Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Os desafios do trabalho com os adolescentes*
Quem são os adolescentes dos tempos de hoje? Como eles podem estar mais preparados para enfrentar o mundo contemporâneo?
Quem são os adolescentes dos tempos de hoje? Como eles podem estar mais preparados para enfrentar o mundo contemporâneo? Quais são os desafios com que os profissionais que trabalham com esse público têm de lidar? As possíveis respostas para essas perguntas sem dúvida são muitas e incessantemente renováveis, uma vez que a realidade se apresenta de diversos modos. Também não podemos falar de uma única adolescência, mas de várias, com caminhos, estilos, pensamentos e características particulares.
Escrever sobre adolescência é, sobretudo, lidar com o tema das contínuas transformações. Adolescência é uma trajetória marcada pela passagem de um mundo infantil, protegido, no qual sempre há adultos (pais ou seus substitutos) zelando pela criança, para um mundo adulto no qual cada um tem de se responsabilizar pela sua vida e suas escolhas. O adolescente se vê, então, obrigado a lidar com todas essas mudanças. Obrigado porque ele não pode escolher entre crescer ou não: a todos nós, impõe-se a tarefa de lidar com esse novo lugar no mundo.
E como é essa trajetória que o adolescente constrói, ensaiando novos lugares, jeitos de ser, possibilidade de futuro? É, antes de tudo, intensa. Recheada de conflitos, crises, questões. Não é fácil conquistar a autonomia, o engajamento no mundo, e responsabilizar-se pelas próprias atitudes. Tudo isso implica necessariamente um certo tempo. Tempo para se dar conta, experimentar, testar, questionar, brigar, descobrir, construir outro jeito. Tempo para aceitar as perdas dos benefícios de ser criança e para descobrir que também há benefícios em ser adulto.
Discute-se hoje o fenômeno de alargamento do tempo da adolescência. De um lado, a globalização, a rapidez, a variedade e a quantidade de estímulos aos quais as crianças estão expostas levam-nas a entrar precocemente na adolescência. De outro, a saída desse tempo também é mais tardia, em virtude, por exemplo, do mercado de trabalho, que exige maior preparo e especialização dos jovens.
Assim, por um bom período da vida, as pessoas ocupam um lugar adolescente, marcado por mudanças e instabilidades. E, na busca de um espaço na sociedade, muitas delas tornam-se questionadoras: arriscam-se, provocam, constrangem, perguntam, desafiam, tentam e acontecem. Outras, assustadas, mostram-se apáticas e desinteressadas.
O que podemos fazer então? Qual é o nosso papel? Compreender esse movimento é o primeiro passo para encontrar verdadeiramente esses adolescentes, sabe conversar com eles e saber fazer escutar por eles. É preciso estar atento ao fato de que, apesar de inúmeras vezes eles se mostrarem muito rebeldes, distantes ou intransigentes, no fundo estão ávidos por conversas e encontros. E não exclusivamente com os amigos, que sem dúvida têm um papel fundamental nessa fase, mas também com os adultos. Com aqueles que podem ser referências, modelos e interlocutores.
Das muitas transformações vivenciadas pelos adolescentes, as relacionadas ao corpo estão entre as mais fortes e importantes. É ele que indica a entrada da puberdade. Nesse momento, o corpo vai deixando de ter um aspecto infantil para ganhar a forma adulta. Os hormônios começam a atuar, surgem espinhas, acontece uma mudança na voz, os caracteres sexuais de desenvolvem. Os adolescentes são, então, invadidos pó inúmeras questões e conflitos com o próprio corpo.
A partir do processo de materialização desse novo corpo, o adolescente vê-se confrontado e estimulado com uma novidade: a possibilidade de usufruir de uma sexualidade adulta, ou seja, de pode beijar, namorar, transar. Fato completamente inédito em sua vida. Novamente ele é bombardeado por infinitas perguntas: o que eu faço como todos esses meus desejos? Como lidar com a minha sexualidade?
Nesse sentido, as primeiras experiências amorosas são extremamente importantes. Elas são uma espécie de brincadeira, jogos em que o adolescente vai experimentando as novas possibilidades de seu corpo, de seu jeito, de se relacionar e gostar dos outros. Elas são de uma intensidade e volatilidade notáveis. Grandes paixões e aventuras, mas também as maiores desilusões e desgostos.
