Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Público conversa com autores sobre telenovela e literatura periférica no CDC
Histórias, reflexões e questionamentos sobre os diferentes temas envolveram o público
Vida Alves abriu o debate relembrando as histórias dos pioneiros da televisão no Brasil. “Fizemos TV sem nunca ter visto TV. O que nós tínhamos era vontade de fazer. Éramos ricos de vontades, de idéias”, disse. Comentou que, ao contrário do que muitos imaginam, a telenovela não era tão importante na época. “O que tinha destaque era teatro na TV, com adaptação de peças clássicas. Durante 16 anos, a cada 15 dias, apresentávamos uma obra. O figurino nós trazíamos de casa”, ressaltou.
A pesquisadora Daniela compartilhou seus estudos sobre a telenovela. “Durante o doutorado, visitei uma tribo chamada Enanauê, no Mato Grosso. No fim do dia, eles se reuniam para contar suas histórias. Fazemos o mesmo ao sentar para assistir novela. As pessoas se reúnem, se emocionam, vivenciam e se identificam com as histórias contadas. A arte de contar histórias é até anterior à agricultura”. Sadek lembrou o sentido de comunidade intrínseco a este hábito, por ser um espaço para compartilhar experiências.
O autor discorreu ainda sobre a evolução da arte de contar histórias, comparando a seriação da telenovela com a técnica utilizada por Sherazade na obra “As Mil e uma noites”. Falou ainda da evolução do gênero. Nos primórdios da TV as novelas eram apresentadas 2 vezes por semana, com 15 minutos de duração, sempre ao vivo e com linguagem rebuscada. “A mudança veio com Beto Rockfeller, que trazia uma linguagem coloquial. Iniciava-se assim também um novo sistema de produção, mais industrial”.
Jovens da região participaram do debate ao final do encontro. Edvaldo Conceição Carvallho perguntou a Sadek por que o cinema brasileiro não tem a mesma qualidade das novelas. Para o secretário, a diferença está no fato de que não havia uma indústria cinematográfica brasileira forte. “Mas o cinema melhorou nos últimos dez anos. Criou uma relação com o público”. Já Vida Alves respondeu a Layana Oliveira sobre o beijo gay chegar as novelas. A atriz destacou “A TV é o espelho da sociedade. Não é uma questão de ser contra ou a favor, mas de acompanhar as mudanças.”
Literatura periférica
Outro debate de destaque na programação do Festival ocorreu na sexta-feira (19/11), também no CDC Tide Setubal. O tema em pauta foi “A Literatura como Instrumento de Educação e Valores Culturais na Periferia”, discutido pelos escritores: Ferréz, autor de “Capão Pecado”; Sérgio Vaz, fundador da Cooperifa; e Rodrigo Ciríaco, autor de “Te Pego Lá Fora”. A mediação ficou sob a responsabilidade de Eleilson Leite, historiador e membro da ONG Ação Educativa. Mais de 60 pessoas participaram da conversa, a maioria integrantes de coletivos da zona leste.
Na abertura, Ferréz fez questão de enfatizar que a literatura foi uma experiência transformadora em sua vida. “Ela me deu oportunidade de desenvolvimento”. Vaz ressaltou essa capacidade da leitura e da literatura. “Eu era um cara tímido. Quando comecei a ler, passei a viver. Digo que fui salvo pela literatura”. Para Ciríaco, também professor de história, a escola não tem contribuído para aproximar os jovens do mundo da literatura. “É vista apenas como manual para ler e escrever. É preciso que a literatura seja vista como uma política pública de educação”.
Sérgio Vaz acredita que as pessoas se afastam da literatura porque a vêem como algo inacessível. “Os escritores precisam ir para as ruas, para as escolas. A escola deve incentivar a leitura”. Ciríaco, por exemplo, resolveu aproximar os alunos da literatura por meio de Saraus. “No começo, não havia público, e agora já temos mais participantes”.
Outra proposta neste sentido de diminuir a distância entre público e literatura é o Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), idealizado por Vaz e realizado há nove anos na zona sul de São Paulo, mais especificamente no Bar do Zé Batidão, na Chácara Santana. Nos encontros, todos são convidados a ler suas poesias. “A literatura periférica desmitificou a figura do escritor. Eu frequentava os saraus e hoje estou aqui”, disse Ciríaco.