Encontro Hip Hop e Aliados chega a 9ª. edição com muitas histórias para contar
O Encontro de Cultura Hip Hop e Aliados que acontece, anualmente, no CDC Tide Setubal, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, já faz parte da história da região. “Moramos num bairro que não tem esporte, não tem lazer e as pessoas não tem acesso à cultura. Este evento é um dos mais […]
O Encontro de Cultura Hip Hop e Aliados que acontece, anualmente, no CDC Tide Setubal, em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, já faz parte da história da região. “Moramos num bairro que não tem esporte, não tem lazer e as pessoas não tem acesso à cultura. Este evento é um dos mais esperados por todos que acreditam na cultura e educação como forma de transformação social”, diz Wender Fernades, mais conhecido como Bboy Ninjinha, antes de fazer a sua performance junto com o grupo Die Hard Crew. Quem concorda com ele é o rapper Rodrigo Nascimento de Mello, o Rodone. “O evento já é tradicional e, aos poucos, se torna uma referência positiva na cidade.”
Nesta edição, o evento foi realizado em quatro dias com tema central foi baseado no Saber local: narrativas em cinco elementos que são a voz, o som, o corpo, as cores e as palavras. “O diálogo entre todos esses elementos mostra a evolução artística do movimento. Por meio da arte, os jovens expressam suas responsabilidades e ativismo em defesa dos direitos humanos”, comenta Inácio Pereira dos Santos Neto, coordenador de cultura da Fundação Tide Setubal.
De 8 a 10 de abril, aconteceu um ciclo de debates com exibição de filmes que participaram do Festival ENTRETODOS, sobre direitos humanos. Temas como habitação, direito a acessos foram discutidos. O público pode assistir, gratuitamente, aos curtas: Rolezinhos, Brasil, Mauá — Luz ao Redor, Hiato e Cidade Improvisada. “Foi a primeira vez que participei de algo assim. Nunca havia assistido a um filme na rua. Talvez, se não fosse, por conta do Encontro Hip Hop eu nunca teria acesso a esses filmes, nunca poderia refletir sobre os temas abordados, e perceber que sempre existe um outro lado da história”, fala David da Silva Cunha, 16 anos.
No sábado, dia 11, a programação foi a vez da programação com shows de rap,bboys, poesia e também a grafitagem. O público pode assistir aos grupos de rap Sujeira Brasileira, Causa P, Tábata Alves e Nocivo Shomon e ainda refletir com as intervenções poéticas realizadas pelo M.A.P – Movimento Aliança da Praça. Entre uma música e outra surgia uma nova poesia.
Mais de 30 grafiteiros e integrantes da Casa Rodante transformaram o local. A novidade ficou por conta da técnica de lambe-lambe misturada aos grafites. “Foram tiradas fotos de diversas pessoas que foram ou são importantes, não somente para o movimento de hip e hop, mas para a região. Ai surge a dúvida de quem está passando, pelas ruas, e vendo essas figuras: Será que isso é uma foto ou um grafite? Esse é um dos legados que deixaremos para o bairro”, comenta o grafiteiro Eduardo César, mais conhecido como Xyrox.
A participação de mulheres e crianças — Quem anda por São Miguel provavelmente já encontrou uma arte feita pela grafiteira Angélica Correa de 26 anos. Ela conta que na grafitagem as mulheres conquistaram seu espaço. “Fui muito bem aceita pelo grupo, hoje em dia os outros grafiteiros me convidam e indicam meu nome para diversos trabalhos.”
O sobrinho de Angélica, Marcos Correa de 11 anos também registrou sua arte nos muros do CDC Tide Setubal. Influenciado pelo trabalho da tia, ele começou a acompanhá-la nos eventos onde aprendeu a grafitar. “Sempre gostei de pintar, desenhar, vendo os trabalhos da minha tia eu quis aprender e já sei fazer um grafite bem bacana.”
