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O terceiro setor pode apoiar empresas e órgãos públicos de diferentes maneiras em políticas ESG – Fundação Tide Setubal entrevista Maria Cecília Prates Rodrigues

Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Arquivo pessoal

 

 

Pode-se dizer que a sigla ESG, sigla para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança, em tradução livre do inglês) veio para ficar. A expressão engloba conceitos e práticas relativas ao modo como uma determinada empresa se relaciona com a comunidade da qual está próxima – sócios, parceiros, clientes, funcionários, fornecedores, entre outros – e a comunidade em geral, com o meio ambiente e de que forma segue as políticas, regras, normas e processos para causar impactos positivos nos contextos em que está inserida.

 

Dentro desse quadro, como os negócios de impacto social estão relacionados às práticas ESG? E como OSCs, fundações e institutos podem atuar para torná-los efetivos e assegurar os benefícios deles para a sociedade em geral?

 

Esses e outros pontos deram o tom da entrevista da Fundação Tide Setubal com Maria Cecília Prates Rodrigues, economista e mestre em economia pela UFMG, doutora em administração pela FGV/Ebape (RJ), pesquisadora sobre a área social e consultora no mesmo segmento. Maria Cecilia lançou recentemente Ecossistema das Iniciativas Sociais no Brasil, livro baseado em publicações feitas em seu site sobre filantropia, terceiro setor, setor empresarial e ESG. Confira o diálogo a seguir.

 

 

Você considera que o trabalho desenvolvido pelas OSCs tem proximidade com as temáticas ESG?

 

Tem muita proximidade. O ESG é um desdobramento dos vários movimentos da empresa. Dos anos 1900 até a década de 1970, o objetivo era produzir bens e serviços. As que eram valorizadas atuavam nos segmentos de petróleo e siderurgia, por exemplo. Foi uma revolução à época, pois estava melhorando a qualidade de vida do grosso da população, e naquela época não havia tanta preocupação com as pessoas, trabalhadores e demais públicos.

 

Surgiu então o movimento da responsabilidade social corporativa, que era chamada na academia como teoria dos stakeholders, em oposição à teoria dos shareholders – os acionistas. Ao se preocupar com o shareholder, ela produziria bens e geraria riqueza e lucros altíssimos para os acionistas, mas deveria se preocupar com todos os públicos envolvidos com ela – ou seja, colaboradores e comunidades onde atuavam deveriam ser bem tratados. Mas isso passou a ser criticado por somente haver normas e não ter resultado em nada.

 

Foi criado posteriormente o movimento da sustentabilidade, no qual, em vez do compliance, cumprir normas e processos, deveria ser realmente comprometido e ter abordagem de longo prazo – e passou a ser chamado de responsabilidade empresarial. Posteriormente, no Reino Unido, Porter e Kramer¹ passaram a teorizar não mais em função do processo, que deveria levar em consideração todos os stakeholders, mas passaram a trabalhar com a razão de ser da empresa. Eles criaram a noção do shared value – valor compartilhado -, segundo a qual o objetivo final do negócio é gerar um bem social para o planeta e a sociedade em geral.

 

Vejo o ESG como uma mudança de discurso para fazer frente às críticas contra a atuação das empresas. Os movimentos desenvolvidos por ela vinham sendo criticados e, como começaram a ocorrer diversos problemas de corrupção, passou a ser fundamental trabalhar com as dimensões de governança e com as questões sociais e ambientais. Considero que o trabalho desenvolvido pelas OSCs e pelo terceiro setor tem proximidade com a política ESG se quiser ser bem desenvolvida e trabalhada. As organizações do terceiro setor podem usar muito, a começar pelo trabalho na comunidade.

 

 

¹ Os professores Michael Porter e Mark Kramer idealizaram o conceito de valor compartilhado.

