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Como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras?

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3 de setembro de 2024
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Por mais que evidências existam em abundância para demonstrar como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras, assim como em muitos outros contextos, é necessário intensificar a divulgação dessas mesmas informações e amplificar o alcance em âmbito social.

 

De acordo com levantamento do Núcleo de Estudos Raciais (Neri), do Insper, e veiculado na Folha de S.Paulo, estima-se que, por meio de disparidades salariais motivadas por vieses raciais no mercado de trabalho, a população negra perca R$ 14 bilhões em rendimentos. Além disso, caso houvesse paridade salarial quando se fala em equidade racial, a população negra receberia R$ 103 bilhões a mais em comparação com o patamar atual – esse valor considera também demais variáveis sociais.

 

Ou seja: segundo esse levantamento, que tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PnadC), esse montante circularia entre trabalhadoras e trabalhadores negras e negros caso houvesse paridade salarial e profissional entre elas e pessoas brancas.

 

O levantamento identificou, com base em como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras, diferenças também pela intersecção com gênero. Nesse sentido, o salário médio de homens negros é de R$ 2.858, em comparação o de homens brancos, de R$ 4.956. Já o cenário entre as mulheres é o seguinte: enquanto brancas recebem R$ 3.813 em média, o rendimento de mulheres negras é de R$ 2.278.

 

Para além de demais fatores – como educação, local de moradia e ocupação -, quando se pensa em como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas negras e brancas, estima-se que vieses raciais tirem R$ 328,11 de homens negros e R$ 295,86 de mulheres.

 

Causa e efeito

É inevitável relacionar o modo como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras com aspectos estruturais na sociedade. Ao considerar-se que o racismo foi um fator que fundamentou a organização social, deve-se trazer à tona como ele retroalimenta disparidades. E isso abrange, desse modo, o mercado de trabalho.

 

“O racismo no qual a sociedade brasileira está inserida cria, por si só, desigualdade de classes”, explica Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

Lia Vainer Schucman considera que um dos motivos para pessoas negras terem menos direitos relaciona-se à negação de acesso a serviços de referência. Isso contempla escolas, hospitais e possibilidades. “A própria desigualdade em que pessoas negras estão inseridas cria mais racismo – é um círculo vicioso. A própria categoria raça cria o racismo, e o próprio racismo a recria com a noção de esse grupo ser menos apto a estar nos lugares de poder.”

 

Outra dimensão que a doutora em Psicologia Social e professora do Departamento de Psicologia da UFSC trouxe à tona abrange o identitarismo. No entanto, ao contrário do senso comum que deturpou o seu sentido para interditar qualquer debate sobre medidas afirmativas e de reparação, trata-se de perspectiva segundo a qual há, dentro de um grupo fechado em si mesmo, a distribuição de poder apenas entre quem o integra.

 

“Se há um grupo identitarista, é o branco. Ao considerar-se que a branquitude se caracteriza como posição em que pessoas classificadas como brancas são beneficiadas pela estrutura racista de 500 anos de expropriação e espoliação do trabalho, corpo e da própria vida dos outros em uma sociedade com racismo estrutural, a questão central não é só o benefício. Esses benefícios são distribuídos apenas no próprio grupo”, reforça Schucman.

 

Para romper ciclos

Um dos aspectos que mostram a retroalimentação no debate sobre como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras compreende a formação. Para Amanda Abreu, cofundadora da consultoria Indique uma Preta, é fundamental considerar a importância de potencializar e acelerar preparação de pessoas negras e de trajetória periférica.

 

“Não adianta contratá-la e deixá-la cinco anos no mesmo cargo. Encontramos muito isso e vemos em caso de pessoas negras que já estão há muito tempo nas empresas, exercendo funções de gerência e de diretoria, mas na CLT dela está como assistente de alguma coisa – um cargo júnior ou pleno”, destaca Abreu.

 

Amanda Abreu coloca também outro aspecto em perspectiva. Um tópico mandatório, ao considerar-se a importância da representatividade racial e de gênero no mercado de trabalho, é fundamental incorporá-la à estrutura das empresas.

 

Para tanto, a cofundadora da consultoria Indique uma Preta cita um estudo da consultoria McKinsey sobre como empresas lucram mais por meio da promoção da diversidade em seus quadros. “Falar sobre diversidade e inclusão não é sobre contratar uma pessoa negra na liderança e, pronto, já ter feito o seu papel. É sobre uma estratégia de longo prazo para a empresa obter os ganhos sobre os quais a McKinsey fala.”

 

Na esfera pública

Por fim, Delton Aparecido Felipe, doutor em Educação, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), secretário executivo da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e pesquisador visitante da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas São Paulo (FGV Direito SP), retrata a maneira como a discriminação racial aprofunda disparidades salariais entre pessoas brancas e negras a partir da perspectiva pública.

 

Para o secretário executivo da ABPN, ao mesmo tempo em que representatividade importa, deve-se considerar que ela precisa valer para espaços de poder e de decisão. Isso porque, de acordo com ele, “são nesses espaços onde se decide qual orçamento será destinado para tal política pública, quais são os grupos prioritários, como a desenharemos e qual impacto se deseja.”

 

Por fim, Delton Aparecido Felipe reforça que o debate sobre inovação vai muito além da parte tecnológica. “É necessário lembrar também que a inovação diz respeito também a pessoas com trajetórias e pessoas distintas. Isso porque elas podem operacionalizar métodos e tecnologias para melhorar a vida da população”, finaliza.

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: @WOCInTech / Nappy


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