revolução educacional que a sociedade demanda, mas para isso precisamos superar a aceitação das desigualdades”
Não podemos aceitar como inevitáveis as cenas de guerra entre policiais, exército e moradores de comunidades vulneráveis a que assistimos diariamente pela mídia, assim como não é natural que grande parte da população sofra com falta de saneamento básico, vivendo em moradias precárias, em locais com poucos equipamentos de saúde, esportes e cultura, onde a violência e o tráfico de drogas denunciam a falta do Estado e de políticas públicas.
Não é normal que apenas 18,4% das crianças de zero a três anos tenham acesso à creche e que 25% das crianças de quatro a cinco anos estejam fora da educação infantil. É inadmissível que somente 51% dos jovens de 15 a 17 anos cursem o ensino médio. Ou ainda salas de aula fechadas por péssimas condições e Estados que não cumprem a lei do piso salarial dos professores, acordado em torno de R$ 1.200.
Enfim, não podemos permitir a perpetuação das desigualdades educacionais evidenciadas pelos resultados pífios de escolas de territórios de alta vulnerabilidade social das grandes metrópoles e de escolas dos pequenos municípios rurais nas avaliações nacionais.
E o que nós, cidadãos, empresas e organizações podemos fazer? Devemos nos unir para pressionar nossos governantes, para que façam valer o direito a uma educação de qualidade para todos.
Soluções isoladas não apresentam resultados efetivos e ainda aumentam as desigualdades, caso das empresas que investem na capacitação de seus funcionários como resposta ao “apagão da mão de obra” ou que abrem escolas de excelência para poucos afortunados.
Não é aceitável que tenhamos escolas boas para a classe média alta e escolas ruins para as crianças pobres. A educação de qualidade ainda é vista como privilégio de poucos. É natural querermos o melhor para os nossos filhos. Entretanto, se não reivindicarmos melhores escolas para todos, aumentaremos ainda mais o fosso da desigualdade na nossa sociedade.
Como parte dos países emergentes, o Brasil finalmente tem voz. No entanto, ainda não mostramos a que viemos e como podemos fazer a diferença e influenciar o mundo.
Muitos apontam que essa influência se dará pela riqueza da nossa biodiversidade e pela possibilidade de mostrarmos saídas para uma sociedade sustentável. Ou, ainda, pela nossa miscigenação, capacidade de articulação e diálogo para alcançar consensos e lidar com o diferente e, finalmente, nossa alegria e criatividade, dimensões cada vez mais valorizadas no mundo contemporâneo. Nesse cenário, a educação tem um papel primordial.
Priorizar a educação é nos indignarmos com o fato de não garantirmos ainda que nossas crianças e jovens tenham uma aprendizagem adequada. É incorporarmos de forma radical, como fizeram Xangai, Finlândia e Canadá, primeiros colocados nas avaliações educacionais internacionais, o direito de cada um e de todos a uma educação de qualidade e que responda aos desafios do século 21.
Para isso são necessários professores bem formados e comprometidos e, sobretudo, gestores que desenhem políticas e deem as condições necessárias para que as escolas possam cumprir suas metas.
Obviamente, isso exige recursos para a qualidade das instalações, dos profissionais e dos materiais didáticos. Temos a chance de fazer a revolução educacional que a sociedade brasileira demanda, e temos valores que podem viabilizar um modelo educacional consistente com o mundo contemporâneo.
O que precisamos é superar a aceitação das desigualdades, nos unirmos na indignação e fazermos valer o direito de todos a uma escola pública de qualidade.
MARIA ALICE SETUBAL, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, da Fundação Tide Setubal e do IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade.