Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Tiago Queiroz
O urbanismo social é uma metodologia de abordagem interdisciplinar, sistêmica, com participação ativa da sociedade civil, que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da população de territórios marcados pela vulnerabilidade social. O conceito foi usado em Medellín, cidade colombiana há algumas décadas marcada pela ação do narcotráfico e que apresentou melhoras substanciais nos indicadores de violência urbana e de redução de desigualdades sociais crônicas por meio de ações de urbanismo social; e o unidades do Centro Comunitário da Paz (Compaz), equipamentos públicos instalados em territórios marcados pela vulnerabilidade social em Recife (PE) que oferecem atividades e serviços diversos à comunidade e são voltados à integração social e ao enfrentamento de disparidades.
Esta é a mesma premissa que norteia o Pacto pelas Cidades Justas, rede formada por 17 organizações da sociedade civil na qual estão à frente a Fundação Tide Setubal, o Arq.Futuro, plataforma de discussão sobre cidades que está vinculada à Beĩ Editora, e o Instituto dos Arquitetos do Brasil Departamento de São Paulo (IABSP). O objetivo da iniciativa, que será lançada em 30 de junho, é desenvolver, em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo (SMDU) uma série de intervenções em territórios diversos para proporcionar melhorias em tais indicadores por meio de intervenções para readequação e melhorias urbanísticas nesses mesmos territórios. A iniciativa na capital paulista se trata de um projeto piloto e poderá ser desenvolvida também em outras cidades.
As primeiras ações do Pacto pelas Cidades Justas serão realizads em Jaraguá, por meio do CEU Pinheirinho D’Água (zona norte); Vila Maria, pelo CEU Parque Novo Mundo (zona norte); e Jardim Lapena (zona leste), a partir do Galpão ZL, núcleo de Prática Local da Fundação Tide Setubal. Tais equipamentos servirão como pontos de partida para atuação nos respectivos locais para intervenções, como melhorias em vias e demais pontos dos territórios, que serão realizadas a partir da assinatura de termo de doação, ou seja, a ratificação e desenvolvimento do projeto, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, em 180 dias. A iniciativa abrange cinco dimensões relativas ao conceito de urbanismo social: participação social, intervenções urbanas, integração de serviços, governança compartilhada, monitoramento e avaliação de impactos
A parceria, estabelecida por meio de um termo de doação, tem também como uma das premissas a participação social. “O envolvimento de diferentes atores para gerir o equipamento e todas as obras que sejam feitas a partir dele é um dos primeiros eixos conceituais de um projeto possível de urbanismo. É importante validar com os moradores quais são as intervenções urbanísticas possíveis a partir do equipamento público, como a qualificação de vias”, explica Fabiana Tock, coordenadora do Programa de Cidades e Desenvolvimento Urbano da Fundação Tide Setubal.
Tock aborda também a importância de integrar serviços públicos e privados que são ofertados com base nas especificidades dos respectivos territórios. Essa lógica contempla, por exemplo, a realização de melhorias na coleta de lixo e a instalação de equipamentos privados em tais espaços, como pontos de aluguel de bicicletas. “Esses tipos de serviços que são desenhados e complementados a partir da oferta local. É o que a gente chama de integração de serviços.”
Outro ponto a ser abordado é o envolvimento das organizações integrantes do Pacto pelas Cidades Justas, que participam da iniciativa por meio de em grupos de trabalho geridos a partir das suas respectivas áreas de especialização. “Dentro das frentes de trabalho foram alocadas as diferentes instituições, com as suas respectivas competências, para as demandas que deveriam ter sido entregues para os territórios analisados no caso da doação. Isso é muito interessante, pois se trata um exercício prático de uma tese que se mostrou factível, positiva e muito produtiva”, comenta Tomas Alvim, cofundador do Arq.Futuro e sócio da Beĩ Editora.
O Pacto pelas Cidades Justas consiste também no forte engajamento popular e em mostrar que transformações sociais e urbanísticas significativas precisam de projetos de longa duração. De acordo com Fernando Tulio Salva Rocha Franco, presidente do IABSP e mestre em gestão de políticas públicas, uma das questões relativas à iniciativa é “experimentar um novo modelo de governança por meio de territórios, seja Galpão ZL, em âmbito comunitário, ou os CEUs. A gente imagina que se esse desenho tiver êxito, a gente pode contribuir para mostrar novas formas contemporâneas e democráticas de gestão de equipamentos comunitários além da manutenção e da programação.”
O Jardim Lapena será um dos territórios de atuação do Pacto pelas Cidades Justas (Foto: Tiago Queiroz)
Atuação imediata e plano em longo prazo
A pandemia de Covid-19 interferiu no cronograma inicialmente idealizado para o termo de doação ser executado, inclusive no que diz respeito à atuação em conjunto com as lideranças dos três territórios de atuação do Pacto pelas Cidades Justas. Todavia, a crise causada pelo novo coronavírus motivou a criação do programa Cidade Solidária, no qual a administração municipal e OSCs criaram uma rede de solidariedade em auxílio às famílias em situação de extrema vulnerabilidade social enquadradas no grupo prioritário do Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Em caráter emergencial, o programa promoveu entregas de mais de 50 mil cestas básicas e tem como objetivo futuro expandir as ações para doações de kits de higiene e limpeza, livros, entre outros itens. Um ponto relacionado à iniciativa é o modo como entidades da sociedade civil podem auxiliar o poder público a potencializar o alcance das iniciativas desenvolvidas – neste caso, por meio da otimização da entrega de cestas básicas. Além disso, o Cidade Solidária e o Pacto pelas Cidades Justas objetivam mostrar como a falta de continuidade em políticas públicas, que está condicionada a mudanças no poder executivo, está diretamente ligado à larga vulnerabilidade social.
Para Tomas Alvim, os problemas relacionados à continuidade de políticas além de mandatos é desastrosa para políticas de intervenção urbana. “Uma das questões do Pacto pelas Cidades Justas é para criar governança da sociedade civil para defender modelos exitosos. O Pacto tem atuação apartidária como reforço e, talvez, vetor de que políticas públicas de intervenção urbana exitosas não sejam desmontadas por mudanças de mandatos ou administração nas prefeituras ou governos do nosso país.”
Por fim, Fernando Tulio ressalta o papel do Pacto pelas Cidades Justas para incentivar a contribuição da cidade civil e a inexistência de imediatismo na construção de políticas públicas. “A construção do pacto é, de alguma forma, uma estratégia para a criação de uma instância na sociedade civil para acompanhar iniciativas nesta e próximas gestões. As transformações urbanas não acontecem de uma hora para a outra em curto, mas sim médio e longo prazos.”
Saiba mais
A live lançamento do Pacto pelas Cidades Justas acontecerá em 30 de junho, às 17h. Acesse aqui para saber mais detalhes sobre os participantes e os temas debatidos.
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