Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Escritores debatem a literatura negra
Passado e presente se relacionam na construção da trajetória do negro na literatura brasileira
Na quinta-feira, 18/11, durante o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, antecipando o Dia da Consciência Negra, foi realizado o debate “A Literatura Negra na Literatura Brasileira”, com as presenças dos escritores Oswaldo de Camargo, autor de “O Negro Escrito” e Allan da Rosa, autor de “Da Cabula”. Júlio, do GT Cultura do Movimento Nossa Zona Leste, mediou a conversa. Aproximadamente 50 pessoas acompanharam a roda na Sala de Convivência do CDC Tide Setubal.
Oswaldo de Camargo, 74 anos, iniciou a conversa, destacando da importância da literatura em sua vida. Relembrou os tempos em que leu os versos do poeta Cruz e Sousa, sentado em um banco da Praça da República; o livro fora emprestado de um carteiro. “Li, deslumbrado, aqueles versos”. Para ele, “o que falta hoje é uma grande amizade com a leitura. E a finalidade da literatura é dar prazer”.
Em seguida, o poeta fez um retrospecto da presença do negro na literatura, relatando como a palavra era negada aos escravos e que o negro só aparecia na literatura por meio das histórias contadas pelos brancos. “A Literatura Negra é uma resposta ao fato do negro ter sido silenciado. É tardia. Apenas no século XIX, Luís Gama afirma a identidade negra no poema ‘Quem sou eu?’”. Outros autores foram citados por Oswaldo Camargo, como Machado de Assis, Lima Barreto, Lino Pinto Guedes, Solano Trindade, Luiz Silva Cuti. Ele enfatizou ainda que, só a partir da Semana de 22, começou a se organizar uma coletividade, que culminaria anos depois no Dia da Consciência Negro.
Allan da Rosa trouxe um panorama do movimento de sua geração, da chamada literatura preta periférica. Antes, porém, afirmou que, mesmo silenciado, o negro nunca deixou de fazer sua poesia. “A poesia está no poder da palavra, seja oral ou escrita. Está, por exemplo, nos cantos”. Com relação à literatura negra a partir dos anos 1930, destacou a luta pela formação de circuitos para veiculação dessa escrita. “Encontrar o público é um fascínio”.
Justamente para aproximar literatura e público, retirando a leitura de poemas e romances de clubes de literatos fechados e devolvendo a literatura para as ruas, o movimento da literatura periférica acreditou na força dos saraus. Um dos mais conhecidos é o da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), idealizado pelo poeta Sergio Vaz e realizado no Bar do Zé Batidão há quase uma década, na zona sul de São Paulo (SP).
O autor de “Da Cabula” enfatizou que a produção literária desse movimento transita entre a oralidade e escrita. “Estamos na fronteira entre o que se lê e se escreve”. Apontou também a importância de uma crítica feita pelo próprio movimento e o trabalho dos escritores periféricos para lançar os livros, citando o caso das Edições Toró, que surgiu da necessidade de lançar os textos dos integrantes da Cooperifa.
No encerramento, cada escritor deu sua definição de literatura. Para Allan da Rosa, “literatura não é salvação, é dúvida; traz dúvidas, coloca no forno as contradições”. Para Camargo, ela é “ferramenta para interpretar o mundo”.
Intervenção do público
Na hora das perguntas do público, Bruno Vinicius dos Santos Manuel, 19 anos, morador de Guaianazes e integrante do movimento Arte Maloqueira, aproveitou a deixa para ler um poema, chamado “A Elite Treme”. Trata-se de um manifesto do Coletivo Cultura na Brasa, pelo qual o direito ao conhecimento e às transformações sociais são reivindicados. “Nós estamos aqui para intervir no debate, engrossar o caldo”, disse Richard David Manuel Júnior, 20 anos, também do Arte Maloqueira.
Para os dois jovens, o debate proporcionou novas referências. “Foi super bacana. Contribuiu para a minha formação”, relatou Bruno. “Momentos assim nos ajudam a crescer pessoalmente, coletivamente e intelectualmente. Saio daqui com mais perguntas e vontade de pesquisar mais as novas fontes citadas”, complementou Richard.