Qual é a conexão entre misoginia e violência política de gênero?
A conexão entre misoginia e violência política de gênero é veemente quando se fala em lideranças femininas. Entenda neste texto.


Misoginia e violência política de gênero andam lado a lado quando se fala em episódios marcados por hostilidades contra lideranças políticas femininas. Para além da sub-representação na Câmara dos Deputados e em demais esferas de poder, episódios de hostilidades contra elas são didáticos sobre esse tópico.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM), feita em parceria com o Movimento Mulheres Municipalistas (MMM) com 224 prefeitas, mostra que 66,7% foram alvos de algum episódio de violência política de gênero durante a campanha ou o mandato. Além disso, ao considerar-se também as respostas de 210 vice-prefeitas, os tipos de violência relatados por elas são aterradores:
- 49,1% foram alvos de violência verbal, como insultos e ameaças;
- 45,2% sofreram violência verbal – a saber, insultos e ameaças;
- 5,6% sofreram violência física.
O artigo 3º da Lei 14.192/2021 destaca que a violência política de gênero consiste em “atos de violência política contra a mulher qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.”
De acordo com Laura Astrolabio, advogada especialista em direito público pela Universidade Cândido Mendes e mestre de políticas públicas em direitos humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “trata-se de qualquer ação para restringir ou criar obstáculo para impedir mulheres de exercer seus direitos políticos.”
Combate ao combo misoginia e violência política de gênero
O mesmo levantamento da CMM sobre violência política de gênero mostrou que, quando questionadas, mais da metade de prefeitas e vice-prefeitas (50,2%) relatou, em 2024, ter intenção de permanecer na política e concorrer à reeleição no processo eleitoral que aconteceu naquele mesmo ano. Ainda, 11,9% afirmaram que planejavam concorrer, mas em outro cargo, enquanto 9,6% não manifestaram interesse em permanecer na arena política.
Os sinais que a pesquisa identificou transitavam entre a resistência e os impactos alarmantes que o combo composto por misoginia e violência política de gênero pode causar na participação feminina.
Nesse sentido, a misoginia tem papel preponderante quando se analisa esse cenário, pois se parte do sofisma da inferioridade feminina. Ainda, segundo Laura Astrolabio, não é correto fazer associações com o termo masculinismo, pois, conceitualmente, o feminismo não pode ser equiparado à misoginia justamente pelo fato de o feminismo pregar a equidade entre gêneros.
“Masculinismo é um nome que misóginos querem dar [para a misoginia] para, na prática, equipar com o feminismo”, comenta. “Mas o feminismo não é uma prática ou teoria de opressão, pois não prega que os homens são inferiores, tampouco que ninguém é inferior.”
A dimensão inerente à busca pela equidade de gêneros por parte do feminismo – e, consequentemente, o combate ao combo de misoginia e violência política de gênero – compreende, conceitualmente, o feminismo interseccional. Ou seja, a união entre o feminismo e a luta por equidade racial.
+ Entrevista com Laura Astrolabio
+ O que se deve considerar para proteger lideranças femininas na política?
Intersecção de lutas
A mobilização do movimento feminista interseccional, inclusive no combate ao combo misoginia e violência política de gênero, transcende o senso comum sobre o tema. “Por meio do feminismo interseccional, mulheres entendem as opressões pelas quais homens negros passam”, reforça Laura Astrolabio. “Entendo que, com o feminismo negro, as mulheres negras os defendem por entenderem que eles são atingidos pela opressão de raça. Entende-se que é diferente ser um homem branco ou um homem negro, assim como no caso de uma mulher branca e de uma mulher negra.”
Desse modo, a ascensão política de mulheres, em particular negras, representa desafios ao status quo. Idem a consequente abordagem do combate ao racismo e à misoginia. E essa dinâmica tende a resultar no recrudescimento ao debate sobre tais pautas e, consequentemente, em ataques contra mulheres.
“O sistema coloca dificuldades para a chegada de mulheres e expulsa quem chega, como fizeram com Áurea [Carolina] e Manuela d’Ávila”, reforça a advogada especialista em direito público pela Universidade Cândido Mendes e mestre de políticas públicas em direitos humanos pela UFRJ.
Por fim, Laura Astrolabio fala sobre a dimensão institucional no combate à combinação entre misoginia e violência política de gênero. “Precisamos pensar sempre em políticas necessárias para mantermos mulheres nesses lugares para elas poderem puxar outras e, por meio do exemplo de atuação delas, sonhar em ocupá-lo.”
Texto: Amauri Eugênio Jr.