Ocupar espaços e visibilizar narrativas e perspectivas contra-hegemônicas foram aspectos centrais no lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro. A websérie da Fundação Tide Setubal veio ao mundo em evento realizado no Itaú Cultural, em 15 de outubro. Participaram da atividade representantes das cinco coletivas que desenvolveram os episódios que constituem a sua nova fase.
Um dos aspectos centrais desta e das temporadas anteriores do projeto consiste no fomento à atuação de coletivos audiovisuais com trajetória periférica das cinco regiões do Brasil. Nesse sentido, até aqui, vinte organizações receberam, cada uma, apoio de R$ 20 mil para a produção de curtas-metragens. Esse valor poderia, inclusive ter como destino investimentos em áreas que considerassem fundamentais para os seus respectivos desenvolvimentos. Logo, o total repassado até a quarta edição foi de R$ 400 mil.
Fernanda Nobre, gerente de Comunicação da Fundação Tide Setubal, destacou essa dimensão e o papel que essa estratégia tem para fortalecer a narrativa feita por e para atores das periferias. “A websérie Ancestrais do Futuro conecta-se com o eixo de comunicação de causas, no qual, gosto sempre de dizer que uma causa não precisa ter apenas a assinatura institucional. O nosso papel como instituição é também ser plataforma para que outras vozes vocalizem e legitimem debates fundamentais para enfrentar a desigualdade nos territórios.”
Ao dialogar com essa lógica, Tony Marlon, educador, comunicador popular e membro da Coordenação Executiva do Ancestrais do Futuro, reforçou a lógica do protagonismo por meio do espaço que produtoras e produtores das periferias têm para reverberar suas narrativas.
“Isso é produção de pensamento e elaboração intelectual. Então, o que estamos vendo é uma elaboração intelectual sobre esse tema. Ou seja, trata-se da conversa urgente do nosso tempo. Mas com cada uma de nós, elaborando a partir de um lugar, pois a cabeça pensa onde os pés pisam”, reforça.
Vozes e narrativas em cena
O lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro representou também uma oportunidade emblemática para ouvir quem faz cinema nos territórios colocar suas próprias narrativas em evidência.
Luan Melo, da Bora Fazer Filmes (MT), que produziu o curta-metragem Nossos Sonhos pela Janela, descreveu o desenvolvimento do filme com as crianças que foram entrevistadas para a parte documental do projeto e atuaram na parte ficcional – e distópica. A saber: enquanto as entrevistas passaram por dimensões sobre ações necessárias no presente para evitar o colapso ambiental, a parte futurista representava um mundo que lidava com as consequências da inação para conter esse cenário.
“Estamos em um sinal de desesperança muito grande. Fala-se muito sobre o fim do mundo, mas o que podemos fazer para mudar de fato? Acredito que poderemos começar ao olharmos para a possível esperança. Ou seja, pensarmos no que está sendo feito hoje, o que foi feito no passado e o que podemos mudar. A principal resposta está em olhar para populações indígenas, quilombos e essas sociedades que foram marginalizadas, mas têm algo a ensinar”, pondera.
Ao dialogar com essa perspectiva, Augusto Santos, do Cine Kafuné (RS), que produziu a videodança De Bará a Oxalá, considera que o audiovisual tem poder revolucionário. Por meio do trabalho exercido pela coletiva em escolas, percebeu-se o significado que essa iniciativa teve – e tem – para quem faz parte de grupos historicamente invisibilizados.
“Quando não se mostram pessoas negras e indígenas, ou elas são mostradas em situações subalternas, estão dizendo que esse é o papel na sociedade. Mas, quando a periferia começa a fazer audiovisual, entendemos que começávamos a nos ver de outro jeito”, narra, durante o evento de lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro.
Assista ao evento de lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro
Sobre autocuidado e aprendizados
Durante sua participação no evento de lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro, Carol Canuto, da Coquevídeo (PE), que desenvolveu o filme No Tempo do Sonho, falou sobre a relação que o autocuidado com a lógica de adiamento do fim do mundo – inclusive pelo fato de a humanidade ter relação intrínseca com a natureza.
“A força maior que poderemos aplicar para adiar esse fim é começar pelo autocuidado com nós mesmos”, pondera. Essa dinâmica relaciona-se com uma passagem decisiva do curta-metragem produzido pela Coquevídeo no que diz respeito à simbiose entre ser humano e meio ambiente. “Considero que somos imagem e semelhança da natureza. Sempre ouvi que é como se fôssemos os rios, as flores e as árvores.”
Por sua vez, Mariana Almeida, diretora executiva da Fundação Tide Setubal, descreveu que o processo de transformação social em voga no início dos anos 2000 tinha dinâmica colonizada. Ou seja, por meio de uma espécie de manual previamente estabelecido e sem possibilidade de adaptação a mudanças que pudessem surgir com o tempo.
No entanto, a necessidade de adaptar a atuação tornou-se continuamente necessária. “Onde está a grande resposta? Essa é a nossa alienação para entender que o mundo só é transformado se ele for realmente transformado. Mas somente se transforma o mundo fazendo, vivendo e se sentindo parte dele. A revolução é deixar viver, ou seja, garantir de fato que haja vida e que não seja tão difícil.”
Essa abordagem dialoga com a perspectiva proposta pela professora de História Lígia Harder. Para ela, que assistiu ao evento de lançamento da temporada 4 de Ancestrais do Futuro, a importância da participação das coletivas tornou-se evidente por elas falarem sobre suas vivências e realidades para mostrar que estão em resistência e em busca de mudanças. “Não teremos outra alternativa a não ser termos de pensar em possibilidades, por uma questão de sobrevivência. E essas trocas são necessárias e urgentes”, finaliza.
Para dar play
Assista aos episódios da temporada 4 da websérie Ancestrais do Futuro no Enfrente, canal da Fundação Tide Setubal no YouTube. Cada filme entra no ar sempre às terças-feiras.
Confira a seguir a playlist com os três curtas-metragens já lançados até 29 de outubro:
- Nossos Sonhos pela Janela, da Bora Fazer Filmes (MT);
- Da Terra ao Clima, da Gueto Hub (PA);
- No Tempo do Sonho, da Coquevídeo (PE).
O filme De Bará a Oxalá, do Cine Kafuné, entrará no ar em 5 de novembro. E Onde a Terra Ferve, do Núcleo AOTA, encerrará a temporada 4 de Ancestrais do Futuro na semana seguinte (12).
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Daisy Serena