Com Anderson França, as redes sociais e a literatura das coisas
Por Tony Marlon / Ilustração: Camila Ribeiro Sem uma distância entre o quê, o assunto, e o como, a linguagem, Anderson França, Dinho, tem em seu livro de estreia, Rio em Shamas, as exatas palavras que usa para operar a vida, no dia a dia. Entre o sobre o quê, e o como […]
Por Tony Marlon / Ilustração: Camila Ribeiro
Sem uma distância entre o quê, o assunto, e o como, a linguagem, Anderson França, Dinho, tem em seu livro de estreia, Rio em Shamas, as exatas palavras que usa para operar a vida, no dia a dia. Entre o sobre o quê, e o como escreve, o que escreve, ele leva aos seus textos as coisas acontecidas exatamente como são faladas pelas pessoas que conhece e percebe nos subúrbios cariocas. Ou na Rio de Janeiro que a novela das nove não alcança.
Não à toa, contou durante as cerca de duas horas em que abriu da Feira Literária Independente da Tapera Taperá, recebe mensagens de pessoas que não se contentam em apenas ler o que o escritor publica nas redes sociais. Prova de que não é apenas como o texto sai de sua cabeça, mas é muito sobre como ele é recebido por seus leitores, o que faz da literatura deste carioca de 43 anos tão original e atual.
“Outro dia eu recebi uma mensagem de uma mulher dizendo que lia os meus textos em voz alta para o namorado”, comentou rindo, enquanto completou que “tudo isso que eu sinto, que eu sou, foi sendo construído ao longo do tempo e é o que está lá, na página. Aí se transformou em escrita, depois virou livro”.
Dinho é um sucesso de escuta e reações nas redes sociais. Foi transformando a sua página pessoal em um grande mural para repartir o que enxergava por aí, que o escritor carioca encontrou um lugar que acolheu exatamente o jeito com que sempre falou e escutou o mundo. Um jeito de escrita fala, com tudo o que a realidade tem direito. Atualmente, confessou aos participantes do evento, aprendeu que isso, na literatura, tem nome de linguagem. “Eu não estou preocupado com a gramática, com as vírgulas, com a crase. Eu quero escrever como eu falo. E as pessoas vão me entender assim”, falou justificando a sua escrita. “Todos os meus textos são na primeira pessoa, sou eu que estou pensando, enxergando o que escrevo. Não é um olhar de fora, de um personagem”, continuou.
Durante o encontro, que também recebeu uma mesa de Literatura Trans com apoio do Circuito Literário nas Periferias – CLIPE, iniciativa da Fundação Tide Setubal para democratizar produção e acesso à literatura a partir das margens da cidade, o Anderson França dos textos que movem pessoas e mais pessoas a ficarem horas pensando sobre quem são, o que fazem, ou como se alimentam, pareceu diferente do que se espera de quem o lê, diariamente.
Com gestos pausados, de voz calma, que quase não se escuta dependendo de onde se estava sentado na Tapera Taperá, Dinho pouco tem no encontro presencial o peso que transfere para as coisas que escreve. Graças, segundo ele, a um encontro muito bem desenhado de um destino que encontrou a pessoa, que caminhava com um caminhão de problemas, que aprendeu escrever sobre eles, e que só se descobriu como escritor por que disseram que era isso que ele era, fazendo o que fazia.
“Eu tenho uma série de problemas e frustrações que me fizeram caminhar até a literatura. Foi a literatura que acolheu esses meus problemas e frustrações. É nela que eu elaboro as coisas que sinto”.
A mesma exposição que faz as suas crônicas ganharem todos os cantos do país, que o fez assinar um contrato com a editora Objetiva e lançar um livro com o que ele achava que eram apenas desabafos pessoais, mas era literatura, gera sofrimentos. Com textos que tocam tanto e tão profundamente as pessoas, Dinho não poderia passar ileso da literatura que escolheu, ou que foi escolhido. Recebe ofensas, vira e mexe perde a página e tem que recuperar, sofre ameaças de morte. Ano passado, a convite da Feira Literária de Paraty – FLIP, falaria sobre o Rio em Shamas. Cancelou a ida na véspera por conta de ameaças, a polícia entrou no caso.
Os temas que leva para as suas crônicas traduzem o que uma parte do país talvez, e ainda, tenha dificuldades em nomear. Mas, longe de ser unânime, como nada é, a sua literatura também organiza ódios, ele aponta. Especialmente quando fala de violência, de todas elas, e do racismo estrutural da sociedade brasileira, um dos seus temas motivadores e centrais. “Se você é uma pessoa branca você tem quatrocentos anos de vantagem. Não adianta ser socialista, feminista, se você não entende isso. Você tem quatrocentos anos de vantagem diante de outros seres humanos que vieram antes de você”, dispara.
Rio em Shamas pode ser colocado em paralelo com Cidade Deus?
Para o escritor, não.
São coisas completamente diferentes.
Assista e entenda.
Deste lugar que encontrou para observar e escrever, Dinho reflete que em tempos de redes sociais, em que se edita quem se é para ganhar aceitação, curtidas, faltam mais pessoas dispostas a largarem o que ele chama de narrativa do herói, a abandonarem aquele lugar confortável que pouco move a discussão pública. Aquele lugar em que todas e todos, o tempo todo, estão fazendo aquilo que é esperado. Ele explica: “Todo mundo quer ser herói, ninguém que ser vilão. Se for necessário ocupar este espaço, que me dói, para ser pedagógico na provocação, eu quero e vou ocupar”, disse.
Dinho trabalha em mais dois livros, ainda sem previsão de lançamento. Um deles, confidenciou aos participantes da feira, será sobre as memórias aquele que considera o último ano de sua infância: 1989. “No ano seguinte eu entrei na adolescência. Todos os meus amigos começaram a namorar, menos eu. Será sobre essas coisas”, encerrou a manhã.
Na espera para as boas conversas da tarde, as cantoras Nayra Lays e Denise Alves trouxeram o Grajaú, extremo sul de São Paulo, para o centro da atenção de quem esteve na Tapera Taperá. Mas isso já é uma outra história.