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É fundamental ouvir atentamente quais são os anseios políticos das juventudes – Fundação Tide Setubal entrevista Esther Solano

O que as juventudes pensam sobre política? Que temas têm apelo entre quem votará pela primeira vez em outubro de 2022 e mobiliza esse grupo? Quais são os seus anseios? E a divisão em espectros políticos faz sentido para elas/es?

 

Os tópicos mencionados acima foram alguns dos pontos principais da pesquisa Juventudes e 1° Voto, da qual Esther Solano, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esteve, juntamente com a cientista política Camila Rocha, à frente da sua realização. No estudo, 45 jovens das cinco regiões do Brasil de 16 a 18 anos, com perspectivas políticas plurais, foram ouvidas/os.

 

Se por um lado o processo eleitoral é uma pauta que volta e meia vem à tona, ainda mais com o expressivo número de 2,1 milhões de adolescentes com idades entre 16 e 17 anos aptas/os a votar em 2022 segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, ante 1,4 milhão em 2018, os sinais identificados na pesquisa mostram que muito mais aspectos precisam ser levados em consideração para que a democracia seja fortalecida em 2023 e além.

 

Por exemplo, ao mesmo tempo em que foi possível identificar que há confiança nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral, o nível de conhecimento sobre as instituições responsáveis pelo processo eleitoral é baixo. Ainda, a pesquisa identificou que as/os entrevistadas/os não se declaram nem de direita, nem de esquerda, e temem a escalada da violência política, resultando no medo de se manifestar politicamente em público e na preferência por fazê-lo nas redes sociais – inclusive, elas/es informam-se por meio dessas redes e em conversas com familiares.

 

Em entrevista à Fundação Tide Setubal, Esther Solano falou sobre como aspectos diversos, inclusive os mencionados na pesquisa, têm impactado a relação das juventudes com a política e quais são os seus anseios. Além disso, o diálogo abordou também temas como o radicalismo político e o medo do cancelamento, a urgência de as instituições democráticas dialogarem de modo mais intenso e próximo com as diversas camadas sociais e, por fim, caminhos possíveis para a reconstrução da democracia ativa e participativa.

 

Confira a seguir a entrevista.

 

Pôde-se ver uma intensa mobilização para adolescentes de 16 a 18 anos tirarem o título eleitoral entre março e maio de 2022. Em sua opinião, quais são os pontos de atenção para o diálogo e a promoção do engajamento deles após o período eleitoral?

Esther Solano: Em primeiro lugar, é fundamental ouvir atentamente quais são os anseios das juventudes. Esses grupos não se sentem ouvidos quanto às suas necessidades e prioridades, pois não consideram que as instituições políticas os levem em consideração quando tomam decisões que têm impacto direto sobre a população. É como se as/os jovens ouvissem a cada instante que a política não é lugar para elas/es.

 

Como consequência, os grupos formados por jovens consideram as instituições políticas como elitistas e defensoras do status quo que trabalham em favor dos interesses de segmentos socioeconomicamente privilegiados. Logo, eles passam a vê-las com desconfiança e se tornam alvos de discursos e correntes políticas que se vendem como antissistema.

 

Um ponto fundamental para que as instituições democráticas passem a dialogar de modo efetivo e propositivo com as juventudes é entender os motivos pelos quais a percepção relativa a elas é elitista, seja nos casos dos partidos ou das demais esferas de poder. A partir disso, esses aspectos deverão ser analisados e corrigidos para que o diálogo com as/os jovens passe a ser mais próximo e propositivo.

 

Ainda, como o medo do cancelamento está relacionado com essa dinâmica?

Esther Solano: O receio do cancelamento dialoga com a percepção de que o debate sobre política está muito agressivo. A hostilidade no nível das interações, pontualmente nas redes sociais, cria um caldo de intolerância que afugenta as/os jovens do debate político por receio de se sentirem expostas e ridicularizadas – o que as fazem sentir que as suas percepções, o que pensam e sentem se tornam aspectos invalidados.

 

Episódios como esses são interpretados, com razão, como ataques pessoais. Com isso, as pessoas que se veem como alvos de ofensas e se consideram invalidadas passam a considerar as/os autoras/es de tais atos como intolerantes, que se consideram como donas/os da verdade e detentoras/es de conhecimentos supostamente incontestáveis.

 

Como consequência, elas se fecham nos seus respectivos grupos e consideram inútil dialogar com aquelas/es passam a ser lidas/os como pessoas agressivas e que desconsideram as suas próprias vivências.

 

 

Confira os principais dados da pesquisa Juventudes e 1° Voto, encomendada pela Fundação Tide Setubal e conduzida por Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha

 

Um aspecto sintomático sobre a relação dos jovens com a política é que uma parcela significativa não se sente representada por partidos políticos e instituições democráticas. Quais podem ser os sintomas apontados sobre esse fato e como esse cenário pode ser revertido, mesmo aos poucos?

