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Por um plano coletivo em favor do fomento a instituições negras

O enfrentamento das desigualdades exige que o fomento a instituições negras tenha espaço prioritário no trabalho de organizações do campo do investimento social privado (ISP). Esse foi o mote da segunda mesa do evento Plataforma Alas em Debate. Organizado pela Fundação Tide Setubal, por meio da Plataforma Alas, o evento aconteceu em 21 de agosto, no Itaú Cultural.

 

Com mediação da jornalista Adriana Couto, a atividade Elas Periféricas: Uma experiência de fomento a instituições negras contou com participações de:

 

 

  1. Guiné Silva, coordenador da área de Fomento a Agentes e Causas da Fundação Tide Setubal;
  2. Viviane Soranso, coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso, também da Fundação.

 

A atividade também foi marcada pelos lançamentos da publicação Programa Elas Periféricas – Uma experiência de fomento institucional de organizações lideradas por mulheres negras e da websérie Caminhos pela Equidade Racial.

 

Imagem de Mariana Almeida durante o evento Plataforma Alas em Debate. Mariana fala ao microfone. Ela tem cabelos escuros longos, usa uma blusa branca e uma saia na cor preta.

Mariana Almeida faz fala institucional durante o evento (José Cícero / DiCampana Foto Coletivo)

Ao falar sobre o evento e os lançamentos que compuseram a programação do Plataforma Alas em Debate, Mariana Almeida, diretora executiva da Fundação Tide Setubal, falou sobre o papel de lideranças e instituições de origem branca na luta antirracista. “Não é para ser protagonistas, mas isso não significa que não têm um papel fundamental, no sentido de ocupar o espaço e trazer o debate para o centro.”

 

Nesse contexto, Mariana Almeida destacou também a importância de as organizações do ISP reinventarem-se no que diz respeito à atuação. “Os papéis das lideranças brancas são vários: debater, colocar-se, vocalizar a temática como responsabilidade coletiva, apoiar e reinventar-se”, pondera. “Precisamos nos reinventar em como fazer editais e em ser filantropia para podermos ocupar o espaço de lideranças brancas para a equidade racial.”

 

Território e diversidade importam

A promoção da diversidade é fundamental quando se fala no fomento a instituições negras. Durante sua intervenção, Guiné Silva destacou o papel da diversidade na construção do edital Elas Periféricas. O projeto contou até aqui com quatro edições, sendo as duas mais recentes com parceria da rede social TikTok. Além disso, 147 organizações com mulheres negras na coordenação foram apoiadas por meio do edital.

 

“Ao olhar para a questão da diversidade, um aspecto sobre o qual pensamos é na importância de contratar alguma organização para contribuir com esse processo na construção de projetos que olhem para equidade racial. Idem para o desenvolvimento de organizações que interagem com pessoas negras”, pondera.

 

Ainda nessa trilha, Guiné Silva destacou, então, aprendizados relevantes para estruturar ações de fomento a instituições negras. Um deles disse respeito à capacitação para que organizações com esse perfil pudessem prestar contas e se relacionar com parceiros e financiadores. “Percebemos outra questão muito importante: a flexibilidade do recurso”, explica. “Vieram à tona questões sobre urgências que surgiram e surgem nos territórios e dentro das próprias organizações. Pensar que na existência de um plano de trabalho do início ao fim sem nenhum tipo de mudança, como se fosse uma camisa de força, é algo quase impossível de imaginar.”

 

Confira como foi a primeira parte do evento Plataforma Alas em Debate

 

‘Fazer com’ para potencializar o impacto

Viviane Soranso trouxe, em sua fala, outra dimensão referente ao fomento a instituições negras: a maioria das organizações não era formalizada. “Entendemos e aprendemos, por meio da escuta com essas lideranças, que o recurso da filantropia e do ISP até chegava em algumas regiões periféricas, principalmente de São Paulo. Ainda assim, ele pouco alcançava organizações lideradas por mulheres negras – e foram enumeradas várias hipóteses para isso.”

 

Para a coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso, o campo filantrópico exigia em seus editais, então, que as organizações já fossem formalizadas – o que dificultava o acesso ao recurso. Idem a burocracia dos editais, que tinham poucos processos acessíveis e de compreensão do que era solicitado.