 

 

Maria Cecília Prates Rodrigues fala sobre como as OSCs podem trabalhar em conjunto com empresas na atuação dentro de territórios periféricos

 

 

É possível dizer que empresas adeptas da estratégia ESG podem ser consideradas negócios de impacto? Por outro lado, é correto afirmar que que negócios de impacto social têm a lógica ESG no DNA?

 

Considero que o ESG diz respeito ao modo de operar da empresa, que cuida de forma ética e responsável do seu relacionamento com os vários stakeholders. Na ambiental, sobre como é a relação da empresa com o meio ambiente, e na governança como veem o processo de tomada de decisão e como é a relação com outros órgãos. Muito se fala sobre empresa com impacto, o que diz respeito à razão de ser da empresa, pois todas têm algum propósito: gerar bens e serviços. Mas, no caso das empresas com impacto, a missão e razão de ser é contribuir para a solução de um problema social e/ou ambiental na comunidade.

 

Há no Brasil muitos desafios advindos da desigualdade e relacionados à pobreza, exclusão de grupos e à vulnerabilidade. A razão de ser da empresa de impacto é resolvê-los. Por exemplo, no caso de uma empresa de energia solar, quando os equipamentos de energia solar são construídos em uma região rica de São Paulo ou no Rio de Janeiro, uma oportunidade de mercado é aproveitada para produzir isso. Quando eles são levados para uma região pobre – interior da Amazônia ou do Mato Grosso, ou no Nordeste, por exemplo -, há um impacto social nas vidas daquelas famílias e muito mais oportunidades para elas produzirem.

 

A empresa com impacto social diz razão à finalidade dela e o foco do ESG é o modo como ela atua. A Carta de Princípios dos Negócios de Impacto no Brasil explica bem a premissa – ter uma ação ética e responsável -, que tem de ser voltada para a geração de impacto social/ambiental. Não basta haver na missão: tem de estar acompanhado sistematicamente e regularmente. Ser ESG diz respeito ao modo de operar, ao passo que ser uma empresa de impacto diz respeito à razão de ser ou à finalidade dela.

 

 

De qual maneira as OSCs e o terceiro setor propriamente ditos podem influenciar empresas e órgãos públicos a adotarem parâmetros relacionados ao ESG e aplicá-los aos seus respectivos trabalhos?

 

O terceiro setor pode apoiar empresas e os órgãos públicos de diferentes maneiras na condução de políticas ESG. Primeiro, por terem capilaridade muito grande no território, sobretudo em se tratando de organizações comunitárias, as OSCs podem ser parceiras das empresas em seus programas sociais. Por causa da mesma capilaridade e em razão de sua maior agilidade de ação vis a vis ao setor público, elas podem ter parceria com governos para executar políticas públicas, em saúde, educação, assistência social, por exemplo, e no desenvolvimento local de áreas em situação de vulnerabilidade.

 

A missão de muitas OSCs é a defesa de direitos, cidadania e meio ambiente. Elas realizam estudos e pesquisas nessas áreas, além de terem também experiência de atuação. Além disso, podem apoiar governos e empresas na formação de um campo de conhecimento e modus operandi específicos no relacionamento com os diferentes públicos, sejam os próprios colaboradores, ou lidar com diversidade, comunidades, meio ambiente, clientes, fornecedores, entre outros.

 

 

Você considera que é possível as OSCs, o terceiro setor e os negócios de impacto social podem influenciar demais empresas a adotarem parâmetros relacionados ao ESG e aplicá-los ao cotidiano, normas e procedimentos de trabalho?

 

Considero muito importante o papel das OSCs. Pela própria razão de ser das organizações do terceiro setor, elas são voltadas ao desenvolvimento, à convivência e ao apoio às comunidades em situação de vulnerabilidade, além de estudar e defender questões relacionadas a direitos e cidadania. Acredito que, nesse sentido, as ONGs podem servir como conselheiras pela prática e experiência com esses temas. A mesma lógica vale também com a experiência no território. A empresa pode se aproximar das organizações comunitárias locais e ver como pode se unir a elas no que puder e tiver condições e capacidade para apoiá-las. Há muito o que ouvir, se associar e fazer parcerias com os diferentes tipos de OSCs.

