Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Quais cuidados o campo progressista precisa tomar no diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+ com grupos para além da bolha?
Quais pontos de atenção precisam ser considerados no diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+ com grupos para além da bolha?
Falar na necessidade de o campo progressista promover diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+ com grupos para além da bolha virou um lugar-comum. Todavia, trata-se de um passo fundamental para romper com a perspectiva da polarização sociopolítica.
Assim sendo, o campo progressista precisa considerar o desenvolvimento de iniciativas a partir de compromissos ecumênicos – ou seja, com base na pluralidade e na diversidade. Dentro dessa lógica, de acordo com Gut Simon, comunicador social, estrategista de advocacy e mobilização, idealizador e coautor do livro Semente de Vida: Rejeição e Aceitação de Filhos/as/es LGBTI+ em Lares Cristãos, é necessário evitar a perspectiva de que há somente uma verdade única e inabalável, que culmine na divisão do mundo entre “nós” e “eles”.
“Nesse sentido, vale o esforço de não ir de frente a um embate onde só um lado precisa estar com a razão. É mesmo desafiador contrapor um discurso que afirma que o meu casamento com um outro homem é pecado, mas ficar afirmando o contrário não nos move para nenhum outro lugar”, pondera Gut.
Dentro dessa lógica, Simon considera a necessidade de se dar outros passos para haver diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+. “Precisamos admitir que está tudo bem para um pai cristão com um filho LGBTI+ não concordar sobre a categoria pecado em si. Ainda assim, que ele saiba que Deus não quer destruir seu lar e sua família, mas deixou uma mensagem de amor incondicional pra ele.”
O meio é a mensagem (e a arena para o combate à desinformação)
Um ponto estratégico quando se fala em polarização e em disseminação de fake news dialoga com a relação entre as redes sociais e o conceito de economia da atenção. Nesse sentido, ela destaca como a atenção se mostra como um elemento capitalizável e tratável como mercadoria. E, quando se fala em redes sociais e nas big techs de modo geral, o principal objetivo de tais empresas é conquistar a atenção de quem as consome e usa.
Pois bem, conteúdos com forte apelo emocional e com grande potencial de comoção tendem a chamar mais a atenção de quem fica no scroll infinito das redes sociais. E, é claro, esse é um convite para o terreno fértil para conteúdos pautados em desinformação, pânico moral e discurso de ódio. Ou seja, se você pensou na perspectiva que inviabiliza qualquer diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+, essa percepção tem razão de ser. Isso sem contar que contornar os seus efeitos vai além de explicações meramente técnicas ou factuais.
Para Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, agência de checagem de fatos voltada à análise de conteúdos sobre religiões, o combate à desinformação não é um processo apenas racional. Ou seja, ele passa por fatores que afetam as pessoas em termos emocionais.
“A desinformação lida com o medo e o terror verbal estabelecidos com os discursos. Aí entram ódio, medo e terror causado nas pessoas, especialmente nas famílias, nas pessoas ligadas à religião que têm o cuidado com a família. Há vulnerabilidades historicamente tratadas entre grupos religiosos. E quem produz desinformação sabe afetar nesses elementos vulneráveis”, destaca.
Caminhos inclusivos possíveis
Dentro da lógica da desinformação para interditar todo e qualquer diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+, a extrema-direita a usa como trampolim para um projeto de poder excludente. Ou seja, temas caros à garantia de direitos para esse grupo viram recursos narrativos para impulsionar o alcance de atores integrantes de grupos fundamentalistas.
Assim sendo, Gut Simon destaca o cuidado necessário para que se evite dar mais holofotes para polêmicas de autoria de tais grupos, em particular nas redes sociais. Ou seja, evitar fazer gratuitamente o trabalho de popularização de tais figuras.
“Parece pouco, mas é superimportante não citar nomes específicos, tampouco compartilhar suas falas – e até mesmo cobrir seus rostos se for o caso. É necessário reagir a esses discursos intolerantes e LGBTfóbicos nas medidas legais cabíveis, pois se constituem crime. Porém, na internet, a nova praça pública, toda cautela ainda é pouca em tempos de algoritmos que beneficiam conteúdos que geram, em uma só tacada, amor e ódio”, descreve Simon.
Por fim, é necessário resgatar a capacidade social de pautar o debate público, em bases civilizatórias, para haver diálogo sobre a pauta LGBTQIAP+ em termos inclusivos. “Precisamos sair do modo reativo, no qual a gritaria impera, e ir em busca das frestas onde o diálogo ainda pode ser possível. E onde o afeto, a escuta e a persistência gerem espaços e encontros em que nossas diferenças possam coexistir”, finaliza Gut Simon.
Confira a série Ciclo de Conversas Semente de Vida: Alianças Progressistas LGBTI+ Contra o Discurso Religioso Fundamentalista, derivada do livro Semente de Vida
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