Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Por que é importante falar sobre licença-paternidade dentro do debate sobre equidade de gêneros?
Mesmo estando prevista na Constituição Federal de 1988, o período da licença-paternidade nunca foi definido. O STF entende que chegou a hora.
A licença-paternidade atraiu holofotes e tornou-se fonte e objeto de debates nos últimos dias. O motivo? O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em 14 de dezembro, que o Congresso regulamente em 18 meses a duração desse direito. No formato atual, mesmo provisório, a duração atual da licença é de cinco dias. Todavia, é importante afirmar o seguinte: esse prazo foi estabelecido provisoriamente pela Constituição Federal de 1988 até a definição do período definitivo.
Como tal decisão nunca ocorreu, o STF acolheu uma ação de 2012 da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, por meio da qual se questiona por que não ocorreu a definição do período definido.
Para efeito de comparação, a licença-maternidade dura 120 dias, podendo durar até 180 dias caso se trate de empresa adepta do Programa Empresa Cidadã. Essa iniciativa promove também a prorrogação da licença-paternidade; no entanto, o direito passa para 20 dias. Diante desse quadro, a inação para regular esse direito em âmbito paterno resulta, entre outras coisas, na retroalimentação de discriminações por gênero e de estigmas sociais.
Efeito borboleta
De acordo com um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), a queda nos níveis de empregabilidade de mães com maior escolaridade é de 35% 12 meses após o início da licença-maternidade. Já entre as que têm nível educacional mais baixo, a redução é de 51%. O estudo indica também que outras políticas públicas, como a expansão de creches e de pré-escolas, são necessárias para reter mães no mercado de trabalho.
Nesse sentido, falar sobre vagas em creches ganha contornos dramáticos. Outro estudo, também da FGV, aponta que mais de 2,5 milhões de crianças estão fora de creches no país. Essa realidade foi um dos tópicos da entrevista que Maria Alice Setubal, presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal, concedeu à Exame.
Durante o diálogo com a Exame, ela destacou como essa dinâmica reforça as disparidades de gênero no mercado de trabalho. “O Brasil tem uma lacuna para preencher com a oferta de creches para mulheres entrarem no mercado de trabalho, dada a situação de pobreza e desigualdade, com mulheres chefes de família. Para trabalhar e sustentar a família, essas mulheres precisam de creches.”
Pode-se dizer que há relação direta entre o estado atual da licença-paternidade e o status profissional de homens no mercado masculino em comparação com o determinismo de gêneros. Isso, sem eufemismos, prejudica de modo definitivo trajetórias profissionais de mulheres. Desse modo, como se pode mudar esse quadro?
Os papéis dos homens
Para além de fatores regulatórios, é necessário haver mudança cultural quando se fala no modo como se vê quais papéis cabem a homens e mulheres. Em particular, quando se trata de cuidados e da criação de filhas e filhos.
Durante participação no programa É Preciso Falar Sobre Saúde Mental, produzido pelo canal Inconsciente Coletivo, do Estadão, e pela Fundação Tide Setubal, o psicanalista Pedro Ambra, doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e autor dos livros O que É um Homem? Psicanálise e História da Masculinidade no Ocidente e Cartografias da Masculinidade, apresenta algumas pistas.
Um ponto mandatório, assim sendo, passa pela reconstrução do modo como homens são condicionados a ver tarefas domésticas, como se tratasse de funções inatas de mulheres. No entanto, esse pressuposto determinismo de gêneros é meramente uma construção social, logo, é necessário que ambas as partes dividam tais obrigações. E essa lógica abrange também a criação de crianças, inclusive quando se fala na licença-paternidade.
“Ser pai tem a ver com a responsabilização do trabalho com a criança, de entender que aquilo [a maioria consolidada de tarefas] é uma coisa que precisará ser feita, e que não há quase nada, exceto a questão da amamentação, que seja exclusivo da mulher.” No mesmo programa, Ambra falou sobre uma das diversas lendas urbanas que volta e meia vêm à tona nesse contexto. “Te darei um exemplo: a ideia de que bebês prematuros, quando colocados contra o corpo da mãe, isso diminui em 50% os dias que ficam na incubadora. Se o são com o pai, é a mesma coisa – não há diferença nenhuma.”
Entrevista de Pedro Ambra no programa É Preciso Falar Sobre Saúde Mental
Sobre a autocrítica
Durante reportagem sobre o papel de homens na busca pela equidade de gêneros, publicada em março de 2020, Patrícia de Almeida Kruger, pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, destacou a urgência em se romper com padrões comportamentais quanto aos gêneros para para haver transformações significativas e duradouras. Essa mesma lógica vale, então, para quando se fala sobre licença-paternidade.
“Ao ter em mente que o ideal do masculino é uma criação, que nenhum homem é determinado biologicamente a ter esses atributos e mulheres idem, fica muito mais fácil dizer que se está reproduzindo uma estrutura que consiste em uma criação [social]”, pondera.
Por fim, Kruger enfatiza também a necessidade de os homens terem consciência sobre os seus respectivos papéis e poderes transformadores. “Você deve estar muito ciente do seu papel transformador na sociedade. Uma vez ciente disso, você terá [o poder de] formação para intervir nesse tipo de situação.”
Saiba mais
+ Qual é o papel dos homens na busca pela equidade de gêneros?
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Pexels / Tima Miroshnichenko