Conectar redes para financiar projetos – Fundação Tide Setubal entrevista Tati Leite
Por Daniel Cerqueira Mergulhado em um contexto de crise econômica há alguns anos e que congela os investimentos públicos, o Brasil tem precisado de alternativas para viabilizar ações sociais e culturais. Uma dessas iniciativas é o chamado “financiamento coletivo”, popularmente conhecido como vaquinha virtual. Tati Leite é cofundadora e CEO da plataforma Benfeitoria que, desde […]
Por Daniel Cerqueira
Mergulhado em um contexto de crise econômica há alguns anos e que congela os investimentos públicos, o Brasil tem precisado de alternativas para viabilizar ações sociais e culturais. Uma dessas iniciativas é o chamado “financiamento coletivo”, popularmente conhecido como vaquinha virtual.
Tati Leite é cofundadora e CEO da plataforma Benfeitoria que, desde 2011, abriga projetos que precisam de outras formas para se viabilizarem. O financiamento coletivo pode ocorrer de quatro maneiras: doação, recompensa, financiamento recorrente (não é pontual), equity crowdfunding, que se trata de modalidade de financiamento na qual pessoas se juntam para investir em startups ou empresas, e recebem um percentual dessa empresa, financiamento coletivo de empréstimo. No vídeo a seguir você pode ver, com detalhes o que consiste cada uma delas.
Recentemente surgiu um modelo complementar de arrecadação: o matchfunding. Uma empresa ou uma organização de investimento social privado associa-se a uma plataforma e duplica ou triplica a doação feita por cada pessoa física. Assim, se alguém doa R$10, o projeto receberá R$20 ou R$30.
Em entrevista à Fundação Tide Setubal, Tati explica os benefìcios desses modelos de financiamento, seus desafios, e reflete sobre como um matchfunding pode ser potente para projetos periféricos que precisam de recursos para atuarem na promoção de suas ações.
Pra começar, qual o panorama dos projetos na plataforma? Existe um perfil de temas ou causas que estão mais presentes?
O tema que representa quase 50% dos projetos do Benfeitoria é cultura. Isso foi uma construção porque, no começo, as pessoas pensavam que, pelo nome, era apenas para projetos sociais e não relacionavam a cultura como algo de impacto social. Projetos de cultura, de empoderamento econômico e de empreendedorismo são também benfeitorias sociais. Porém, creio que essa predominância é porque os agentes culturais estão mais acostumados a se comunicar, gravar vídeo e contar histórias. E o financiamento coletivo se baseia muito no poder da história.
Por que o modelo “tudo ou nada” é mais recomendável do que o “flexível” no financiamento coletivo?
Principalmente porque urgência mobiliza. Nós temos, no Brasil, uma pegada de deixar as coisas para a última hora e muita gente vê um projeto, curte e compartilha, mas não colabora na hora. Quando a meta diz que se em dois dias não for alcançada, o dinheiro será devolvido, aí a ação ganha força pela urgência. Projetos “tudo ou nada” arrecadam entre 5 e 15 vezes mais do que os flexíveis.
Mas, existem também outros fatores, como a segurança, tanto de quem arrecada quanto de quem doa. Se um projeto precisa de R$10 mil e eu quero contribuir para ele, eu preciso me engajar para chegar nesse valor, porque senão o projeto não acontecerá. Então, a certeza de que meu dinheiro só será utilizado se o projeto alcançar seu objetivo também acaba por se traduzir em vantagem para o “tudo ou nada”.
A Benfeitoria orienta os projetos que entram na plataforma?
Sim, a gente oferece uma consultoria, e talvez por isso, tenhamos uma taxa tão alta de projetos que conseguem atingir os objetivos de financiamento. Inclusive, a maioria atinge mais do que a meta mínima. Outra coisa importante é que trabalhamos com comissão livre, ou seja, descontadas as despesas bancárias, cada projeto escolhe quanto quer oferecer para a plataforma. Até hoje, 95% de quem arrecada escolhe pagar algo à plataforma.
A Fundação trabalha para enfrentar as desigualdades socioespaciais e promover as periferias e a justiça social. Em que sentido o financiamento coletivo pode contribuir para essas causas?
Pode contribuir em vários níveis, mas eu destacaria dois. Primeiro, o financiamento coletivo ajuda os projetos com essas questões de se articularem, se fortalecerem, se conectarem e mobilizarem a própria rede a participar. Nesse modelo de financiamento, não é só captar dinheiro. Ele também muda o engajamento das pessoas com o que se faz.
A outra coisa é que o financiamento coletivo pode ajudar um projeto a ampliar a sua rede. Se você tem algo de interesse coletivo e uma narrativa envolvente, com um plano de divulgação bom, você pode trazer outras pessoas para o seu projeto.
Por fim, o que é o matchfunding e como pode potencializar a realização dos projetos?
O matchfunding vem da ideia de conectar parceiros. Há um parceiro que pode triplicar a arrecadação de um projeto e pode ampliar a rede dos projetos. Além disso, ele garante para o financiador que o dinheiro vai para uma ação concreta de alguém que precisa dele e de que tem uma rede pra fazer a ação acontecer.
Quando começamos a construir com a Fundação Tide Setubal o matchfunding, vimos a importância dessa ação para projetos periféricos potentes que podem abrir rede, conectar e engajar outras pessoas a eles, para além do financiamento [Nota da Redação: aguarde novidades sobre a parceria da Fundação Tide Setubal com o Benfeitoria].
No entanto, vale ressaltar que esse modelo não é melhor do que um financiamento coletivo ou um edital: ele é complementar. A questão é que alguns projetos não têm rede para alcançar o valor que precisa, então, o matchfunding é uma ação de equidade para projetos que precisam de financiamento, mas sozinhos não conseguiriam atingir as metas.