Escritores da realidade
Por Amauri Eugênio Jr. Há quem veja o ato de escrever como uma atividade corriqueira ou uma maneira para expressar emoções e sentimentos. Para os jovens integrantes do Projeto Toque de Letras, iniciativa realizada por meio de parceria da Fundação Tide Setubal, Fifa Foundation e Sociedade Amigos do Jardim Lapena, na qual os […]
Por Amauri Eugênio Jr.
Há quem veja o ato de escrever como uma atividade corriqueira ou uma maneira para expressar emoções e sentimentos. Para os jovens integrantes do Projeto Toque de Letras, iniciativa realizada por meio de parceria da Fundação Tide Setubal, Fifa Foundation e Sociedade Amigos do Jardim Lapena, na qual os treinos de futebol são integrados a atividades voltadas à comunicação, cultura e cidadania, escrever é também um modo para se ver no mundo e ser protagonista da própria história.
Essa lógica norteou a produção do livro Minha Escola Tem História, lançado em 27 de novembro, durante atividade no Galpão ZL da qual os educandos participaram – respeitando as regras de distanciamento social e demais medidas de segurança em virtude da pandemia de Covid-19. Organizada pelo educador Rafael Carnevalli, a obra é composta por uma série de contos escritos pelos jovens do projeto, que retratam experiências vividas por eles mesmos.
O livro bebe da fonte cultural dos slams e é um produto final das atividades desenvolvidas em 2019 e os planos para o lançamento da obra eram diferentes.
“Iríamos produzir um fanzine em princípio, mas evoluiu para o livreto. A gente iria lançá-lo em 4 de abril, junto com um evento que haveria na avenida Paulista do Dia do Esporte, no qual estaríamos juntos com a Rems [Rede Esporte pela Mudança Social], e haveria uma esquete de slam. Mas a pandemia parou tudo e os livros estavam parados. Como o ano estava acabando, decidimos lançá-lo e entregá-lo para os jovens”, pontua Marcelo Ribeiro Silva, coordenador de Prática de Desenvolvimento Local da Fundação Tide Setubal.
Dos esboços às páginas impressas
O pontapé inicial para a produção do livro estava ligado ao foco dos educadores do Toque de Letras em incentivar os hábitos da escrita e da leitura para os alunos – e isso tinha como base as suas respectivas realidades, seja em casa, entre os amigos e nas escolas nas quais eles estudavam.
Apesar da resistência inicial por parte de alguns educandos, com o passar do tempo os passes, lançamentos, chutes a gol e defesa passaram a dividir o interesse deles com a leitura e a escrita e tornaram-se, de fato, toques de letras.
Para Carolina Nascimento, educadora do Toque de Letras no eixo de comunicação, a produção do livro reflete muito sobre as vidas e personalidades dos educandos, cujo amadurecimento pôde ser notado com o passar dos anos em que o projeto vem sendo realizado. “O projeto é um espaço importante para os jovens. Apesar do interesse pela prática do futebol ainda ser o principal motivo deles estarem ali, temos notado que durante esses anos, eles se abriram mais para o debate, reflexão e realização de outras atividades.”
De acordo com Thiago Marcell Cassimiro, assistente de Programas e Projetos da Fundação Tide Setubal e educador do Toque de Letras no eixo de cidadania, o sonho de produzir a obra com os jovens já vem de edições anteriores do projeto, por meio da valorização do protagonismo deles.
“Por intermédio disso e com a construção coletiva desses conteúdos, trouxemos a possibilidade de não apenas ser um material para ser deixado como lembrança de um projeto em suas casas, mas sim uma forma de introduzi-los no meio do empreendedorismo literário, apresentando para os educandos várias formas de conquistar objetivos e ajudar suas famílias com a venda desse material.”
Do projeto para a vida
Entre os diversos tópicos de discussão relativos ao projeto, um dos destaques vai para o debate sobre equidade de gêneros. Segundo Carolina, esse é um tema constante nas atividades realizadas com os educandos. “Temos buscado diferentes formas de abordá-la e problematizá-la com os jovens. As jovens têm trazido isso para o debate de forma marcante, e podemos notar isso nas produções delas.”
Dentro disso, como a ala masculina tem se comportado? De acordo com a educadora do eixo de comunicação, a postura dele vem evoluindo. “Os meninos mostram-se ainda um pouco mais relutantes para abordar o tema, mas com os vínculos que criamos ao longo dos anos e das ações, notamos uma abertura maior.”
A evolução contínua dos jovens é uma parte fundamental da essência do livro, cujo propósito transcende as suas páginas: muitas outras estão prestes a ser preenchidas com novas vivências e experiências.
“Podemos sentir na fala de cada educando em nossas rodas de conversas, que a solidariedade, coletividade, afeto, empatia e a valorização do indivíduo já fazem parte da rotina diária deles. Os testemunhos vindos da parte de cada um são os melhores e são de abrilhantar os nossos dias, e por meio de alguns comentários são o nosso verdadeiro feedback: de que realmente estamos no caminho certo e está valendo a pena”, finaliza Thiago.