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Confira a entrevista de Maria Alice Setubal ao Valor Econômico

Imprensa

17 de abril de 2020
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Em 16 de abril, Maria Alice Setubal participou de transmissão ao vivo feita pelo Valor Econômico, na qual foi entrevistada pela jornalista Daniela Chiaretti. Durante a entrevista, a presidente dos conselhos da Fundação Tide Setubal e do Gtrupo de Institutos, Fundações e Empresa (Gife) falou sobre as ações sociais de enfrentamento à pandemia causada pela Covid-19 (novo coronavírus) e do panorama político atual.

 

Assista ao vídeo da entrevista a seguir e confira na sequência a matéria publicada pelo Valor Econômico.

 

 

 

‘Governo não tem capacidade de liderar’
Para Neca Setubal, gestão atual não é capaz de criar e implementar políticas para enfrentar a crise
Por Daniela Chiaretti – De São Paulo (17/04/2020, às 5h)

A socióloga Maria Alice Setubal acredita que o governo de Jair Bolsonaro não tem capacidade de liderar, criar e implantar políticas públicas na maior crise global da atual geração, a emergência causada pelo coronavírus. Os desafios são enormes, reconhece Neca Setubal, como é conhecida a educadora com mais de 30 anos de atuação na área social. “A pandemia escancarou as desigualdades sociais”, diz ela.

 

“Em 2019 houve uma desqualificação de áreas fundamentais no Brasil: da educação, das universidades, da ciência, das áreas de proteção social, do meio ambiente, das populações tradicionais e indígenas”, lista Neca, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do GIFE, entidade que reúne 170 fundações empresariais. Seus associados, de março a hoje, doaram mais de R$ 1 bilhão em cestas básicas, ajuda a hospitais e clínicas e em projetos de geração de renda e cultura nas periferias.

 

Esse vácuo político deixado pelo Executivo tem sido ocupado pelo Congresso, por alguns governadores e prefeitos e por políticos de diversos partidos que estão buscando dialogar e encontrar pontos de convergência, analisa Neca, uma das herdeiras do banco Itaú. Ela diz que ficou muito feliz com a iniciativa do Itaú Unibanco de doar R$ 1 bilhão em iniciativa de apoio à saúde no combate à crise anunciada esta semana, mas afirma que “só isso não resolve”. Neca defende a necessidade de políticas públicas em saúde, educação e proteção social, além do apoio continuado do setor privado depois que o pior tiver passado. “As pessoas estão passando fome e vão continuar passando fome depois.”

 

Na área da educação, a preocupação também é com o momento da volta às aulas. Serão necessários programas de reforço escolar e de aceleração da aprendizagem para alunos da rede pública. Ela diz que várias soluções emergenciais estão sendo pensadas para ajudar famílias na periferia que têm pouco crédito em seus celulares e não têm acesso a internet boa e gratuita. “Estão se buscando alternativas com a TV aberta. Se as teles abrissem a banda larga para o acesso na periferia seria de grande ajuda”.

 

Neca Setubal diz que o mundo pode se tornar mais xenófobo, mais controlador e mais totalitário com a pandemia. “Mas está mais forte a consciência de que nós somos totalmente interligados. E que dividimos um planeta comum. Se não olharmos para isso estamos condenados.”. A seguir trechos da entrevista que ela concedeu e de sua participação ontem na Live do Valor:[

 

 

Valor: A senhora menciona nunca ter visto uma mobilização empresarial como esta antes, no Brasil. O que motiva o setor privado neste momento?

 

Neca Setubal: Nunca vi esta movimentação em 30 anos de atuação na área social. Muitas pessoas que não estão ligadas a nenhuma organização institucionalizada estão tentando contribuir. É um aporte muito maior de recursos. Só das fundações no GIFE, o recurso que era equivalente a um ano de doações, de mais de R$ 1 bilhão, foi ultrapassado em um único mês, de março até agora. O Brasil tem uma tendência de se mobilizar nos dramas, nos deslizamentos, nas enchentes. Mas agora, como todos se sentem pessoalmente atingidos, a resposta é muito diferente.

 

 

Valor: Há uma demanda grande por cestas básicas. Já há muita gente passando fome? Quem são essas pessoas?

 

Neca: Certamente. Há uma demanda emergencial, que é assistencial, por cestas. Um degrau a mais em termos de cidadania são os cartões, porque é uma maneira de dar autonomia às famílias e movimentar a economia local. Ambos são válidos e é preciso fazer isso. Quando se veem os vídeos das pessoas que recebem estas doações, são pessoas miseráveis, infelizmente. As pessoas já estão passando fome e ao sair desta crise irão continuar a passar fome.

