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É muito importante haver uma política que consiga dialogar com as vontades e desejos da juventude – Fundação Tide Setubal entrevista Marcelo Rocha

Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Carlo Paloni

 

 

A mobilização dos jovens para engajarem-se na arena política nacional alcançou o patamar de milhões – literalmente. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 2 milhões de jovens de 16 a 18 anos tiraram o título de eleitor entre janeiro e abril de 2022. Pode-se dizer, sem exageros e sem ser um recurso retórico, que a juventude é o nosso futuro político.

 

Ao mesmo tempo em que pautas relacionadas à equidade em âmbitos racial e de gênero e o debate socioambiental, só para ficar em dois temas, têm sido recorrentes entre eles, por outro lado, eles demonstram ter pouca confiança nas instituições democráticas, conforme mostra uma pesquisa realizada pela Fundação Tide Setubal em parceria com a rede de mobilização social Avaaz e o instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec).

 

Ao contrário do que se possa pensar no primeiro momento, um dos motivos diz respeito ao fato de eles não se verem representados dentro dessas mesmas instituições. Logo, é necessário aumentar a intensidade e a qualidade do diálogo com esse segmento. E eles demonstram estar abertos ao debate propositivo – e sem cancelamento, que é um dos pontos mostrados por esse mesmo estudo.

 

O engajamento dos jovens na esfera política, os temas caros a eles e o modo como eles se veem – ou não se consideram – representados na esfera política foram alguns temas abordados na entrevista realizada pela Fundação Tide Setubal com Marcelo Rocha. Fundador e diretor executivo do Instituto Ayika, Rocha falou também sobre polarização, território, atuação da esfera legislativa, entre outros tópicos, com foco no protagonismo da juventude. Segundo ele, “os partidos e as organizações precisam construir uma política onde os jovens caibam”.

 

Confira a seguir a entrevista.

 

 

Mais de 2 milhões de adolescentes de 16 a 18 anos tiraram o título de eleitor. Quais pontos devem ser considerados após esse prazo para mantê-los engajados e interessados na esfera política?

 

Eu acho que uma das coisas essenciais para manter o jovem engajado é se conectar e escutar as juventudes. Meu primeiro voto foi em 2014 e me lembro que o que me manteve engajado ali era poder me conectar e estar perto da política. Isso é muito necessário neste contexto em que vivemos, tanto em meio à polarização, quanto em meio a esse número gigantesco que haveria de jovens que não iriam às urnas – o maior número da história -, acho que temos como recuperar isso, buscando trazer e escutar esses jovens cada vez mais para o âmbito político e conectar a política com as causas.

 

Eu não digo que o jovem hoje é apolítico, mas ele está afastado da política porque ela perdeu o encanto e a capacidade de dialogar e de trazer a juventude para perto. Para a política institucional estar relacionada com a juventude, é necessário ter uma linguagem que fala para a juventude, estar conectada aos assuntos que as juventudes estão falando. As juventudes  estão falando sobre racismo, gênero e sobre várias e várias e várias outras pautas que passam diretamente pela sua existência.

 

O que a juventude está construindo enquanto forma de fazer política não passa necessariamente pela política institucional, pois não se vê nela. Mas, da mesma forma, é uma juventude que está construindo e fazendo política no seu território, no seu cotidiano e nas redes sociais. Então, como sincronizar isso para que a política institucional entenda o que essa juventude está construindo e, da mesma forma, para que tudo isso se correlacione e se crie a forma de manter a juventude perto da política institucional.

 

 

É possível pensar em caminhos para a organização política a partir da postura dos jovens em novas perspectivas e reorganização?

 

Acho que é muito possível, mas requer escuta. As juventudes, hoje, que são protagonistas na política, são jovens como eu – jovens negros, de periferia, que querem fazer política a partir de uma perspectiva de sobrevivência e a partir de um cenário onde não se entende apenas a política como algo a ser executado lá no fim. A política institucional tornou-se um campo que fragiliza os nossos direitos. Quem nasceu em 2000, por exemplo, viu em 2016 um golpe acontecer, uma presidenta destituída do seu cargo por articulação política. Então, essa juventude resolveu se abster de um sistema eleitoral que sequer consegue manter uma vontade democrática, mas que ainda vive o autoritarismo – o mesmo autoritarismo que acontece conosco na favela, nos territórios.

 

Ficamos descrentes com esse sistema. Boa parte da juventude tem acessado a universidade e passado a discutir política, ter acessado tantos espaços, os quais têm nos possibilitado trazer nossas vozes, causas e a maneira como atuamos. Só que o lugar institucional da política ainda trata isso como uma questão de identidade. Quando a política institucional trata temas que são sobre sobrevivência e sobre a nossa vida concreta como apenas uma questão identitária, nos afastamos desse espaço.

 

Isso não deixa essa juventude, que cresceu entendendo o modo de fazer política como o modo de sobrevivência. A maioria dos jovens das periferias vai à primeira manifestação nas favelas, pois é lá onde está rolando repressão dentro da comunidade, reintegração de posse, porque mataram alguém em alguma periferia? Basicamente, a primeira manifestação à qual a maioria das pessoas que moram em periferias vão é sobre esses temas. Por quê? Para manter aquele território seguro, ao tratar-se da manifestação pela vida e não necessariamente por um posicionamento político-institucional.

 

Esta é uma geração que conheceu a política a partir da resistência e que precisa resistir a um sistema muito bem construído, que mantém privilégios e nos retira direitos porque não estamos lá – e isso causa descrédito. Temos uma oportunidade histórica de reconstruir isso, mas os partidos e as organizações precisam construir uma política onde os jovens caibam, com jovens e mulheres negras para serem candidatos – com recurso, articulação, de forma que as pessoas consigam viver essa democracia.

