Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Feira Preta leva debates ao Festival do Livro
Na oitava edição do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, realizado pela Fundação Tide Setubal em novembro, o público teve ainda mais opções de participar de debates graças à parceria com a Feira Preta, que realizou a Ocupação Feira Preta Afro-Literária. Além de contar com a exposição e venda de produtos […]
Na oitava edição do Festival do Livro e da Literatura de São Miguel, realizado pela Fundação Tide Setubal em novembro, o público teve ainda mais opções de participar de debates graças à parceria com a Feira Preta, que realizou a Ocupação Feira Preta Afro-Literária. Além de contar com a exposição e venda de produtos de moda e artesanato de 21 afro-empreendedores, a ocupação realizou três painéis de debates ao longo do evento. “É a primeira vez que a Feira participa do Festival do Livro, que este ano tem como tema a literatura negra. A Feira tem uma área de literatura negra e a ideia é unir esses dois eventos e os universos tanto da literatura como da cultura negra de uma forma mais ampla, trazendo reflexões sobre o contexto da área de literatura negra hoje, do ponto de vista do empreendedorismo”, afirma Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta.
A primeira mesa, que aconteceu logo nas primeiras horas do Festival, teve como tema os Cadernos Negros, antologia publicada anualmente que, desde sua criação, tem importante papel na divulgação e fortalecimento da literatura negra. Com o nome de Painéis Feira Preta: 40 Anos do Quilombhoje – Construção de uma Trajetória em Promoção da Literatura Negra Brasileira, a mesa contou com a participação dos integrantes do Quilombhoje Esmeralda Ribeiro, Luiz Silva (Cuti) e Márcio Barbosa, e da escritora e historiadora Raquel Garcia, com mediação de Bruno Gabiru.
O Quilombhoje, grupo paulistano de escritores, foi fundado em 1980 por Cuti, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues e outros com o objetivo de discutir e aprofundar a experiência afro-brasileira na literatura. O grupo tem como proposta incentivar o hábito da leitura e promover a difusão de conhecimentos e informações, além de desenvolver e incentivar estudos, pesquisa e diagnósticos sobre literatura e cultura negra. “Sabemos que, no Brasil, temos uma visão midiática histórica de que há racismo mas não há racistas. O racismo aqui se baseou principalmente na hipocrisia”, afirmou Cuti em sua fala. Segundo o autor e integrante do Quilombhoje, a literatura negra é fundamental para questionar essa realidade, e os Cadernos Negros contribuem para o desvendamento dessas tensões.
Outro aspecto discutido foi a literatura produzida por mulheres. “A configuração da participação feminina se alterou radicalmente. No Cadernos número um, nós tínhamos seis homens e duas mulheres. No Cadernos Negros número 39, que é o último, temos 19 mulheres e 17 homens. Isso demonstra que tivemos uma participação total aumentada e um destaque para a presença feminina”, disse Cuti.
Esmeralda Ribeiro é uma dessas autoras. “Quando conheci os Cadernos Negros descobri um novo mundo literário, e também o meu papel social como mulher negra no país”, afirmou.
Confira o painel completo:
No segundo dia do Festival, o Painel Feiral Preta abordou a comunicação negra no Bate-Papo de Jornalistas – Por uma Comunicação Preta. A conversa contou com a participação de Juliana Gonçalves, José Nabor Jr, Oswaldo Faustino e Pedro Henrique Côrtes, com mediação de Cláudia Alexandre, e tratou de temas como a história do jornalismo negro, o preconceito nas redações, a falta de fontes negras na mídia tradicional e o papel de redes sociais e plataformas como o YouTube para formar novos leitores e comunicadores. No público, estavam alunos de jornalismo e publicidade da Universidade Cruzeiro do Sul.
Logo no início da conversa, foi colocada por Cláudia Alexandre a necessidade de debater o tema do painel. “A gente precisa falar sobre imprensa negra – e não só imprensa – porque no Brasil a imprensa é branca”, disse, fazendo referência não apenas à falta de profissionais negros nas grandes redações, mas também à ausência de referências ao jornalismo negro, que teve importante papel histórico no Brasil, nas aulas de jornalismo dos cursos de graduação.
“O silêncio na comunicação comunica, e bastante”, concorda Juliana Gonçalves, que pesquisa questões de gênero e raça na mídia. “Vemos que esse lugar que nos colocam tem dois vieses, e um deles é esse, da invisibilidade. Há uma via de invisibilidade que está pautada no ser branco e homem como o padrão universal de humanidade. A mídia, assim como a sociedade, entende que o ser humano é branco, homem, hétero e cisgênero, e trata todas as pautas dessa maneira. E quando não é a via da invisibilidade, é a via da estereotipia”, afirmou.
Confira o painel completo:
A última mesa da série foi o Painel Feira Preta: Por uma Educação Infantil mais Inclusiva, que propôs uma reflexão acerca dos avanços no campo da inclusão da diversidade racial nas escolas.
No debate estavam Waldete Tristão, consultora do CEERT, Luciana Bento, cientista social e blogueira, e Leandro Melquiades, educador, com mediação da pedagoga Clélia Virgínia Rosa. Dentre os temas abordados pelos palestrantes estavam a literatura infantil como forma de promoção de diálogos sobre inclusão, a importância do letramento racial e o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas.
“Quando trato todas as crianças igual, estou promovendo uma educação desigual. Existem questões de gênero, étnico-raciais, sociais, dos diferentes territórios, que precisam ser consideradas na criação do currículo político-pedagógico e no cotidiano das escolas”, afirmou Waldete Tristão.
Confira o painel na íntegra:
Amauri Eugênio Jr.