Dez livros de autoras para mostrar que as lutas do Dia Internacional da Mulher acontecem todos os dias
Confira dez livros de autoras para mostrar que as lutas do Dia Internacional da Mulher acontecem todos os dias.
Seja por meio de obras de ficção ou que analisam a realidade tal qual a conhecemos, ou obras de autoras brasileiras ou estrangeiras, todas elas nos lembram de que todos os dias devem ser encarados como o Dia Internacional da Mulher.
Caso você esteja lendo este conteúdo no próprio 8 de março ou em qualquer outra data, é fundamental você ter algo em mente. No caso, as lutas que motivaram a criação da data e os ideais de igualdade de gêneros devem ser colocados em prática todos os dias.
Nesse sentido, montamos a lista de livros a seguir para relembrar a razão de ser do Dia Internacional da Mulher e de todas as nuances nesse contexto. Independentemente de se tratar de motivos subjetivos ou socioeconomicamente estruturais, assim como aspectos simbólicos ou físicos, as obras a seguir nos induzem a uma série de reflexões sobre a data. Idem sobre o quanto ainda precisamos caminhar em favor da equidade plena.
Confira a seguir dez obras que reproduzem, cada uma à sua maneira, os ideais do Dia Internacional da Mulher. Boa leitura.
A Cabeça do Santo, de Socorro Acioli
O tom de realismo fantástico da obra tem razão de ser: a escritora cearense Socorro Acioli deu o pontapé inicial na obra ao participar de uma oficina literária em 2006, ministrada pelo lendário escritor colombiano Gabriel García Márquez. E a experiência adquirida durante esse processo a motivou a estruturar a história.
Na trama propriamente dita, o ponto central é a trajetória de Samuel, o protagonista. Com ares clássicos da jornada do herói, o jovem coloca o pé na estrada a caminho de Juazeiro do Norte. O motivo: para encontrar a avó e o pai após sua mãe lhe fazer esse pedido – ela o faz em seu leito de morte.
Ao chegar a Juazeiro, ele parte rumo à cidade de Candeia, onde se hospeda em um lugar no mínimo incomum. No caso, a cabeça oca e gigantesca de uma estátua inacabada de Santo Antônio torna-se seu abrigo. Como se não fosse o bastante, o jovem Samuel dá-se conta de que começa a ouvir uma profusão e confusão de vozes quando está dentro desse mesmo lar temporário. E não é por acaso: trata-se de preces feitas a Santo Antônio nas quais as pessoas falam sobre amor.
A Cachorra, de Pilar Quintana
Submetida a uma vida marcada por tragédias e pela solidão, Damaris, a protagonista da história, decide adotar uma cachorra de uma vizinha por meio de um ato impulsivo. A partir disso, o animal, como o título da obra sugere, passa a ter papel central na história e no arco narrativo da protagonista. Logo, em meio à confusão de sentimentos de dimensões e matizes diversos e extremos, a personagem lida com dúvidas sobre o sentido da vida e se ela perdeu de vez o rumo e o controle de sua trajetória.
A Cor Púrpura, de Alice Walker
Um clássico da literatura estadunidense e eternizado na sétima arte por meio do trabalho genial de Whoopi Goldberg e Steven Spielberg, entre outros, o livro apresenta uma radiografia do que nunca mais deve ser repetido em termos históricos, sociais e humanitários. Ou seja: está na lógica de que nunca se deve esquecer para nunca mais acontecer novamente.
A trama apresenta uma série de violências de gênero por meio da história de Celie. Ela sofre com a normalização da barbárie que marcou a primeira metade do século XX – neste caso, no Sul dos EUA, em meio à vigência das leis Jim Crow e à subalternização do papel da mulher na sociedade. Submetida a abusos psicológicos e físicos e à subjugação de sua existência, sua perspectiva vem à tona a partir da troca de cartas com Nettie, sua irmã missionária, e com Deus.
Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici*
A autora mostra como a caça às bruxas na Europa do século XV e o controle sobre a capacidade reprodutiva da mulher foram fundamentais para o avanço do sistema capitalista.
É uma leitura importante por explicar a divisão de gênero no trabalho e na lógica de funcionamento do sistema capitalista. Isso reflete-se na forma de organização do mercado de trabalho no Brasil. No caso, por que a maioria dos postos de cuidado e serviços domésticos é ocupada por mulheres negras?
Uma de suas principais referências bibliográficas é Maryse Condé, escritora guadalupense. Uma nova versão de livro de Condé, Eu, Tituba: A Bruxa Negra de Salem, foi traduzida no Brasil. Esse romance baseado é em fatos reais que narram um pouco do que foi a caça às bruxas nas Américas.
Federici reconhece que o termo “bruxa” nasceu com as mulheres negras e indígenas no Sul Global. Além disso, segundo a reflexão de Federici, o processo colonizatório não teria acontecido sem sua caça aqui também. A caça às bruxas é uma realidade até hoje em África.
*Dica de Kenia Cardoso, coordenadora do Programa Nova Economia e Desenvolvimento Territorial da Fundação Tide Setubal
Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: Branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo, de Lia Vainer Schucman
O livro é baseado na tese de doutorado de Lia Vainer Schucman em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Sua abordagem mergulha nos diversos aspectos e construções sociais que resultam no conceito que conhecemos como branquitude.