Esther Solano: O sentimento que uma parcela importante da população, inclusive as juventudes, tem em relação à política institucional é de descrença. Com isso, essas pessoas entendem que os seus anseios, demandas e necessidades não são ouvidos. Como consequência disso, elas passam a interpretar que atores de esferas políticas variadas, passando pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, estão deslocadas das necessidades cotidianas reais da população, pois atuam, cada uma à sua maneira, para defender interesses e privilégios a instituições que compõem as elites – sejam elas econômicas ou políticas.

 

Por exemplo, nos casos das/os jovens, que são mais impactadas/os pelo aumento do desemprego no país, elas/es acabam tendo de recorrer a atividades profissionais por meio de aplicativos e se veem com condições profissionais precarizadas – e, com isso, passam a considerar que o presente e o futuro delas/es estão comprometidos.

 

Fatos como esse mostram que é urgente trazer o debate político para mais próximo da realidade das juventudes. É fundamental que se pense em soluções perenes para os problemas estruturais aos quais a população geral, inclusive as/os jovens, está submetida. A política precisa estar em sintonia e consonância com o bem-estar populacional, assim como com os seus anseios e necessidades.

 

Ainda dentro deste cenário, quais medidas podem ser adotadas para mostrar – ou romper com a perspectiva de – que falar sobre defesa da democracia e defender direitos de grupos minorizados não é um comportamento elitizado?

Esther Solano: Precisamos trazer as dimensões democráticas e o debate sobre o combate a discursos discriminatórios para o dia a dia da população. É necessário mostrar como a população pode estar mais próxima às instituições das esferas Legislativa ou Judiciária, por exemplo, e como o poder público pode estar presente no seu dia a dia para resolver problemas urgentes e aspectos estruturais quando falamos em desigualdades.

 

Outro ponto importante diz respeito à linguagem. Questões relacionadas à equidade racial e entre gêneros estão diretamente ligadas à desigualdade social, mas uma parcela importante da população não vê esses aspectos diretamente no dia a dia. Tais dimensões são enxergadas, por meio de termos específicos, como bandeiras defendidas por ativistas e sem conexão com a realidade, e determinadas expressões, por mais pertinentes que sejam, se tornam gatilhos e inviabilizam o debate.

 

É necessário trazer exemplos práticos do dia a dia em que seja possível fazer conexões sobre a discriminação racial e de gênero – idem no que diz respeito à maneira como a representação e a participação democrática têm papel superimportante no nosso cotidiano. É urgente colocar o diálogo sobre raça, gênero e desigualdade social, por exemplo, do campo teórico e mostrar como as vidas das pessoas são afetadas por esses pontos. Devemos mostrar que os supostos casos isolados são, na verdade, consequências de uma estrutura baseada na desigualdade e na discriminação.

 

Um ponto levantado no livro Linguagem da Destruição – A Democracia Brasileira em Crise é de que o bolsonarismo consiste na destruição de qualquer parâmetro civilizatório ao, entre outras coisas, subverter o sentido de termos como liberdade e verdade. Em sua opinião, quais são os possíveis antídotos contra essa lógica?

Esther Solano: Precisamos mostrar, com exemplos conectados ao dia a dia da população, como todas/os perdemos com a deturpação de termos como esses. Devemos sair do campo teórico, ao falarmos sobre como o sentido de palavras como liberdade e verdade foi distorcido para legitimar atos autoritários e deturpar a realidade – e que todos perderemos com isso.

 

Isso requer também diálogo por parte das instituições democráticas com a população, assim como entender as suas múltiplas necessidades e como os grupos que a compõem são complexos e plurais, para mostrar que melhorias e conquistas sociais somente serão possíveis por meio do fortalecimento da coletividade e da civilidade. Além disso, a proximidade com a população por parte dos diversos segmentos e de atores atuantes na defesa da democracia permite também mostrar para a população quais são as verdadeiras intenções dos grupos que tentam subverter consensos civilizatórios para, por meio de fins populistas, confundir a opinião pública.

 

É necessário mostrar que quem recorre aos conceitos distorcidos de liberdade e verdade para incitar a ação de extremistas, por exemplo, despreza a vida, o cuidado com o próximo e o bem-estar na sociedade. Em resumo: é necessário ir além da esfera eleitoral e mostrar que o tipo de retórica usada pelo bolsonarismo é uma afronta à democracia e, em última análise, representa o desprezo à vida e à dignidade da pessoa humana.

 

 

 

 

Entrevista: Amauri Eugênio Jr. / Foto: DiCampana Foto Coletivo

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