Lançamento da terceira temporada de Ancestrais do Futuro coloca território e ancestralidade em evidência
Lançada em 8 de novembro, a terceira temporada de "Ancestrais do Futuro" tem como ponto de partida a memória e a ancestralidade.
A terceira temporada de Ancestrais do Futuro, websérie do Enfrente, canal da Fundação Tide Setubal no YouTube, ganhou o mundo. Mais do que colocar em evidência curtas-metragens com produção de cinco coletivos das periferias brasileiras, o projeto mostra que tais narrativas devem ocupar espaços de destaque. Essa foi a tônica do evento de lançamento da terceira temporada, que ocorreu no Itaú Cultural, em 8 de novembro. A atividade contou com os cinco coletivos que produziram os filmes.
Fernanda Nobre, gerente de Comunicação da Fundação Tide Setubal, destaca que o projeto é a concretização de um sonho coletivo – de caminhos e perspectivas possíveis. “A websérie Ancestrais do Futuro e esse evento, que reúne pela primeira vez as coletivas participantes nesta mostra, seguida de conversas que, tenho certeza, serão inspiradoras, é um sonho que está sendo realizado. [Esta temporada] é resultado de muitas mãos, muitos olhares, muitos afetos.”
Tony Marlon, jornalista e um dos profissionais que estiveram à frente do Lab Enfrente, processo composto por masterclasses sobre aspectos técnicos referentes à produção de filmes, como roteiro, edição, fotografia, finalização, pós-produção e distribuição, destacou a ocupação de espaços, sejam simbólicos ou físicos. Vale dizer que os coletivos participantes ingressaram por meio de cartas-convites e foram selecionados por meio de avaliação dos projetos que desenvolveram.
Nesse sentido, ele falou sobre o protagonismo de narrativas contra-hegemônicas. “É este cinema, produzido por nós, que quer contar e guardar a nossa história para o futuro. Quando começamos a pesquisar quem veio antes de nós, essas histórias foram guardadas em lugares muito específicos e era mais difícil de alcançarmos. Ter nossas e nossos cineastas contando suas histórias significa que, para quem está vindo agora, a nossa história será encontrada no YouTube, por exemplo. Para mim, isso é muito transformador”, destaca.
Sobre transcender territórios
Para valorizar um território, é fundamental, do mesmo modo, fazê-lo com a sua história. Esse ponto norteia O Trançado, da Souza.DOC, de Santarém (PA), que integra a terceira temporada de Ancestrais do Futuro. Rute Araújo, roteirista e produtora do filme, descreve a dinâmica com a comunidade Vila Coroca, situada às margens do rio Arapiuns.
Ao evidenciar o trançado na palha do tucumã, um patrimônio cultural e imaterial de Santarém, o filme contrapõe, então, a lógica segundo a qual grupos de outros territórios decidem retratar as histórias dessa população à revelia da realidade. “Isso é algo que nós, amazônidas, sabemos”, explica Rute. “Pensamos em produzir O Trançado para contar essa história sob o ponto de vista delas. Conheceremos a própria história a partir delas. É ouvir delas e sabermos que estão contando com suas narrativas, para elas entenderem que são importantes e que sua visão, ancestralidade e modo de vida importam e devem ser repassadas.”
Cidicleiton Luiz, do Coletivo Força Tururu, de Paulista (PE), destaca a relação do campo de futebol que é, ao mesmo tempo, fio condutor é protagonista de Um Campo e Suas Vidas. O espaço é responsável por contribuir na constituição das relações da população de Tururu, em Paulista. Entre algumas passagens, foi palco de diversos fatos históricos, como treinos que levaram adolescentes a um campeonato internacional de futebol.
O foco do projeto é mostrar o protagonismo da comunidade e o que a constitui. “Fazemos esse trabalho lá há 15 anos. Além de as pessoas nos conhecerem, adultas e adultos saberem que somos filhos de dona Jacy, seo Giga, seo Azevedo ou de dona Neta, elas sabem que somos os meninos que fazemos vídeo na comunidade e ‘damos’ voz para ela. Isso já abre muitos caminhos”, descreve Cidicleiton.
