Coletivo evangélico Aviva Lapenna constrói pontes na zona leste de São Paulo
Por meio de atividades realizadas no Galpão ZL, o Aviva Lapenna objetiva dialogar e reunir segmentos diversos da população do bairro
Um movimento liderado por mulheres evangélicas criou um coletivo no Galpão ZL, espaço da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapenna, na zona leste de São Paulo, e tem usado cultura e diálogo como ferramentas para construir pontes em um território marcado por diversidade e desafios. Com a estratégia central na realização do festival Aviva Lapenna, o grupo mobiliza centenas de jovens, promove discussões sobre saúde mental e direitos, e enfrenta, com delicadeza e persistência, a complexa barreira do muro religioso e político.
A iniciativa nasceu de um diagnóstico da atuação da Fundação no território. Era preciso aproximar-se do público evangélico, que já circulava pelo Galpão ZL, mas não encontrava atividades específicas que dialogassem diretamente com sua identidade.
Como explica Uvanderson Vitor da Silva, coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal, o objetivo era ir além do estigma. “Embora pessoas evangélicas sempre frequentassem o Galpão ZL, não havia nenhuma atividade com essa insígnia e de chamado direto para esse público. Havia uma dissonância entre a imagem estigmatizada do evangélico de extrema-direita e a atuação comunitária real dessas pessoas no território”, analisa.
A justificativa para essa aproximação estratégica ganha contornos numéricos importantes. Segundo dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma pessoa a cada quatro brasileiras é evangélica. Assim sendo, esse percentual chega, inclusive, ao maior patamar da história: trata-se de 26,9% da população. Entre os mais jovens, com idades de 10 a 14 anos, o número salta para 31,6%. Ignorar este segmento em ascensão significaria abrir mão de dialogar com uma parcela significativa e jovem da população brasileira..
Do diagnóstico à ação: o protagonismo das mulheres
As primeiras articulações, que aconteceram em 2023, foram desafiadoras. Uma grande reunião com lideranças, inicialmente protagonizada por pastores homens, não conseguiu atingir de imediato a pluralidade buscada. Nesse sentido, foi então que as mulheres evangélicas assumiram a dianteira, reconfigurando a atuação do grupo. Vânia Silva, analista de Programas e Projetos da Fundação Tide Setubal, tornou-se uma das mentoras do coletivo.
“Ainda temos dificuldades de sensibilizar [esse público]. Falar de política era algo muito difícil e a questão do extremismo nas igrejas era algo muito forte. E passamos a pensar sobre a forma como nós nos aproximaríamos desse recorte da comunidade, que são os cristãos, sem trazer embates políticos”, relembra Vânia.
A solução encontrada foi focar, então, no que unifica em vez do que separa. Surgiu, assim, a ideia de um evento gospel para a juventude, batizado de Aviva Lapenna. O nome, que significa um chamado para um “avivamento”, foi criado coletivamente. “A pastora Vaildes [Gama] dizia: ‘tem que haver um avivamento nesse lugar e as igrejas precisam evangelizar esses jovens’. E aí então ficou Aviva, Aviva Lapenna”, conta.

Intervenção artística durante o Aviva Lapenna (foto: Marcos Morais)
Aviva Lapenna: mais do que um festival, uma estratégia de mobilização
O festival Aviva Lapenna tornou-se a principal ferramenta do coletivo. Mais do que um evento de música gospel, trata-se de uma plataforma de acolhimento e discussão de temas urgentes. A pastora Vaildes Gama, participante do coletivo desde o início, descreve a essência do projeto.
“É um projeto no qual a pessoa terá a oportunidade de preencher um vazio. Nós trazemos também pessoas profissionais na área, como terapeutas e psicólogos. É um abraço e, muitas das vezes, os que estão ali precisam disso: de um abraço e de ser olhados”, comenta.
Este ano o festival chegou à sua terceira edição, que aconteceu em setembro. As pessoas integrantes do coletivo consideram, então, que este ano será um “divisor de águas” para o Aviva.
Cerca de 200 pessoas, sendo a maioria jovens, lotaram o Galpão ZL para uma evento que incluiu música, dança, teatro e um momento dedicado a cuidados com a saúde mental. “Podemos ver, no olhar de cada pessoa, que elas estavam sentindo algo diferente naquele lugar”, emociona-se a pastora Vaildes.
Desse modo, um dos destaque é a crescente autonomia do grupo. Se nas primeiras edições havia uma dependência maior da estruturação da Fundação, em 2025 as mulheres evangélicas e jovens do território assumiram toda a concepção e execução. E trouxeram, então, suas perspectivas para a comunicação, cores e estratégias de divulgação, como a ação para oferecer bolo e café na porta das escolas para convidar outros jovens. “Este ano foi lindo. Percebemos que esse grupo tem se fortalecido, crescido e refletido sobre algumas questões”, celebra Vânia.
Quebrando muros e “placas”
O trabalho do coletivo vai além do evento anual e é, nesse sentido, um processo contínuo de sensibilização para construir unidade entre denominações diferentes. “O movimento do Aviva Lapenna não tem placa, como pessoas evangélicas denominam o nome da igreja. São mulheres cristãs que se reúnem para desenvolverem juntas um trabalho”, explica Vânia. O objetivo é, desse modo, superar a rivalidade entre as “placas” e focar em pautas comuns ao território, como acesso ao lazer, garantia de direitos e proteção de jovens.
Essa atuação dialoga diretamente com um movimento maior observado no país, em que grupos evangélicos progressistas questionam a hegemonia das lideranças conservadoras. Conforme reportagem do Jornal da USP, esses coletivos, muitas vezes compostos por pessoas negras, feministas e LGBTQIA+, ganharam visibilidade ao se opor à radicalização política da bancada evangélica. Assim sendo, esses mesmos grupos declaram que tais lideranças “não representam todos os membros da religião”. O coletivo evangélico do Galpão ZL, com seu foco em direitos e juventude, é um exemplo vivo dessa pluralidade.

Equipe e público que fazem parte do Aviva Lapenna (foto: Marcos Morais)
O Galpão ZL como espaço de convergência
A pergunta “por que no Galpão ZL?” é central. Uvanderson responde destacando as convergências. “As preocupações que elas tinham com o território, como o processo de escolarização dos jovens, o enfrentamento aos perigos dos processos de drogadição e a inserção dos jovens no mercado de trabalho, de alguma maneira coincidiam com algumas preocupações que temos no território. Usamos ferramentas diferentes, mas lidamos com problemas semelhantes”.
Para a pastora Vaildes, a importância do espaço é inquestionável. “O Galpão, sim, foi a melhor coisa que pôde acontecer no Lapenna. É algo universal: as pessoas têm liberdade e livre acesso”.
O coletivo evangélico do Galpão ZL demonstra, na prática, que é possível construir diálogo a partir do que une, respeitando as diferenças e focando no bem-estar coletivo. Desse modo, no Jardim Lapenna, a fé se traduz em ação comunitária. E o “avivamento” tão desejado tem, enfim, o rosto de jovens sendo acolhidos, ouvidos e abraçados.