 

 

Valor: Os empresários continuarão a apoiar na retomada?

 

Neca: O setor privado não pode se abster de continuar com esse processo de reduzir a fome e ajudar na saúde e na educação. Mas se o setor privado tem papel muito importante, o maior papel é do Estado. Fico muito feliz com a doação de R$ 1 bilhão do Itaú Unibanco esta semana, mas R$ 1 bilhão não vai resolver o problema da saúde no Brasil. Foi importantíssimo, uma grande decisão, mas só isso não resolve. O que vai resolver é que o Estado tem que ser forte. Não é maior, menor, mínimo, não é isso. O Estado tem que ser forte o suficiente para dar políticas públicas nas áreas de saúde, educação e proteção social.

 

 

Valor: Como vê a atuação do governo Bolsonaro nesse sentido?

 

Neca: Infelizmente acho que esse governo não tem capacidade de liderar o que seria necessário em termos de políticas públicas. Demonstrou o ano passado inteiro que não tem, pelo contrário.

 

Neca: Em 2019 houve uma desqualificação de áreas fundamentais. Desqualificação da educação, das universidades, da ciência, das áreas de proteção social, do meio ambiente, das populações tradicionais e indígenas. Ameaçou sair do Acordo de Paris e não saiu por conta de pressão externa, dos próprios ruralistas e da ministra de Agricultura, Tereza Cristina, que manteve firmeza nesse ponto. Então, a experiência de um ano mostrou que esse governo não tem capacidade de liderança para articular políticas públicas, que o Brasil precisaria em condições normais. No momento da crise, menos ainda. Mostrou-se completamente impotente e sem liderança para assumir as decisões e orientações que o país precisa neste momento.

 

 

Valor: Então enfrentamos a maior crise desta geração em um país com graves desigualdades e sem liderança?

 

Neca: Exatamente. Neste momento acredito que vamos depender de governos estaduais, das Prefeituras das grandes capitais. E de alguns ministros, como foi na atuação de Mandetta [Luiz Henrique Mandetta, demitido ontem por Bolsonaro]. Ele teve questões, desfez o Mais Médicos [programa lançado pelo governo Dilma e que levou 11 mil médicos cubanos em áreas carentes de profissionais] mas não vou entrar neste mérito. No momento que foi necessário, Mandetta teve liderança forte, clara e firme. Fez um trabalho sério e comprometido, com ótima comunicação. Não conheço Nelson Teich [o novo ministro da Saúde)], sei apenas que é oncologista, então não posso emitir opinião. Mas espero que continue o trabalho do ministro Mandetta.

 

 

Valor: A crise atual diluiu a polarização política dentro do setor privado?

 

Neca: Diria que sim. Mas não sei dizer se empresários mais de apoio bolsonarista estão contribuindo com alguma coisa. Não vi, mas não quero ser injusta, eu não sei. O que posso dizer é que não vejo politização nas doações.

 

 

Valor: Teme-se convulsão social?

 

Neca: Sim. É bom lembrar que antes disso tudo – parece ter sido em outra era – havia as manifestações no Chile. Os empresários estavam atentos àqueles movimentos. E aqui não faço nenhum julgamento de valor: tem gente que contribui e faz doações por uma questão humanitária e de solidariedade, e há outros que o fazem por uma questão pragmática, para que não haja risco de invadirem “a minha casa, o meu supermercado”.

 

 

Valor: Tem crescido o debate em torno da taxação das grandes fortunas, há projetos tramitando no Congresso. O que pensa disso?

 

Neca: Falei isso publicamente, em 2014. É um ponto de vista completamente pessoal: eu sou publicamente a favor da tributação das grandes fortunas, a favor da tributação de dividendos, a favor de uma reorganização progressiva do Imposto de Renda, que é regressivo. Também acho que essa é uma discussão dentro de um quadro maior. Mas não dá para de um dia para o outro fazer isso, pofque em alguns países que fizeram assim, as grandes fortunas foram embora. Eu acho isso urgente, mas não sou da área de economia. É preciso ter uma visão do todo da tributação e ir fatiando, porque talvez o pacote todo não possa ser votado de uma vez. O imposto progressivo irá atingir a classe média também. O que quero dizer é que sou a favor, é urgente mas tem que ver quais os impactos e as consequências.