Ancestralidades de ontem, hoje e amanhã
A resistência no território onde suas raízes, identidade e essência estão é um ponto em comum dos filmes da terceira temporada de Ancestrais do Futuro. Este é o mote do curta-metragem Sem Encruzilhadas, da Negritar Produções, de Belém (PA), o qual abriu a fase atual da websérie.
Mário Costa, diretor e roteirista do filme, evidencia que o projeto “nasceu da necessidade, pois o povo de terreiro precisa ter as suas histórias sendo contadas. Precisamos visibilizá-las e enegrecer o audiovisual brasileiro.” Na trama, o dançarino Bartô recebe um chamado de Exu para proteger o quilombo de sua família. “Quando identificamos que falta para esses territórios perceberem que existe oportunidade de contar as suas histórias por meio do audiovisual, abrimos uma porta, um caminho e uma encruzilhada para potencializá-las.”
A valorização das raízes dá o tom do poético curta-metragem Marias do Sul, da DDB7 Produções, de Londrina (PR). Dani Barbosa, produtora-executiva do filme, detalha um ponto caro sobre a equipe: “que fosse construída por mulheres, justamente por entendermos que as mulheres negras estão na base da sociedade brasileira. Elas fazem o mundo girar, mas são as que mais sofrem com problemas.”
Nesse sentido, a produção mostra, por meio das histórias de uma família composta pela avó, mãe e neta, vivências comuns a mulheres negras. Segundo Dani, o foco esteve em ir além da narrativa do sofrimento. “Não queríamos falar somente sobre dor. Queríamos também que fosse algo poético e bem bonito. Passamos por essas dores, mas temos outras coisas muito bonitas e potentes que nos movimentam. Quisemos trazer esse lado.”
Assista à temporada 3 da websérie Ancestrais do Futuro
“Foi o processo mais tranquilo em que já trabalhei na minha vida”
O fio condutore do curta-metragem Neurótico & Consciente, do coletivo Olhar Marginal, da Baixada Santista (SP), é um chamado à coletividade no território. Desse modo, a frase “onde é que fica a sua resistência se tu não se encontra com os seus para encontrar o amanhã?” tem papel central e determinante para a narrativa do curta-metragem, que encerra a terceira temporada de Ancestrais do Futuro. A trama mergulha na trajetória de Pedro, 18, jovem que, após um encontro metafísico, se vê em uma caminhada fortemente marcada pela ancestralidade e pelo funk.
Andrey Haag, codiretor da obra, destacou, durante o evento de lançamento, o caráter coletivo e análogo ao cinema de guerrilha, que permeou a história do coletivo. “O coletivo tem seis pessoas e estávamos vindo de um processo no qual nos sobrecarregamos muito. O convite [carta-convite] chegou em uma fase na qual estávamos tentando respirar. Quando concordamos com a ideia do roteiro, decidimos que também tínhamos o direito de ter uma equipe e de não precisar fazer tudo”, explica.
Andrey destaca que o processo para desenvolver Neurótico & Consciente “foi o processo mais tranquilo em que já trabalhei na minha vida”. Isso pela dinâmica de gravação e a divisão de tarefas no processo.
Por fim, o realizador destaca um ponto elementar em produções audiovisuais de estúdios de médio e grande portes, mas ainda raro no cotidiano de coletivos das periferias. Isso abrange o impacto que o recurso – R$ 20 mil para cada um dos cinco coletivos – tem na dinâmica de tais grupos. Idem ao se considerar a quantidade de pessoas envolvidas na produção. Em Neurórico & Consciente, por exemplo, houve 30 pessoas envolvidas. “Foi emocionante pegar o carrinho de compra e enchê-lo. É sobre isso, pois temos de produzir, mas queremos também ter fartura no nosso e poder alimentar todo mundo.”
Play em narrativas reais
Assista à terceira temporada de Ancestrais do Futuro em youtube.com/canalenfrente. Desse modo, os lançamentos dos episódios ocorrem sempre às quartas-feiras, até 6 de dezembro, às 10h.
Texto: Amauri Eugênio Jr.