Encontro do C20 mostra mobilização da sociedade civil em escala global no enfrentamento das desigualdades
O enfrentamento das desigualdades e a incidência sobre as principais economias globais foram os pontos centrais do encontro inicial do Civil 20 (C20), que aconteceu em Recife (PE).
Diálogos com diversos marcadores geopolíticos e idiomas. Apesar de diversas particularidades, alguns denominadores eram consensuais: no caso, o enfrentamento das desigualdades e a incidência sobre as principais economias em escala global. Esses foram os pontos centrais do encontro inicial (incepction meeting) do Civil 20 (C20), que aconteceu em Recife (PE), entre 26 e 28 de março.
O encontro do C20, grupo criado para apresentar demandas da sociedade civil às lideranças dos países que compõem o G20, reuniu 2100 OSCs de 60 países. O G20 consiste, então, em grupo composto pelos países que detêm as maiores economias em âmbito mundial mais União Africana e União Europeia, e se reunirá no Brasil em novembro, nos dias 18 e 19
Nesse sentido, o encontro contou com a coordenação da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero, ONG situada em Recife que desempenha função de sherpa nesta edição do C20, e da Associação Brasileira de ONGs (Abong), que ocupa a presidência. Uma observação sobre a analogia com a nomenclatura sherpa: trata-se de etnia nepalesa cujos integrantes guiam alpinistas até o Monte Everest. No que diz respeito ao C20, sherpas são responsáveis pela articulação do diálogo entre OSCs e representantes governamentais dos países do G20.
A efetividade do diálogo do C20 com os membros do G20, assim sendo, dependerá de diversas variáveis – a começar por proposições concretas e factíveis. Cassio França, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), destaca esse ponto e as diversas distinções entre países do G20. “Isso significa que algumas recomendações podem sensibilizar algumas nações e não outras. O processo de negociação diplomático é complexo e vai muito além da capacidade da sociedade civil ser competente em produzir recomendações, ou mesmo da abertura do governo brasileiro. Aliás, a postura do governo brasileiro em relação à sociedade civil tem sido muito positiva.”
Assista ao episódio O que a filantropia faz pela equidade?, da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial
Mobilização e articulação multimeios
Uma maneira para aumentar a efetividade das proposições em desenvolvimento via C20 diz respeito à análise detalhada sobre todos os segmentos para incidência. Desse modo, os encontros consistem também na organização segmentada em dez grupos de trabalho (GTs):
- Economias justas, inclusivas e antirracistas;
- Sistemas alimentares, fome e pobreza;
- Meio ambiente, justiça climática e transição energética justa;
- Comunidades sustentáveis e resilientes e redução do risco de desastre;
- Saúde integrada para todas e todos;
- Educação e cultura;
- Digitalização e tecnologia;
- Direitos da mulher e igualdade de gênero;
- Filantropia e desenvolvimento sustentável;
- ODS 16: Governança democrática, espaço cívico, combate à corrupção e acesso à justiça.
Ao destacar a dinâmica de atuação por meio dos GTs e assimilar as experiências das pessoas participantes das edições anteriores do C20, Marília Câmara Assis, articuladora Institucional e de Políticas Públicas da Fundação Tide Setubal, destacou possibilidades para participação nesse processo. “Foi muito importante compreender o potencial de contribuição da Fundação em vários dos 10 grupos de trabalho. Isso, sobretudo, em função da diversidade dos temas com os quais trabalhamos e temos considerável acúmulo dos pontos de vista prático – vivências e experiências – e teórico, por meio de sistematizações e produção de conhecimento já realizadas.”
Vale destacar que o Gife foi escolhido como organização facilitadora do GT9 do C20. Nesse contexto, Cassio França ressalta que o prazo para conclusão de desenvolvimento das propostas vai até o fim de maio. Isso resulta em “uma curta, mas intensa jornada para caminhar. As experiências com organizações internacionais são muito positivas. Pela presidência ser brasileira neste ano, isso nos leva a ter mais organizações brasileiras do que internacionais.”
Na sequência, explica Marília Câmara Assis, o “processo de elaboração das recomendações deverá acontecer até julho, quando a coordenação do C20 fará sistematização do trabalho realizado em todos os grupos de trabalho.”
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Sobre trocas e intercâmbio
Ainda sobre a relação com as OSCs que compõem o C20, Marília Câmara Assis destaca também a interface com as coordenações dos programas de influência e as áreas de Fomento a Agentes e Causas e Prática Local da fundação para “podermos ampliar a nossa capacidade de envolvimento nos grupos de trabalho. Isso, no caso, participando das reuniões e levando nossas contribuições para compor o rol de recomendações que deverão serão entregues ao G20.”
Ao mesmo tempo em que as experiências locais da fundação e de demais OSCs integrantes do C20 têm peso fundamental para o desenvolvimento das propostas que serão apresentadas no G20, deve-se ter no horizonte de que se trata de conjuntura para negociações em caráter internacional.
“A opinião do Brasil importa, mas é uma opinião frente ao conjunto de 19 nações, União Europeia e União Africana. Esse processo será um aprendizado para nós, brasileiros. Teremos de elaborar as recomendações com olhar nacional e, também, internacional. Quanto mais as organizações do C20 tiverem espírito internacionalista, maiores serão as nossas chances de influenciar os governos”, destaca França.
Lições internacionais para o contexto local
Logo, pode-se dizer que o processo de articulação no C20 deixa lições para o trabalho das OSCs em âmbito local. Uma delas consiste na necessidade de se olhar para o Brasil em caráter amplo e completo, para além dos temas de maior conhecimento das organizações.
Desse modo, uma vez que as negociações para o desenvolvimento de propostas consideram a atuação multidisciplinar, ao promover conexões entre os grupos de engajamento, as OSCs que não contemplarem todas as interfaces de seus campos de atuação com outros temas poderão perder uma oportunidade superimportante para desenvolver leitura sistêmica para o Brasil.
Por fim, ao mesmo tempo em que ter visão em caráter nacional é mandatório para o trabalho das OSCs, é necessário compreender-se o país em interação com outras nações. “Muitas OSCs não têm experiência ou costume com a agenda internacional. Porém, conectar as reivindicações realizadas no Brasil com contextos latinoamericanos e em fóruns multilaterais agrega bastante valor e conhecimento para as pautas que defendemos frente ao governo brasileiro”, completa Cassio França.
Texto: Amauri Eugênio Jr.