Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Quais são os perfis comportamentais e as preferências de gamers no Brasil?
O estudo Identidade Gamer, desenvolvido pelo Laboratório de Impacto Gamer (LIGA), da Purpose, visa entender valores de gamers no Brasil.
A pergunta que compõe o título deste texto tem resposta com diversas camadas, com direito a novos elementos surgidos diariamente. Ainda assim, alguns pontos sobre a predisposição comportamental e as preferências de quem se autointitula gamer dão o tom da pesquisa Identidade Gamer.
O estudo, desenvolvido pelo Laboratório de Impacto Gamer (LIGA), da Purpose, visa entender valores e territórios de gamers no Brasil. Para tanto, o estudo conduzido pela agência de pesquisa de tendências Box 1824 ouviu pessoas de 18 a 34 anos. Esse público era originário de diferentes classes sociais, posicionamentos políticos, gênero e regiões do Brasil. Confira a seguir quais são os perfis.
Perfis identificados
O estudo Identidade Gamer traçou seis perfis comportamentais. Cada um está relacionado a aspectos como valores, comunidades formadas, linguagens, temas abordados, motivações e influências. São eles:
- Questionadores: o principal apelo à entrada e permanência no universo gamer é o caráter de refúgio para grupos minorizados. Desse modo, reconhecem pares, criam comunidades e são vocais quanto às violências e invisibilizações de dissidentes. Valores principais: acolhimento e visibilidade.
- Harmônicos: integrantes interessam-se por notícias relevantes para o seu cotidiano. No entanto, saem de cena e buscam por grupos mais harmônicos quando identificam sinais de conflito – trata-se de estratégia para evitar contato com pessoas consideradas intolerantes. Por consequência, valores caros são tolerância, harmonia e respeito.
- Escapistas: esse grupo tende a dissociar-se conscientemente da realidade e dos acontecimentos do mundo. A relação com amigos – dos mundos físico e virtual – é a principal fortaleza. Atuam em conjunto para construir e reconstruir suas próprias identidades. Desse modo, os valores norteadores são fantasia e experimentação.
- Ocasionais: os membros dividem seu tempo entre games e demais mídias. Além disso, enxergam a si próprios como pessoas em processo de aprendizagem constante. Por isso, consideram que ouvir todos os pontos de vista é um sinal de prudência e necessário antes de assumir posicionamentos. Consequentemente, valores caros são distração, relaxamento e lazer.
- Memeiros: o grupo prioriza abordagem cômica e preferem informar-se de modo rápido e instantâneo. Ao considerar a cena gamer como um território potencialmente divertido, é avesso a problematizações. Sendo assim, os valores defendidos são a jocosidade e a quebra de regras.
- Medalheiros: membros têm conformidade com discurso hegemônico e encaram games com altos níveis de competitividade e dedicação. Nesse sentido, almejam enxergar os frutos do seu esforço e sonham em ser reconhecidos por isso – inclusive financeiramente. Dessa maneira, os valores norteadores são alta performance, habilidades e conquistas por mérito próprio.
Sobre a pesquisa
A pesquisa Identidade Gamer faz um percurso histórico da indústria gamer, passando por pontos como a transformação da propaganda e, consequentemente, cultura sobre videogames. No caso, trata-se da mudança de foco, até então voltado à família, para o nicho composto por garotos – nesse sentido, essa perspectiva foi chamada de boyhood na pesquisa. Como consequência, esse caldo cultural e comportamental masculino desencadeou na discriminação contra meninas que recorriam a jogos eletrônicos e online.
O estudo destacou, nesse sentido, um ponto que vai na contramão do imaginário popular sobre quem curte jogos eletrônicos. Segundo informações da Pesquisa Game Brasil 2022, cujos dados foram destacados na pesquisa do LIGA, mais da metade de quem joga é formada por pessoas negras, mulheres e das classes C, D e E. Além disso, quase 42% usam smartphones para jogar. Isso foi importante para traçar seis perfis comportamentais.
“Existiam vários valores que queríamos entender para poder criar os perfis e não apenas o quanto a pessoa joga: saber o que e onde a pessoa joga, onde ela conversa sobre o jogo e quem ela considera uma inspiração na sociedade. Abre-se um leque maior”, explica Flávia Gasi, jornalista, escritora e diretora de narrativa. Flávia é também estrategista do LIGA.
Sobre perfis e política
Os seis perfis identificados na pesquisa Identidade Gamer dialogam, a partir de conversas sobre política com as pessoas entrevistadas, com quatro visões principais nesse sentido. A saber, são as seguintes:
- Visão antidoutrina: têm como crenças a luta anticorrupção, esforços reconhecidos e antipolitização. Dialogam com essa perspectiva pessoas dos grupos Memeiros e Medalheiros.
- Visão de conciliação: acreditam no respeito e tolerância, sobre todos poderem ser heróis e heroínas, assim como na responsabilidade coletiva. Concordam com essa lógica membros de perfis Harmônicos, Ocasionais e Escapistas.
- Visão terceira via: são contra a velha política e, desse modo, defendem o duo proximidade & transparência e a alternância de poder. Lógica defendida por Ocasionais e Escapistas.
- Visão de problematização: creem em direitos básicos garantidos, espaço a pessoas invisibilizadas e na reforma política. Desse modo, é a visão defendida por Questionadores.
Contudo, vale uma observação: tais categorias, assim como visões políticas, não são fixas. Ou seja, quem hoje se identifica com um ou mais desses contextos pode ter outra leitura de mundo em outro momento da vida.
“Foi muito importante criarmos esses perfis para entendermos um pouco mais o comportamento dessa população, as diferenças e as similaridades. Compreendemos depois os eixos políticos e entendemos quem está em cada um. Claro, isso é um indicativo, mas nem toda pessoa medalheira estará em uma visão de política antidoutrina. Talvez ela esteja convivendo em um espaço de sociabilidade onde essa visão é mais forte, comentada e dialogada do as outras”, completa Flávia Gasi.
+ Leia a entrevista completa de Flávia Gasi ao site da Fundação Tide Setubal
+ Confira a pesquisa Identidade Gamer
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Alena Darmel / Pexels