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Qual é a relação entre equidade de gênero e tributação sobre produtos?

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13 de março de 2024
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Você considera que os parâmetros para tributação sobre produtos de origens e finalidades diversas seguem parâmetros técnicos e sem nenhum tipo de viés? Caso sim, saiba que este não é mesmo o caso. Pois bem, o artigo Tributação, patriarcado e divisão sexual do trabalho, escrito pela advogada e mestra em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiza Machado de Oliveira Menezes, mostra outra realidade nesse contexto.

 

Nesse sentido, o manuscrito, que obteve a segunda colocação no II Prêmio Orçamento Público, Garantia de Direitos e Combate às Desigualdades, tem como objetivo “investigar se a tributação sobre produtos ligados à fisiologia feminina e produtos relativos ao trabalho de cuidado constitui uma discriminação implícita de gênero do sistema tributário nacional.”

 

Um dos exemplos que endossam a análise do artigo abrange métodos contraceptivos para gêneros diferentes. Enquanto a tributação de pílulas anticoncepcionais e de DIU hormonal é de 30%, e o do DIU de cobre é de 32,5%, o percentual de preservativos é 9,5%. Além disso, o medicamento Viagra tem tributação de 18%. Outro exemplo ainda mais aterrador: a tributação sobre bomba de amamentação é de 27,25%. Já a de bomba para encher pneus? É de 9,25% – quase um terço em comparação com o exemplo anterior.

 

Para Luiza, os exemplos desses produtos permitem enxergar a discriminação de gênero na tributação sobre produtos. “Na minha pesquisa, investiguei produtos ligados ao trabalho de cuidado e os ligados à fisiologia feminina. Eu encontrei uma gama muito grande de variações na tributação desses produtos”, comenta. “Falamos de um produto essencial de uso feminino, ligado a um processo fisiológico, nos casos das mães, em comparação com o produto bomba para encher pneu. Não é um produto ligado à saúde ou essencial nos termos do que a nossa Constituição traz.”

 

+ Confira entrevistas com pesquisadores selecionados no II Prêmio Orçamento Público, Garantia de Direitos e Combate às Desigualdades

 

Sobre tributação, trabalho doméstico e mercado de trabalho

Pode-se destacar, no debate a respeito de tributação sobre produtos, o contexto dos itens relativos ao trabalho de cuidado e à fisiologia feminina. Assim sendo, o debate sobre a divisão do trabalho por gêneros tem papel de destaque nesse contexto – ainda mais quando se fala em intersecção por gênero.

 

De acordo com dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres dedicam 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas. Já os homens gastam 11,7 horas para realizar as mesmas atividades. Quando a clivagem racial entra na história, mulheres negras levam 1,6 hora (22 horas) a mais por semana em comparação com mulheres brancas. Por outro lado, a proporção horária para homens negros e brancos é a mesma: 11,7 horas.

 

No que diz respeito à participação no mercado de trabalho, tais disparidades vêm à tona. Ao passo que a presença de mulheres é de 53,3%, a de homens está em 73,2%. E esse panorama reflete-se também no que diz respeito à taxa de informalidade: a relativa a mulheres é de 39,6%; já a de homens, 37,3%.

 

“A questão do trabalho de cuidado, doméstico ou de reprodução social – pode-se usar esses três termos como sinônimos para simplificar a discussão – tem uma característica muito voltada à exploração do trabalho feminino”, pondera Luiza Machado. “Isso tem impacto justamente nos gastos. A literatura já demonstrava que essa diferença pode ser uma fonte de a gente encontrar esses viés de discriminação na tributação.”

 

Horizontes tributários possíveis

Outro ponto que vem à tona quando se fala em tributação sobre produtos diz respeito à mobilização para que a reforma tributária pudesse ser aprovada. Assim sendo, esse debate passa pela disputa por espaço no debate e espaços de decisão – no caso, nas áreas tributária e política. Ao citar a filósofa Nancy Fraser, Luiza Machado considera que a política “é a esfera de lutas onde vamos travar as batalhas por redistribuição e reconhecimento.”

 

Esse ponto disse respeito ao fato de o grupo de trabalho na Câmara dos Deputados que analisou à época a reforma tributária não ter nenhuma mulher presente no início. Por meio de ocupação de espaços em audiências públicas sobre o tema e o apoio de parlamentares mulheres, demandas intrínsecas à equidade de gênero ganharam espaço.

 

“Ficou claro, durante o processo da reforma tributária, que precisaríamos ter muitas aliadas deputadas mulheres, alguns deputados homens também aliados na luta. Isso para conseguirmos, por exemplo, a inclusão dos produtos de higiene menstrual no rol dos itens que podem ter alíquota reduzida”, pondera Luiza.

 

Ainda a respeito da tributação sobre produtos abrangeu a revisão, a cada cinco anos, de benefícios tributários ao observar-se a equidade entre homens e mulheres. Além disso, pode-se citar a alíquota zero para produtos da chamada “cesta básica nacional” – ou seja, produtos isentos de tributos.

 

“Poucos países no mundo conseguiram trazer o critério da igualdade de gênero aliado à tributação nas suas constituições. O Brasil agora é um deles e é um exemplo nas práticas internacionais. Foi um processo muito bonito de luta que tivemos no último ano para avançarmos no debate da tributação da igualdade entre homens e mulheres”, finaliza Luiza Machado.

 

Saiba mais

+ Entrevista com a economista Roseli Faria

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: RDNE Stock Project / Pexels


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