Nesse sentido, por meio de pesquisa que incluiu a realização de diversas entrevistas, a autora identifica pontos objetivos e subjetivos que fazem uma parcela populacional significativa sobrevalorizar – e retroalimentar – atributos inerentes a pessoas brancas. Idem no que diz respeito à desvalorização de características da população negra, passando por fatores econômicos, sociais e fenotípicos.
Por fim, a obra mostra uma perspectiva dolorosa e que parece receber menos atenção do que merece: como aspectos subjetivos sustentam estruturas excludentes na sociedade. E, ao mesmo tempo, como eles são normalizados a ponto de sequer serem vistos como problemas dentro dessa lógica.
Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie
A aclamada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie dispensa apresentações – e sua obra idem. Assim sendo, o igualmente clássico Hibisco Roxo retrata as marcas do colonialismo europeu, do fundamentalismo religioso e de vieses de gênero por meio da trajetória da adolescente Kambili.
A jovem é filha de Eugene, famoso industrial nigeriano. A partir de sua expressão religiosa, Eugene causa sofrimento ímpar à sua família. De quebra, isso o faz rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a irmã, professora universitária, por temer que isso o faça ser enviado ao inferno. Todavia, como reflexo de uma série de contradições inerentes à condição humana, o mesmo Eugene é apoiador do jornal mais progressista do país. Em meio ao arco problemático resultante do comportamento de seu pai, Kambili passa algum tempo na casa de sua tia e acaba se apaixonando por um padre, que se vê obrigado a deixar o país.
Pode-se dizer que essa série de desventuras familiares funciona como pano de fundo para Chimamanda Ngozi Adichie apresentar um retrato nítido da Nigéria, no que diz respeito a questões existenciais e à relação do país com o continente africano.
Kindred: Laços de Sangue, de Octavia Butler
O que você faria se estivesse realizando tarefas comuns do dia a dia e, no instante seguinte, se visse em meio a outra realidade na qual ser quem você é fosse uma ameaça à própria sobrevivência?
Pois bem, esse é o ponto de partida da ficção científica Kindred: Laços de Sangue. Nesse sentido, a escritora Dana, protagonista da trama, passa por um incidente surreal exatamente no dia em que completa 26 anos: logo após sentir tontura repentina, ela acorda em uma cidade do Sul dos EUA, em pleno século XIX – ou seja, quando a escravização de pessoas negras era normalizada. E, em virtude do modo como encara e se relaciona com o mundo, ela vê, então, sua vida em risco iminente e contínuo.
A obra, vale dizer, foi transformada em série e está disponível com o título Kindred: Segredos e Raízes na plataforma de streaming Star+.
O Parque das Irmãs Magníficas, de Camila Sosa Villada*
Ao ter como ponto de partida as múltiplas possibilidades de ser e existir como uma pessoa dissidente de gênero, a obra mergulha no universo travesti por meio das vivências de Camila, protagonista da história, a partir do seu ingresso em um grupo composto por outras travestis. Os relatos, por meio das lentes de Camila, retratam o universo no qual ela está inserida por meio de muita sensibilidade e fuga de estereótipos – inclusive de gênero.
*Dica de Gaya Vieira, analista de Comunicação da Fundação Tide Setubal, e Fabiana Tock, coordenadora do Programa Cidades e Desenvolvimento Urbano
Um Exu em Nova York, de Cidinha da Silva
Composta por 19 contos, a obra apresenta diversas abordagens sobre tensões quando o assunto diz respeito às religiões de matriz africana e estigmas sociais. Ao considerá-las como pontos de partida para discussões sobre diversos temas, passando por política, racismo religioso, grupos sociorracialmente minorizados e perda generalizada de direitos. Vale dizer que tais tópicos vêm à tona, de modo empático, por meio de vivências das personagens criadas pela escritora.
Por meio de narrativa ágil e envolvente, Cidinha da Silva passa por esses e outros temas. Desse modo, ela faz uma radiografia sobre os dias atuais.
Véspera, de Carla Madeira
A obra, cujo desenrolar é cortante e envolvente, pode ser vista a partir de duas perspectivas – ou as duas ao mesmo tempo. Uma interpretação possível é: a história de uma mulher que se vê em meio a um casamento infeliz. Em um momento de desespero, abandona o seu filho em um espaço público. Contudo, mesmo após se arrepender instantes depois, retorna para buscá-lo, mas não o encontra mais – e percebe que sua vida nunca mais será a mesma.
O outro prisma possível: dois irmãos, batizados como Caim e Abel em virtude de um ato simbolicamente violento cometido pelo pai contra a mãe, têm trajetórias marcadas por diferenças que aumentam conforme os dois crescem. E as disparidades entre ambos são fatores preponderantes para a perspectiva descrita no parágrafo anterior.
Qualquer que seja o ponto para análise, a condução narrativa de Carla Madeira guia quem ler Véspera a uma história marcada por relações fadadas ao fracasso e a diversas reflexões sobre o modo como interagimos com o mundo e as pessoas ao nosso redor.
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