Jéssica Maria dos Santos, 16 anos, já faz grafites há 2 anos. Ela participou de oficinas de grafitagem e hoje leva sua arte para os muros de São Miguel e região. Para a adolescente ainda há um longo caminho para as mulheres dentro do grafite. “Existem poucas no grafite, ainda mais na minha faixa etária. Ainda há uma resistência por parte dos homens com a nossa arte, mas aos poucos estamos mostrando que mandamos tão bem no grafite quanto eles”.
Alguns jovens do Galpão de Cidadania e Cultura também estiveram presentes ao evento. “Temos uma oficina de artes plásticas e eles aprendem técnica de pintura e desenho. Para estarmos hoje, aqui, fizemos uma oficina de preparação de grafitagem”, diz a arte educadora Caroline Sakotani. Esta foi a primeira vez que Rafaele
Mendes Gomes de 12 anos, aluna da oficina, grafitou um muro. “Gosto muito de desenhar e fico feliz em saber que várias pessoas poderão passar por aqui e ver o que eu fiz”, diz com orgulho. Marcos Antoni,12 anos, concorda com a colega. “Eles nos deram uma oportunidade para mostramos a nossa arte. E eu acho importante que as pessoas saibam que isso é um grafite e não uma pichação. Queremos deixar o nosso bairro bonito”, conclui Marco.
Retrospectiva – Durante os últimos nove anos, o Festival evoluiu. Em 2008, ele nasceu de maneira discreta e muito simples. “No começo, existiam vários grupos de rappers, bboys e grafiteiros que se reuniam em seus bairros para apresentar suas artes de forma separada”, relembra o grafiteiro Manulo, coordenador do Arte e Cultura na kebrada. Segundo ele, a Fundação Tide Setubal começou a oferecer várias oficinas de grafite e isso foi crescendo. “Começamos a trocar ideias e a nos conhecer. Decidimos então nos reunir e fazer um único evento e não havia cenário melhor do que o CDC Tide Setubal. O primeiro evento foi muito pequeno, o CDC não tinha a estrutura que tem hoje. Não tínhamos nem palco. Mesmo assim foi um marco na história do movimento. Assim, como a 9ª edição esta sendo”, explica o grafiteiro e rapper Fernando RV, do coletivo Causa P.
DJ Negrito, o Oalisson da Silva Barros, que participa da organização do evento, desde o início, também relembra a importância do Encontro. “Tínhamos a pretensão de termos um evento que representasse o movimento, com isso tivemos que aprender, também, a nos articular.”
Crioulo, Emicida, Racionais, dentre outros, foram alguns dos grandes nomes que passaram pelo palco da entidade, nos últimos anos. Na opinião de Xyrox, as contribuições do movimento para a região foram inúmeras. “Muitos coletivos foram formados e a arte local se fortaleceu. Todos passamos a ser reconhecidos como artistas e isso nos deu condição de sobrevivermos de nossa própria arte”, diz.
Depoimentos:
“Foi a primeira vez que participei de um evento como esse. Na verdade imaginava totalmente diferente. Achava que fazia apologia ao crime, mas para a minha surpresa, a primeira coisa que vi aqui, dentro do espaço, foi um grande número de crianças e algumas famílias assistindo aos shows”, comenta Alessandra Oliveira.
“Já é a segunda vez que participo. Gosto muito de rap. A primeira vez aque vim aqui fiquei surpresa com tudo que vi e ouvi. Por isso decidi voltar”, diz Tatiana Cacau.
“Gosto de eventos como esse e participo de todos. Acredito que a cultura é a melhor forma de fazer com que esta molecada refletiva”, Reinaldo da Silva.
“Vim lá do Butantã para conhecer o evento. Esta é a primeira vez que participo. Fiquei sabendo dos shows por meio das redes sociais e decidi conferir. Gosto muito de hip hop e nem sempre tenho dinheiro para para comprar os ingressos dos shows. Aqui estou ouvindo o que gosto, conhecendo outras pessoas, e ainda estou economizando”, diz William Ribeiro.