Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Precisamos falar sobre violência política de gênero
A Lei 14.192/21, sobre violência política de gênero, completou dois anos em 2023. O que é necessário fazer para combater crimes desse tipo?
Fortalecer o tecido democrático no Brasil passa, sem a menor dúvida, pelo combate à violência política de gênero. Os números, mesmo que não mostrem a dimensão humanizada de como episódios com esse perfil afetam as trajetórias e vidas de mulheres no contexto político, ajudam a ilustrar o descalabro em curso no país. E essa lógica ganha contornos ainda mais dramáticos com a intersecção entre gênero e raça.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), desde 2021, quando passou a vigorar a Lei 14.192/21, que a transformou em crime, houve registros de 124 casos em todo o país. Ou seja, a média de episódios com esse perfil foi de cinco casos por mês entre agosto de 2021 e agosto de 2023. A saber: de acordo com a legislação, violência política de gênero consiste em toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.
Além dos recorrentes incidentes de silenciamento de parlamentares durante sessões legislativas e ataques nas redes sociais, a violência política de gênero alcança também a dinâmica física. Os atentados que culminaram nas execuções de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 2018, e Mãe Bernadete Pacífico, em agosto de 2023, são exemplos macabros.
Camadas e dimensões de violência
Somam-se à violência política de gênero aspectos restritivos de direitos e à promoção da diversidade nessa esfera em âmbito legislativo. Alguns deles contemplam a minirreforma eleitoral e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia. Alguns pontos de atenção abrangem a redução de recursos estratégicos para candidaturas e mandatos de pessoas negras e, em especial, mulheres.
Tais medidas andam na contramão de ações estratégicas para o fortalecimento do tecido democrático – que passa pelo protagonismo de mulheres no contexto político. É o que explica Beatriz Pedreira, cientista social e cofundadora do Instituto Update. “A construção de um movimento para mais mulheres serem eleitas precisa acontecer, pois existe uma violência política de gênero e um sistema que não quer as eleições delas. A resposta para sairmos da crise política é por meio das mulheres, em especial negras e indígenas.”
Nessa lógica, a cofundadora do Instituto Update destacou à época a intersecção entre raça e gênero. “As mulheres negras representam 27% da população, são as mais atingidas pelo sistema patriarcal capitalista. E são elas e são as que precisam ter voz para formular políticas públicas que, com certeza, beneficiarão a todos nós.”
Nesse sentido, a fala de Maria Páscoa Sarmento de Sousa, liderança apoiada pelo Edital Traços, durante episódio da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial, é didática. Também liderança quilombola na Ilha do Marajó (PA), Maria Páscoa destaca como “ser liderança negra nesses lugares afeta a nossa saúde. A nossa psique é atacada todo dia. Não conseguimos fazer o que gostaríamos de fazer, pois lidamos com o avanço do agronegócio nos nossos territórios. Eles queimam as nossas roças e os espaços onde estamos, e cercam os nossos rios para garantir que a gente não possa acessar o peixe, a caça. É fundamental para a nossa sobrevivência ter esse acesso.”
Sistematizando alternativas
De acordo com a pesquisa Violência de Gênero e Raça no Brasil: Dois Anos da Lei 14.192/2021, do Instituto Marielle Franco, a legislação trata-se de “um marco por conceituar a violência política contra as mulheres, destacando os atravessamentos da opressão racial e, ainda, por simbolizar o primeiro passo, no âmbito normativo-jurídico, rumo à proteção da integridade das mulheres candidatas e detentoras de mandatos eletivos.”
O documento apresenta artigos sobre a abrangência da lei e o combate à violência política de gênero em quatro segmentos:
- a abrangência da lei e a interseccionalidade de gênero e raça nesse contexto;
- criminalização de tais crimes e canais institucionais para denúncias;
- estratégias para proteção de mulheres negras contra delitos com esse teor;
- a responsabilidade dos partidos políticos e como eles podem atuar nesse contexto.
Além dos artigos e dos diagnósticos inerentes à violência política de gênero, o estudo apresenta também recomendações nesse contexto. Tais indicações passam por dimensões legislativas, estabelecimento de protocolo para atendimento específico a vítimas de violência política; apoio financeiro adequado a mandatárias vítimas de crimes com esse teor e o envolvimento direto de partidos políticos, pessoas e organizações que realizarem financiamentos e a Justiça Eleitoral para prevenir a ocorrência de episódios com esse teor.
Saiba mais
+ Entrevista com Beatriz Pedreira
+ Confira a websérie Eleitas: Mulheres na Política
+ Assista à websérie Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Joédson Alves/Agência Brasil