 

 

 

 

Como é possível mostrar para os adolescentes e jovens que raça, gênero e território têm papel estruturante na construção de políticas públicas e na articulação no bairro, na universidade e nas escolas, por exemplo, e, ao mesmo tempo, reforçar a urgência dessas dimensões nas instituições?

 

Acredito que jovens e adolescentes sabem disso, mas quando a juventude não tem acesso para discutir política na educação básica, dentro da escola, dentro de casa e no convívio social por causa da polarização, cria-se uma vulnerabilidade que tem causado, inclusive, muita desinformação. Por que qual é o único território em que se pode hoje discutir política – ou melhor, saber se informar sobre política – sem ter nenhum tipo de discussão? Na internet, onde hoje os grupos bolsonaristas e várias milícias digitais têm utilizado para propagar desinformação.

 

Um ponto de partida consiste em um modo para fortalecer o ambiente para distribuir informações, assim como conseguirmos conectar pautas que são do cotidiano. Toda pessoa preta ou de favela sabe o que é segurança pública a  partir de uma ótica de violência, o que faz automaticamente perder o crédito nisso. Eu sei a cor que a polícia mata, quem sofre violência de gênero em casa e quem é morto por ser LGBTQIAP+.

 

O que foi o Escola Sem Partido? O que foram essas articulações fascistas para excluir os debates da sociedade? Sofremos consequências disso, pois uma pessoa preta que está ciente de que está passando por racismo por muitas vezes fica refém de poder trazer aquilo enquanto uma pauta, para não ser em caixinhas que a direita conseguiu criar como se fossem coisas identitárias. Toda a política institucional transformou isso em uma causa identitária e não em algo sobre sociedade – e precisamos cada vez mais trazer isso como pauta de sociedade. O problema do racismo não é das pessoas pretas, mas sim de pessoas brancas inclusive – não temos como transformar isso em uma pauta específica. O problema de violência de gênero não é das mulheres, mas sim dos agressores e do patriarcado.

 

Como conseguimos construir uma sociedade na qual seja possível entender as soluções desses problemas, a erradicação da desigualdade, do racismo, do feminicídio e de outras violências de gênero como um processo social? Levando para a política institucional, pois, dentro do congresso, das câmaras e do processo institucional, isso ainda é tratado como um tema distante.

 

 

 

Marcelo Rocha fala sobre engajamento político para além de períodos eleitorais e maneiras para mobilizar setores diversos da sociedade civil.

 

 

Quais papéis a urgência da preservação do meio ambiente e demais aspectos relacionados à questão ambiental têm na construção de políticas públicas?

 

Essa é uma missão muito importante na hora de votar este ano e ao pensar sobre o nosso futuro enquanto sociedade. Falar sobre clima abrange quem é afetado por esse processo e começamos este ano vendo quem são os mais afetados. O que aconteceu em Petrópolis, em Itabuna, Ilhéus e o que tem acontecido em vários lugares do nosso país e no mundo é consequência da emergência climática – isso foi, por muito tempo, ignorado pela política institucional e, da mesma forma, pelas empresas e o terceiro setor.

 

Por muito tempo, a compreensão sobre meio ambiente e questão climática foi reduzida apenas a áreas verdes, mas isso compreende pessoas, pandemias, as várias formas como isso nos afeta e sobre a comida chega no prato – e de qual comida chega no prato.  Falar sobre meio ambiente é abordar esse cotidiano. Vimos que temos um Congresso Nacional que votou projetos de lei para aumentar o número de agrotóxicos da nossa comida. Isso é sobre o meio ambiente, porque fazemos parte desse meio ambiente e somos também natureza.

 

Sendo natureza, temos de entender se queremos um Congresso que continua nos matando e precisamos entender que é a Câmara Federal quem tem o poder de assinar o projeto de lei e colocar mais agrotóxico nessa comida. Trata-se de coisas que nos afetam diretamente e constroem, dentro desse espaço, essa relação de trazer essas pessoas para dentro do debate e para dentro dessa construção. Este ano, mais do que apenas a polarização dentro da presidência da República e entender quem será o próximo presidente do Brasil, existe uma responsabilidade gigantesca para entender qual é o próximo Congresso Nacional. Porque, se continuarmos caminhando com um Congresso Nacional como este, perderemos muito enquanto sociedade, pois, quem responde por boa parte da situação do nosso país é o Congresso. Se ele não for renovado e não conseguirmos controlar a boiada, teremos retrocessos muito maiores no nosso país.

 

 

 

Marcelo Rocha discorre a respeito da relação entre mudanças climáticas e o desenvolvimento de políticas públicas, assim como a escolha em não contorná-las resulta em impactos sobre populações vulnerabilizadas.

 

 

DICAS DO ENTREVISTADO

 

  1. Eleições (dir.: Alice Riff, 2018), filme sobre as eleições do grêmio estudantil de uma escola paulista, que mostra o processo político, as tensões e divergências entre as chapas concorrentes e os desafios encontrados entre lidar com tais discordâncias e o respeito inerente ao fazer democrático.
  2. Injustiça Climática (dir.: Judith Helfand, 2018), filme sobre uma onda de calor que atingiu Chicago (EUA), em 1995, na qual 739 pessoas morreram – a maioria era de pessoas negras e idosas. O filme mostra a intersecção de desastres ambientais com o racismo estrutural, ao destacar como o Estado atua para prevenir desastres ambientais, mas não contempla a questão racial do mesmo modo.

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