Elas têm a posse de bola
Por Amauri Eugênio Jr / Fotos: Mariana Rufino “Quando vemos Cris como a representação da mulher periférica que conseguiu conquistar um sonho apesar de todas as dificuldades, a gente fala: ‘é isso’. A gente precisa de mulheres que são resistentes o tempo todo.” O modo como Sidineia Chagas, idealizadora do Perifeminas F.C., […]
“Quando vemos Cris como a representação da mulher periférica que conseguiu conquistar um sonho apesar de todas as dificuldades, a gente fala: ‘é isso’. A gente precisa de mulheres que são resistentes o tempo todo.”
O modo como Sidineia Chagas, idealizadora do Perifeminas F.C., time de futebol feminino de Barragem, em Parelheiros, Zona Sul de São Paulo, fala sobre Cristiane Rozeira mostra a admiração que ela sente da atleta. Mais do que isso: a fala escolhida para abrir esta matéria mostra que a centroavante do São Paulo Futebol Clube – e um dos principais nomes femininos do futebol brasileiro – é mais do que um ídolo para as meninas do Perifeminas F.C.
Pode-se dizer, sem exageros, que a atleta é vista como um modelo a ser seguido por Neia e pelas demais atletas do time. Inclusive, as origens e a trajetória da atleta servem como fontes de inspiração para as jogadoras. “Temos meninas que têm condições de competir profissionalmente e outras que jogam por hobby. A gente vai procurando meios para inseri-las na prática esportiva”, pontua a fundadora da equipe.
Em 17 de setembro, o sonho tornou-se realidade: Neia e as atletas do Perifeminas F.C. foram até o Morumbi para assistir ao treino do time feminino do São Paulo e (é claro!) conhecer Cris. A mobilização para o sonho virar realidade começou graças a “uma trajetória de parcerias e afetividades”, de acordo com ela.
O início da mobilização para o sonho tornar-se realidade foi a publicação do episódio da websérie #Enfrente, produzida pela Fundação Tide Setubal, no qual Sidineia falou sobre a trajetória do Perifeminas F.C. O programa, que foi lançado em julho, foi o ponto de partida para colocar em ação a ideia de juntar as minas e Cris, que até então parecia ser um sonho distante.
Todavia, é necessário agir para sonhos tornarem-se realidade. E foi isso o que aconteceu: a equipe da Fundação Tide Setubal fez um vídeo sobre este plano, o qual viralizou em questão de pouco tempo. A história ganhou repercussão a ponto de a assessoria de imprensa do São Paulo Futebol Clube e Marcelo do Ó, narrador da RedeTV!, Rádio Globo, CBN e da plataforma de streaming DAZN, terem também se envolvido para a história acontecer.
A confirmação do encontro pegou Sidineia de surpresa: ela estava a caminho de um fórum feminino de futebol quando recebeu a notícia. Se o sonho estava prestes a materializar-se, por outro lado, a preocupação da fundadora do Perifeminas F.C. foi com o dia da atividade, que caiu em uma terça-feira. Mas não havia obstáculos capazes de barrá-las de seguir adiante.
“As meninas estavam trabalhando ou cuidando dos filhos”, comentou Neia, sobre a preocupação inicial e o desdobramento da história: “por incrível que pareça, elas estão aqui. Fizeram sacrifícios e conversaram com os patrões. Por causa desta relação e da rede de apoio, a gente conseguiu estar aqui para conhecer a Cris.”
Troca de passes
Criado em 2014, o Perifeminas F.C. surgiu para mostrar que lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive dentro das quatro linhas. Os primeiros toques do time na bola começaram como um sinal de resistência contra o machismo estrutural, o qual é maximizado junto com o apito inicial.
Em depoimento feito durante programa da websérie #Enfrente, Sidineia explicou que o Perifeminas surgiu a partir da vontade de as mulheres quererem ocupar o espaço do futebol, cujo “maior desafio foi fazer os homens entenderem a gente poderia ocupar o campo sem ter de ouvir frases machistas.” O projeto, que une o esporte à cultura e à conscientização sobre a igualdade de gêneros, conta também com o Perifemanos F.C., time formado pelos filhos das atletas da equipe principal.
O projeto foi um dos vencedores da segunda edição do edital Elas Periféricas, o qual fornece mentoria e auxílio financeiro a iniciativas coordenadas por mulheres negras e moradoras de territórios periféricos.
No outro extremo, Cris, que é o símbolo para as atletas do Perifeminas – e muitas outras mulheres – da luta pela igualdade de gêneros no esporte e pela afirmação da modalidade no Brasil, nasceu na periferia de Osasco, na Grande São Paulo. Após passar por equipes pequenas da capital paulista até chegar ao olimpo da modalidade, ela tornou-se a maior artilheira de todos os tempos dos Jogos Olímpicos – Cris atingiu a marca de 14 gols marcados na edição de 2016 da Olimpíadas, disputadas no Rio de Janeiro.
Como é de se imaginar, a trajetória da centroavante é uma fonte de inspiração das mais poderosas para as minas. “A gente entende que ela é a representação de mulher resistente o tempo todo pela sua história de luta e por estar inserida em um time de futebol. Ela é referência não só para o Perifeminas, mas todos os times femininos que estão nesta trajetória”, completa Sidineia.