Todas essas novas vivências corporais e sexuais implicam necessariamente muitas mudanças subjetivas. Quem sou eu? Do que eu gosto? A que turma eu pertenço? Estar integrado a um grupo de amigos, por exemplo, adquiro uma enorme importância. Vemos então que nesse momento a família – e também as pessoas mais próximas, como os professores e parentes – deixam de ser a única referência, e os laços fraternos com os amigos ganham uma nova dimensão.
A turma de amigos torna-se um fator de pertencimento e de troca, que amplia as referências de vida. Ela é o primeiro laço social construído pelo adolescente fora de sua família de origem, um espaço de possibilita a experimentação da condição de ser jovem. Essa nova relação não substitui a relação familiar, contudo ele é fundamental para que o adolescente sinta-se autorizado a experimentar situações novas.
No trabalho com adolescentes, somos continuamente confrontados com um pedido: “queremos exemplos”. Isso nos indica, entre outras coisas, que nesse percurso de se tornar adultos os jovens querem ter referências tanto de outros jovens com quem se identificam horizontalmente, mas também de adultos, pais, familiares, educadores.
Contudo, nos deparamos freqüentemente, na atualidade, com adultos que não sabem como se relacionar com adolescentes. E esse desencontro pode gerar uma ausência da figura do adulto de diversas formas. Alguns exemplos: adultos que querem ser tão jovens quantos os jovens e se colocam de igual para igual em relação a eles; homens que não assumem o papel de pais e simplesmente não se responsabilizam pela criação de seus filhos; mães cansadas de tanto trabalhar e cuidar da família que se ausentam não fisicamente, mas emocionalmente na criação de seus filhos; educadores que , sem entender seus alunos, não conversam, estimulam, discutem com eles; e até um governo que, sem conseguir cumprir seu papel, o de investir nos jovens, acaba também por deixá-los desamparados. Enfim, toda uma série de ausências e desencontros. E diante de tudo isso, o adolescente sente-se perdido e clama por ajuda. É verdade que não é fácil escutar esse grito, muitas vezes desesperado, desordenado, violento, sem causa aparente. Gritos que aparecem em forma de revolta, ações criminosas, uso de drogas, indisciplina, gravidez precoce ou até suicídio.
E afinal, o que querem os adolescentes de hoje? Querem um futuro, um trabalho, um sentido para suas vidas, um mundo adulto que ajude e dê espaço para que eles possam construir projetos de vida possíveis. Como abrir mão dos prazeres imediatos da juventude se eles olham para o futuro e não vislumbram nenhuma possibilidade? Como investir nos estudos, se a escola de hoje, muitas vezes, não se configura como um lugar de aprendizado valorizado, de desenvolvimento pessoal e profissional, de ampliação de horizontes? Como construir um projeto de vida, se muitas vezes eles sequer imaginam por onde começar?
Finalmente, perante esse quadro complicado da situação do adolescente na atualidade, poderíamos concluir (como muitos deles, aliás) que não há saída. No entanto, não é isso o que o trabalho com eles tem nos mostrado. Ao contrário, vemos o quanto podem ser potentes e criativos. Para isso é preciso estar como eles, escutá-los, entender o que estão passando, colocar-se ao lado. Eles querem falar, conversar, ser reconhecidos nessa trajetória adolescente.
Talvez possamos entender que o papel do adulto frente ao adolescente é o de apostar nele. Apostar é pode sobreviver aos momentos de dúvidas, ataques e desamparo pelos quais ele passa. Apostar é estar física e emocionalmente presente na vida dele, sendo uma referência, colocando limites, conversando sobre questões importantes e até questionando o mundo junto com ele. Apostar é acreditar que existe um futuro possível para os adolescentes de hoje.
Tide Setubal Souza e Silva – psicóloga e psicanalista, mestre pela Université René Descartes – Paris V, trabalha na equipe Menina-Mulher/Espaço Jovem da Fundação Tide Setubal.
*Este artigo é parte integrante do livro Mundo Jovem: desafios e possibilidades de trabalho com adolescentes, lançado pela Fundação Tide Setubal em novembro de 2008.