 

 

Os parâmetros estabelecidos pelo ESG reforçam a urgência da promoção de mulheres e de pessoas negras a cargos de poder e decisão?

 

O Brasil tem uma população muito diversa e é necessário haver representantes de pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência e de mulheres. Elas têm diferentes olhares e sensibilidades diferentes do que ficar apenas com um grupo de homens brancos, que fizeram curso superior em poucas escolas. Eles irão ver as coisas de forma muito unilateral, ao passo que colocar representantes dos diversos grupos da sociedade permite ampliar a capacidade de encontrar soluções e implementá-las de forma mais efetiva e que vá diretamente ao encontro das necessidades.

 

É necessário ver como isso afeta os indicadores de resultados da organização e se o processo para haver maior diversidade na empresa está afetando os resultados, pois isso também conta – idem em termos de relacionamento com os demais stakeholders. Ver as condições em que essa situação está sendo implementada nas organizações é importante também. Nos casos de PCDs, por exemplo, elas entram por causa das deficiências que têm, mas saem por não serem inseridas no trabalho, se locomover ou interagir – elas se sentem diferentes. Deve-se pensar em como a inclusão é feita para ser sustentável, senão será apenas um requisito.

 

Ainda, custear cursos para capacitar colaboradoras(es) pode ser considerada uma iniciativa ESG, à medida em que isso significa investir no desenvolvimento profissional e na empregabilidade deles. Mas, é importante ressaltar que para a organização ser considerada ESG, ela deve ser avaliada pelo conjunto dos seus processos – ou iniciativas – e resultados, e não apenas por uma iniciativa tomada de forma isolada.

 

 

Quais cuidados de negócios de impacto social, empresas e as OSCs precisam tomar para os parâmetros de ESG não se tornarem parte de discurso de maquiagem social?

 

É um risco bastante real. Uma recente entrevista de Tarik Fancy, que foi CIO (Chief Investment Officer) global da gestora de fundos Black Rock, acaba de fazer um duro alerta de que ESG vem funcionando como placebo, que o crescimento em fundos e investimentos ESG não passam de uma bolha que serve apenas para desviar, ou atrasar, uma atuação séria dos governos de regulação e taxação das emissões de GEEs [gases de efeito estufa], o que realmente pode funcionar para combater a aceleração das mudanças climáticas. Para ele, o problema é que não há uma discussão rigorosa ou padrões e tudo é vendido como sendo ESG.

 

Acredito que definir e acordar critérios claros para avaliar ESG é o primeiro passo. Cada setor deve ter os seus indicadores em função de suas especificidades no modo de operar, sobretudo em se tratando da dimensão ambiental, e de se relacionar com os seus públicos. No âmbito internacional, os  critérios SASB e GRI¹ estão fazendo esforços nesse sentido.

 

Poucas empresas ou organizações do terceiro setor realmente precisam e/ou têm recursos para conduzir avaliações com a profundidade do GRI. É fundamental cada organização fazer uma discussão séria e transparente sobre indicadores relevantes que precisam ser acompanhados para avaliar o seu desempenho em ESG. Mais fundamental, não apenas indicadores de processo, mas sobretudo resultados e avanços conseguidos – e se são satisfatórios.

 

 

¹Sasb (Sustainability Accounting Standards Board) é uma organização que visa auxiliar empresas a identificar, gerenciar e relatar os seus parâmetros relativos à sustentabilidade. Já o GRI (Global Reporting Initiative) é um relatório para descrição de riscos e impactos socioambientais relativos à atividade de uma empresa.

 

 

Maria Cecília Prates Rodrigues fala sobre a importância de se considerar parâmetros além de indicadores de projetos para práticas ESG serem bem-sucedidas

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