Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Avaliação em educação: questão para todos ou só para especialistas?
Em artigo, a presidente da Fundação Tide Setubal aborda a importância de envolver pais, alunos e educadores na avaliação da educação.
Educadores, estatísticos e economistas têm se manifestado sobre diferentes modelos e metodologias educacionais, que ora privilegiam o sistema, ora as escolas ou os currículos. No olhar de líderes e gestores empresariais prevalece a lógica do mundo corporativo e parece haver consenso de que o sucesso de programas educacionais está diretamente relacionado a resultados e metas. Entretanto, apesar das diferenças técnicas e ideológicas – muitas vezes inconciliáveis -, a necessidade de sistemas de avaliação para se alcançar uma educação de qualidade é uma questão central a todas as correntes e visões.
Os lançamentos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) trouxeram o tema da avaliação para o centro do debate educacional, revelando sua complexidade e ao mesmo tempo a necessidade de se ter em conta as múltiplas facetas nele implicadas, que devem ser analisadas com bastante cuidado e profundidade.
Alguns pontos merecem destaque nesse debate. Primeiro, devemos ter extremo cuidado para não lidarmos com a avaliação de forma desconectada. Ela deve ser pensada de forma contextualizada, como um instrumento para se monitorar metas e resultados da implementação de um programa ou política educacional. Caso contrário, utilizada pontualmente, apenas como instrumento para mensurar que nossas escolas não ensinam e nossos alunos não aprendem, a avaliação só servirá para medir o já sabido e concluir que estamos mal.
Claro, isso é verdade, mas talvez essa conclusão não possa ser generalizada de forma automática, sem a devida contextualização. Afinal, de que realidade se está falando: da pequena escola rural do interior do país; da escola integrada com a comunidade situada em municípios de pequeno ou médio porte; ou das enormes escolas com mais de dois mil alunos localizadas nas periferias das grandes cidades?
Se não é recomendável se pensar avaliação de forma descontextualizada isso nos remete a outro ponto relevante no debate: a ética. Avaliar é atribuir valor. Assim, a avaliação só tem sentido como constituinte da organização escolar, como processo contínuo e formativo dos seus integrantes. Dados quantitativos relativos ao sistema como um todo são fundamentais para formulação de políticas. No entanto, só adquirem sentido e potencial de transformação na ponta – isto é nas escolas – quando complementados com dados e estudos qualitativos, possíveis de serem interpretados e compreendidos por cada realidade escolar.
Basta um olhar mais aprofundado sobre os dados de uma mesma escola para se constatar a heterogeneidade dos resultados ali encontrados, que não se explicam por um frio cruzamento de variáveis descoladas de seu contexto ou sem a necessária e responsável atribuição de pesos específicos para os diferentes componentes educacionais.
A realidade escolar é constituída por uma complexa rede de relações. A larga experiência acumulada nos ensina que ela não comporta mais raciocínios binários, do tipo causa-efeito ou certo-errado.
Nortear a discussão pela ética nos leva a um terceiro aspecto essencial ao debate: a efetiva participação no debate de professores, pais e alunos – atores diretamente envolvidos e interessados no cotidiano educacional.
Tem sido fácil, mas demasiadamente simplista aceitarmos como verdades absolutas conclusões tais como “os professores não querem avaliações pois não se comprometem com resultados e metas”, “professores se preocupam apenas com o ensinar, mas não com o aprender”, “os professores faltam e as escolas não cobram”; “os pais são convidados mas não participam”. Essas quatro afirmações são suficientes para ilustrar este artigo, mas seria possível arrolar tantas outras na mesma direção.
Embora possam ser verdadeiras e requeiram preocupação e medidas para o seu enfrentamento, essas conclusões peremptórias – e muitas vezes apriorísticas – não dão conta de toda a problemática educacional e, especialmente, não podem ser tomadas como foco do processo avaliativo.
Do ponto de vista dos educadores, a avaliação deve servir para o aprimoramento da prática educacional, apoiando o professor a entender as dificuldades de seus alunos e a ministrar melhor uma aula e contribuindo para que a escola se aproxime melhor e mais de perto do mundo atual e da comunidade onde está inserida. Assim a avaliação dará concretamente uma contribuição para a busca de resultados que revertam em uma melhora da qualidade do ensino.
Assim como os educadores, os pais estão interessados e preocupados com a melhoria da qualidade da educação. Entretanto, não têm meios de acessar facilmente e, menos ainda, de interpretar os resultados das avaliações da forma como são divulgados. Além da tradução dos dados e informações em conhecimento acessível, os pais devem estar organicamente integrados ao funcionamento da escola para que possam compreender e acompanhar o processo de avaliação.
O que dizer então do alijamento do ponto de vista dos alunos desse debate? Como não levar em conta seu processo de aprendizagem e as questões relativas ao currículo se toda a polêmica sobre avaliação só tem sentido se conseguirmos elaborar parâmetros de referência para que nossas crianças e jovens aprendam o que nós, sociedade brasileira, consideramos fundamental para a aprendizagem das novas gerações?
O trabalho e a luta por uma educação de qualidade exigem urgência, mas não pressa. Avançamos muito, mas sabemos que o caminho é longo e precisamos do envolvimento de todos – especialistas, mídia, organizações da sociedade civil, empresários, autoridades. É fundamental somarmos competências, acompanhar e solidariamente fornecermos insumos para as escolas e os sistemas de ensino. Entretanto, é sabido que não alcançaremos um efeito verdadeiramente transformador e sustentável na melhoria da qualidade de ensino se professores, pais e alunos estiverem ausentes desse debate.
Maria Alice Setubal, socióloga, mestre em ciências políticas pela USP e doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é diretora-presidente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e fundadora e presidente da Fundação Tide Setubal. Foi consultora do Unicef na área educacional para a América Latina e o Caribe.
Fonte:http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3345&Lang=pt-B&Alias=Ethos&itemNotID=8280