Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Participação política e engajamento da juventude na mobilizacao social ganham novos contornos em busca de uma democracia mais justa
Três jovens compartilham suas experiências e percepções sobre o tema em mesa de debate durante Seminário Internacional
Uma nova forma de mobilizar e participar ativamente das questões em pauta no país. Isso é o que o Brasil tem construído nos últimos anos, garantem os especialistas, tendo os jovens um papel central no novo processo. Essa foi a discussão que norteou os debates da mesa “A voz do jovem na mobilização social”, como parte da programação do Seminário Internacional Cidades e Territórios: encontros e fronteiras na busca da equidade.
A cientista social Beatriz Pedreira abriu o debate trazendo dados da pesquisa Sonho Brasileiro da Política, realizada em 2014, motivada pela efervescência do tema política após as manifestações de junho de 2013. O estudo – qualitativo e quantitativo – ouviu mais de mil jovens de 18 a 32 anos, a fim de entender as motivações, os valores, as visões e as iniciativas que norteiam a participação e o engajamento dos jovens na transformação da política do Brasil.
Segundo Beatriz, um dos principais achados do estudo foi a importância que as mobilizações de 2013 tiveram para a nova geração, sendo um marco simbólico para a sua vida, motivando novas formas de agir e de pensar politicamente, ampliando, inclusive, a participação da juventude em questões sociais do país.
Porém, a forma como se dá essa participação é diversa. Há dois grupos que se destacam: 39% dos jovens são alheios à política e 61% estão interessados na mesma. Esse segundo grupo se divide em vários outros: 17% são aqueles que estão à deriva, ou seja, acabaram de conhecer o tema e estão animados para atuar, mas ainda sem posicionamento; 24% são os críticos, aqueles com posicionamento político, conseguem mobilizar pessoas a partir da sua opinião, mas não têm uma ação prática offline; e os 16% restante se dividem em: 8% dos jovens ‘agentes’, que desenvolvem práticas de transformação social em ações mais ligadas à ONGs e igrejas e 8% são os que estão criando novas formas de fazer política.
Esse último grupo se autodenominou de ‘hackers da política’, ou seja, eles trazem a mentalidade do hacker, que é o de entender o sistema, encontrar as brechas e fazer mudanças, mas neste caso para atuar em prol de causas que são cada vez mais múltiplas e transitórias.
“E é aí que está justamente o ponto de desconexão entre a política institucional e como os jovens atuam politicamente. As causas não estão nos partidos. Assim, o jovem não consegue se aproximar destas instituições porque a forma como elas se organizam não dialogam com a sua realidade. Ele passa então a criar a sua maneira de atuar. Não que ele esteja negando os partidos, ele até reconhece, mas essa forma de fazer política não lhe representa”, explicou, ressaltando que o próximo passo a ser dado pelos partidos deve ser no sentido de olhar esse cenário e reconsiderar seu papel de intermediário.
Beatriz trouxe como exemplo a nova forma de atuação dos estudantes secundárias – que ocuparam centenas de escolas por várias regiões do Brasil – e mostra uma atuação forte, conseguindo influenciar iniciativas semelhantes em outros países na América Latina. “Isso mostra o quanto a região está conectada e que a busca por transformação não é apenas uma atitude dos brasileiros, mas que trata-se de um movimento latinoamericano de fato”, ressaltou.
Para dar luz a essas novas formas de fazer, foi realizado um mapeamento, comandado também pela cientista social, que levantou 700 iniciativas de práticas de inovação política em vários países e estão disponíveis na plataforma Update Politics. A partir desta pesquisa, foi possível identificar quatro tendências de comportamentos que estão impulsionando a inovação: ‘protagonismo cidadão’, com uma partipação mais ativa das pessoas nestas questões; ‘identidade estética’, com uma nova forma de comunicar a política; ‘cidadão em foco’, com experiências de trazer os cidadãos para a construção das políticas; e a ‘infoguerrilha’, na qual a informação é utilizada para transformar as práticas de corrupção.
“Será olhando justamente para as práticas que estão nas bordas é que vamos conseguir traçar novos caminhos e olhares para mudar a política e ter uma democracia mais participativa na qual a sociedade e o Estado estão mais próximos”, acredita Beatriz.
Online x offline
Uma tendência que tem se observado, principalmente entre os jovens, é o uso das novas tecnologias para conectar, aproximar e ativar redes a fim de discutir e fazer política. Esse é o caso, por exemplo, da Rede Nossas Cidades, uma rede de ativismo e mobilização que reúne mais de 250 mil pessoas em nove cidades no país.