 

“Partindo da escuta de vários questionamentos, saímos com essa lição aprendida e refletimos sobre o nosso passo seguinte desse processo. Convidamos a ponteAponte para a parceria técnica e pensar na construção da primeira chamada e lançamos, em 2018, a primeira chamada pública do Elas Periféricas”, completa Viviane.

 

 

 

Assista aos episódios de Caminhos pela Equidade Racial

 

De uma ponta à outra

Vanessa Prata, sócia-fundadora da ponteAponte, apontou, em sua fala, para a importância da confiança no processo para apoio a organizações atuantes em territórios periféricos e para fomento a instituições negras. “A organização sabe o que está fazendo: pode precisar de alguma orientação, mas não de controle e monitoramento o tempo todo.”

 

Vanessa destacou, enfim, a contribuição no desenvolvimento do Elas Periféricas. “Acredito que conseguimos apoiá-los a colocar no papel tudo o que estava na cabeça. No caso, sobre como podemos fazer um edital inovador, que vá na contramão de alguns pontos às vezes muito técnicas, que não conseguem fazer com que o recurso chegue onde precisa.”

 

Além disso, o evento contou com duas lideranças de organizações apoiadas pelo edital Elas Periféricas. Uma delas foi Alessandra Garcia, coordenadora Organizacional Geral do Instituto Itéramãxe, cujo objetivo consiste na preparação de estudantes com trajetória periférica e de grupos minorizados para o ingresso em universidades públicas na pós-graduação. Desse modo, a organização recebeu apoio na quarta edição.

 

“O Elas Periféricas nos ajudou muito, pois não éramos formalizadas. Os principais pontos que percebemos foram a formalização, a comunicação e a gestão de pessoas”, destaca, ao falar sobre mentorias em áreas estratégicas. “Vimos que as dores anteriores são bloqueios muito grandes para essas pessoas, assim como a necessidade de ampliar diante dessas pessoas que orientávamos”, ressaltou.

 

Dentro dessa lógica, Bianca Pedrina, jornalista, cofundadora e gestora operacional do Nós, Mulheres da Periferia, destaca a importância do edital Elas Periféricas para a evolução do projeto. Assim sendo, o site jornalístico foi uma das seis organizações apoiadas na primeira edição, em 2018. “Falo com muito orgulho que o edital foi um divisor de água nas nossas vidas. Tínhamos muito desejo de tirar esse projeto do papel e nos formalizar. Não entendíamos de gestão, tampouco sobre missão, visão e valores e Teoria de Mudança.”

 

Ainda que os desafios operacionais continuem presentes, o projeto pôde se estruturar a ponto de ter equipe e redação próprias. Nesse sentido, essa lógica fomenta o objetivo de apoiar trajetórias de mais mulheres negras e de trajetória periférica. “Atuamos também em outras áreas, nas quais dividimos o nosso conhecimento, como por meio de formações para outras comunicadoras que, igual a nós, sonham em contar suas histórias e das pessoas que vivem nos territórios – e em ocupar espaço de poder. Entendo que a comunicação é um espaço de poder importante para além da educação.”

 

“Não estamos mais na fase de engatinhar, mas de produzir”

O chamado à ação foi uma das mensagens centrais no Plataforma Alas em Debate. Marilza Campos, coordenadora da Pastoral Afro Santa Bakhita, que assistiu aos diálogos do evento, considerou que a atuação do ISP precisa ser mais efetiva. “Estamos em um contexto geral: há pessoas brancas, negras, LGBTQIAP+, todas envolvidas na sociedade. Considerei que as lideranças brancas estavam engatinhando. Não estamos mais na fase de engatinhar, mas de produzir.”

 

Por fim, dentro da perspectiva de ações concretas na luta antirracista e no fomento a instituições negras, Magna Assis, também coordenadora da mesma organização, considera o envolvimento de organizações e lideranças negras como fundamental. Inclusive quando se fala em reparação histórica.

 

“Além disso, é necessário nos trazer para essas ações e nos ouvir para dizer onde podem haver ações efetivas. Senão, incorremos no risco de haver projetos para o papel, sem ser funcionais para a sociedade”, finaliza, ao afirmar que: “nós, pessoas negras, sabemos realmente onde está a nossa dor.”

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Fotos: José Cícero / DiCampana Foto Coletivo

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