 

 

Valor: A senhora coordenou a campanha presidencial da ex-ministra Marina Silva em 2014. Costuma dizer que nada se constrói sem a política. Como vê hoje o espaço político no Brasil?

 

Neca: A experiência em 2014 foi um divisor de águas para mim. Por mais que eu tenha sido achincalhada, fez parte de muito aprendizado. O espaço da política é onde se consegue fazer mudanças mais estruturantes. Hoje o que vemos é uma falta de liderança do Executivo. O Congresso, que se diz que é formado por políticos todos ruins e medíocres, acho que é um reflexo da sociedade. E foi quem conseguiu, desde o ano passado, tomar uma direção e onde se conseguiu estabelecer diretrizes para o país.

 

 

Valor: Enxerga alguma convergência?

 

Neca: Estamos vendo algumas articulações de um grupo de conservadores liberais para a esquerda. Políticos de diferentes partidos estão buscando alguma conversa neste vazio político.

 

 

Valor: O que está acontecendo hoje com os estudantes do ensino público?

 

Neca: Escolas que atendem a classe média e a classe alta tiveram que se reinventar. Os pais estão mais perto das crianças menores e dos jovens e também passaram a valorizar mais os professores, perceberam que não é fácil. Tem que ter muita ajuda dos pais. Falo isso pra mostrar a quase impossibilidade de a gente transformar este modelo para as populações mais vulneráveis.

 

 

Neca: Está havendo um grande esforço, das fundações, dos secretários de educação, do Conselho Nacional de Educação e outros para oferecer algo aos alunos. Tem Whatsapp, criaram apps, e é verdade que todo mundo tem celular. Só que nas favelas e nas periferias, o crédito do celular é muito pequeno. Não dá conta de um vídeo de uma aula por mês. Está se buscando alternativas com a TV aberta. Se as teles abrissem a banda larga para o acesso das escolas de periferia, seria de grande ajuda, mas não sei se isso é possível. Há diversos modelos em estudo. Não dá para fazer o mesmo modelo do Amazonas para comunidades ribeirinhas com o pessoal do Rio Grande do Sul. Está tendo uma mobilização rápida, ordenada e coordenada.

 

Valor: Mas é muito difícil.

 

Neca: Algumas prefeituras começaram a mandar lição de casa para os pais, queriam que imprimissem. Os pais não sabem ajudar e não querem usar o seu pouco crédito de celular para as lições das crianças.

 

 

Valor: É um ano perdido?

 

Neca: Não, não é um ano perdido. Estamos preocupados com a volta às aulas. Está se pensando em programas de reforço escolar e de aceleração de aprendizagem. O que há são grandes desigualdades educacionais. A pandemia escancarou as desigualdades sociais.

 

 

Valor: O pesquisador Paulo Moutinho, do Ipam, disse em entrevista a “O Globo” que “desmatador não faz home office”. Os alertas de desmatamento do Inpe estão em tendência de alta. Como vê este cenário?

 

Neca: Tem um desmonte que já vinha de governos anteriores, mas isso se acentuou de modo absurdo ano passado. Dá arrepio quando a gente olha e vê a destruição da Amazônia, a desqualificação das populações indígenas e a valorização do garimpo. É dramática também esta situação. Povos indígenas, quilombolas, pessoas nas periferias estão mais vulneráveis porque não h[a política no momento para protegê-las. Mas eu queria falar também uma visão otimista.

 

Neca: Acho que está mais forte a consciência de que nós somos totalmente interligados. Não adianta subir muro porque o vírus vai ultrapassar. A pandemia vai acelerar uma conscientização das mudanças climáticas, acredito. Porque vai se perceber que uma coisa que aconteceu lá na China nos afeta aqui. O que acontece lá em Paraisópolis, me afeta. Dividimos um planeta comum. Nós seres humanos, as árvores, os animais. Tudo isso é parte de um sistema comum. Se não olharmos para isso estamos condenados. Espero que os ambientalistas também dialoguem mais com o ecossistema da economia.

 

 

Valor: O que quer dizer?

 

Neca: Queremos que o Brasil se desenvolva, queremos uma sociedade mais inclusiva e para isso precisa economia e meio ambiente. Tem que ter a floresta em pé mas tem que ter a economia da biodiversidade.

 

 

Valor: A senhora vê muitas sombras no momento geopolítico atual?

 

Neca: O mundo pode se tornar mais xenófobo, mais controlador, mais totalitário. Isso está colocado. Há fechamento de fronteiras. Mas o que eu quero falar é que a pandemia também traz um sentimento de pertencimento ao local onde se está, e isso é interessante.


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