Seminário apresenta as descobertas do projeto Territórios Clínicos
O Seminário Territórios Clínicos foi realizado em 15 de abril, na EACH-USP Leste. Foram apresentadas as sete organizações apoiadas no projeto
É preciso falar e investir em saúde mental. Mais do que uma frase de impacto, a realidade tem escancarado que o tema é cada vez mais urgente. E, se falamos de saúde mental nas periferias, a questão ainda se agrava. Para enfrentar este problema, desde 2021, a Fundação Tide Setubal tem investido em apoio a ações que fortaleçam os espaços de acolhimento nos territórios periféricos, como agora com o Seminário Territórios Clínicos, que acontece no próximo mês de abril, na USP Leste.
O seminário fará o compartilhamento das experiências do programa de mesmo nome com diversos públicos ligados ao tema da saúde mental. Mesmo antes da pandemia de Covid-19, os dados já eram alarmantes. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, 15% dos moradores das regiões periféricas das grandes cidades brasileiras sofriam de depressão.
Realizada em 2022 pela Agência de Notícias das Favelas (ANF), a pesquisa Saúde Mental na Periferia, Como Vamos? trouxe um retrato de cinco comunidades cariocas que, certamente, se aplicam às demais do país. Segundo o levantamento, 52% dos entrevistados disseram que sofreram com ansiedade durante a pandemia. O estudo ainda indica que 80% das pessoas que trabalhavam antes da pandemia seguiram as rotinas no serviço, mesmo após as regras de combate ao coronavírus.
A atuação da Fundação nesse contexto
Em 2021, foi criado o projeto Territórios Clínicos, voltado ao desenvolvimento e fomento de propostas de clínicas públicas que promovam a circulação e a ampliação de práticas no campo da saúde mental em regiões periféricas. Como lembra Tide S. Setubal Nogueira , coordenadora de Saúde Mental da Fundação: “O Territórios Clínicos veio da ideia de intervir na questão da saúde mental cruzando o tema dos territórios periféricos e a psicanálise.”
Na ocasião, sete iniciativas voltadas ao atendimento clínico em seus respectivos territórios de atuação, ou na formação para profissionais do campo da psicologia, psicanálise e assistência social foram selecionadas por meio de carta convite. Os grupos que participaram dessa etapa foram:
- Casa de Marias
- Grupo Veredas – Psicanálise e Imigração
- Instituto AMMA Psique e Negritude
- Margens Clínicas
- PerifAnálise
- Roda Terapêutica das Pretas
- SUR Psicanálise.
É importante reforçar que as clínicas públicas não pretendem substituir o estado, como enfatiza Tide: “A gente tem clareza que o Estado é o principal agente de políticas públicas na área de saúde mental. A questão é que o excesso de demanda tem o impedido de dar conta, então o trabalho é complementar e, muitas vezes, acontece em conjunto.”
Ana Carolina Barros, coordenadora geral da Casa de Marias, reforça esse aspecto lembrando que: “o Sistema Único de Saúde (SUS) por si só contemplaria as necessidades da população se houvesse nele o investimento do Estado suficiente para tal. Como não há, as clínicas públicas além de atender a população, servem como uma denúncia sobre o baixo investimento público”
O projeto Territórios Clínicos lançou também um mapeamento para identificar organizações que oferecem formação, supervisão, consultoria e atendimento clínico psicanalítico e/ou psicológico abertos às comunidades de espaços periféricos.
Deste trabalho sistemático ao longo desses dois anos, nasce o Seminário Territórios Clínicos.
Seminário propõe compartilhar conhecimento e fortalece a rede
O Seminário Territórios Clínicos é fruto dessa rede criada em 2021 e que, agora, quer dividir com mais profissionais da área de saúde mental, estudantes de psicologia, pessoas que estão nas escolas de psicanálise, psicólogos, psicanalistas de todos os territórios e professores de psicanálise, suas descobertas.
“Nestes dois anos, a gente realizou vários encontros coletivos, fora as reuniões individuais”, conta Tide. “E nesses encontros, os debates foram muito interessantes e tiveram um processo muito vivo. Muita gente nos procurava querendo participar dos encontros. O Seminário é o resultado desse processo para contar para as pessoas o que fomos descobrindo sobre o trabalho no território, a clínica fora do conceito clássico de usar um espaço fechado e os desdobramentos disso no atendimento.”
Construído coletivamente pela Fundação e as sete iniciativas envolvidas no projeto, o Seminário busca avançar e aprofundar em temas centrais que colocam para conversar as clínicas públicas com a teoria psicanalítica, o território e as políticas públicas de saúde mental. É uma oportunidade de ampliar a interlocução e o diálogo com diversas pessoas e profissionais que se interessam por esse tema.
Para Ana Carolina: “É muito importante que tudo que a gente pode fazer não fique circunscrito às nossas organizações apenas, mas que possa ser colocado para pessoas que se interessam pela temática da saúde mental.”
No próximo dia 15 de abril, os/as participantes terão um dia cheio de atividades, com a abertura do evento realizada pela coordenadora de saúde mental da Fundação e, na sequência com as mesas:
- Entre as políticas públicas de saúde mental e as clínicas públicas – quais são os limites e possibilidades de articulação?
- Clínica, militância, formação – são impossíveis da psicanálise? A metapsicologia psicanalítica a partir das discussões de raça, classe e gênero
- Clínica e Território: desafios e potências.
Ana enfatiza a importante contribuição dos Territórios Clínicos e do Seminário: “Acredito que o evento propõe um avanço nas discussões de saúde mental e as suas articulações com as questões de gênero, raça, classe e território. A área tem se envolvido cada vez mais nas reflexões sobre essas articulações e o Seminário amadurece essas sistematizações das experiências vividas e amplia essas discussões.”
Texto: Daniel Cerqueira