A primeira iniciativa foi promovida no Rio de Janeiro, com a Meu Rio, a partir da percepção de que muitas ações políticas desenvolvidas via redes sociais globais não alcançavam de fato os territórios, espaços nos quais as políticas se concretizam. “Percebemos que a melhor maneira dos cidadãos incidirem sobre a formulação de políticas em acordo com a sua realidade era organizando de forma mais efetiva a nossa força coletiva focado no território”, contou Alessandra Orofino, uma das co-fundadoras da iniciativa.
Alessandra lembrou, porém, que a formação destas redes deve ir além dos dispositivos digitais e a aposta é fazer política no dia-a-dia, não necessariamente partidária, mas com pressão social constante. “Não se mexe em nada dentro dos gabinetes se não tivermos uma pressão de fora batendo todo dia em sua porta. As pessoas precisam de espaço para trabalhar e a opinião pública ajuda esse representante a conseguir o espaço que precisa e construir políticas públicas. Não podemos negligenciar isso”, disse.
Resgatando o debate sobre as manifestações de 2013, Alessandra avalia que, apesar de ter sido um momento de despertar político para boa parte da juventude, restou pouca articulação de fato e que é preciso reconhecer que os movimentos não conseguiram e não sabem como reativar essa imensa população que se envolveu nos debates.
Uma das possíveis causas para tal é a sociedade ter depositado esperanças na capacidade de reativação das massas somente por meio das novas tecnologias, já que dados e informações sobre essas pessoas não foram computados. “Mas precisamos ter em mente que estes ambientes de diálogo das redes sociais não foram feitos para facilitar a ação política. Ao contrário, esses ambientes reforçam o discurso e realimentam as mesmas opiniões, pois falamos só com os iguais. Não há o diálogo com o diferente”, acredita Alessandra.
Em sua opinião, o caminho será desenvolver tecnologias sociais e iniciativas que consigam canalizar esses descontentamentos da população para a criação de grupos com capacidade real de incidência, a fim de que os representantes desenvolvam políticas efetivas de transformação social. “E esse tipo de organização política tem o dever de não ser razoável e de pedir o impossível para arrastar esse país para outro patamar”, ponderou.
Lutas por causas
Tony Marlon, criador da Escola de Notícias, instituição de comunicação e empreendedorismo comunitário, no bairro do Campo Limpo em São Paulo, concordou com Alessandra, destacando que esses movimentos de transformação só serão possíveis se as juventudes participarem do processo.
“E esse movimento já vem ocorrendo todos os dias nas margens da cidade. Falo que temos ‘2013’ nas periferias todos os dias. Existe uma cidade acontecendo que a própria cidade não sabe”, afirmou, destacando as características do bairro, que conta com mais de 600 mil habitantes, sendo que 54% têm até 29 anos. No espaço, há uma efevercência de iniciativas juvenis, principalmente culturais, como os saraus.
O jornalista lembrou ainda que dentro dessa nova configuração de participação, o que tem se observado é uma lógica de atuação em torno de lutas coletivas e não mais por projetos individuais. “Podemos ser extremamente diferentes, mas a luta conecta, pois algumas causas são de todos. E estamos conseguindo construir essas conexões a partir das demandas que são comuns. O que precisamos também pensar para quem a nossa luta está sendo relevante e o quanto do nosso tempo estamos dedicando a elas”, questionou Tony.
Repercussão
Como não poderia deixar de ser, muitos jovens marcaram presença na atividade, a fim de acompanhar as discussões sobre temas de seu interesse. A organização Pró-Saber, localizada em Paraisópolis, zona Sul de São Paulo, por exemplo, veio com um grupo especialmente para participar da mesa e os adolescentes se identificaram com o debate.
Gabriel José, de 17 anos, comentou que o ponto alto foi a fala do Tony, quando questionou o senso comum que aponta o jovem da periferia como carente. “Afinal, carente do quê?, ele disse. Achei isso muito bom. Precisamos pensar que o jovem é o futuro e temos que olhar para isso agora, para que o nosso amanhã possa ser melhor construído”, acredita.
A educadora Luana Andrade, que acompanhava o grupo, disse que ir ao Seminário foi importante também para que os jovens pudessem conhecer um pouco mais da região Central, já que não circulam pela cidade normalmente. Antônio Carlos de Jesus Santos Junior, de 15 anos, aprovou a iniciativa. “Foi interessante vir ao Seminário porque não estou acostumado a participar de momentos como este, assim como vir ao Centro. É como se fosse um lugar novo para mim. Pretendo vir mais vezes para conhecer mais”.