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A acessibilidade beneficia não só pessoas com deficiência, mas a todos – Fundação Tide Setubal entrevista Simone Freire

Por Amauri Eugênio Jr.

 

 

Apesar de a Constituição Federal de 1988 prever a igualdade plena de todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, não são muitos os mecanismos colocados em prática para haver paridade plena na sociedade civil. E esse é também o caso de pessoas com deficiência: de acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,6 milhões de brasileiros tinham algum tipo de deficiência – ou seja, 23,9% da população. Desse total 6,7% dos indivíduos a têm em grau severo.

 

A inclusão social de pessoas com deficiência contempla a eliminação de barreiras que resultem na discriminação e na limitação de seus potenciais. Essa pauta motivou a criação do Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência, lembrado em 21 de setembro. A data tem como objetivo conscientizar a população sobre a importância de incluir pessoas com deficiência em todas as esferas sociais. Essa mesma premissa abrange também a adequação de ambientes virtuais para possibilitá-las a realizar tarefas corriqueiras, como fazer compras online em supermercados – menos de 1% dos sites em funcionamento no Brasil é acessível.

 

A inclusão digital de pessoas com deficiência o que motivou Simone Freire, diretora da Espiral Interativa, agência de comunicação digital especializada em acessibilidade, a idealizar o Movimento Web para Todos, voltado a pessoas e organizações que desejam uma sociedade inclusiva também no mundo virtual.

 

A causa defendida pelo MWPT – e por ela – vai além da inclusão digital e é um alerta sobre a desigualdade social à qual este grupo está submetido. De acordo com estudo feito pelo Ibope e encomendado pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo, 52% delas não estavam trabalhando na capital paulista e 31% estavam em regime de carteira assinada. Ainda, a arquitetura das cidades é deficitária quando se fala em locomoção de pessoas com deficiência, o que representa uma série de barreiras físicas e simbólicas para a inclusão plena deles. Logo, seja em âmbitos digital ou físico, é necessário combater elementos que causem disparidades entre eles e pessoas sem deficiência.

 

Em entrevista à Fundação Tide Setubal, Freire falou sobre o panorama da inclusão digital de pessoas com deficiência, que ainda está em estágio inicial, desafios e oportunidades para combater sinais de desigualdade para elas. Confira a conversa a seguir.

 

 

O Movimento Web para Todos tem como objetivo unir diversos entes da sociedade civil e conscientizá-los sobre a importância da acessibilidade digital. De quais maneiras o movimento mostra a importância e a urgência sobre o tema?

 

O Web para Todos foi criado com o objetivo de trazer o debate à tona. Mais do que mobilizar e conscientizar, o foco é oferecer conhecimento para transformar este cenário. Atuamos em três pilares: a mobilização de fato, pois temos uma sociedade que desconhece a realidade de exclusão digital de pessoas com deficiência – segundo o IBGE, há 45 milhões de brasileiros com alguma deficiência. No pilar da mobilização, a gente faz debates, palestras, a gente tem participado de muitas lives para trazer essa realidade desconhecida ainda pela população.

 

Outro pilar é o da educação, pelo qual levamos conhecimento técnico, principalmente para profissionais que trabalham com marketing e comunicação digital. Falamos de desenvolvedores, designers e produtores de conteúdo. O MWPT capacita esses profissionais com as melhores práticas de acessibilidade digital por meio de cursos e oficinas virtuais.

 

Há também o pilar da transformação. Se você seguir essa jornada e tiver consciência e conhecimento, é necessário colocar a mão na massa. Temos na rede vários profissionais, que são acessados para prestar consultoria para empresas e projetos. Fazemos a validação dos ambientes para certificar que estão preparados para navegação e produzimos estudos que irão embasar todos os pilares de acessibilidade na web brasileira. A essência do movimento é gerar conhecimento para transformar a realidade excludente das pessoas com deficiência.

 

 

Segundo uma pesquisa do MWPT com a BigData Corp, menos de 1% dos sites tem parâmetros de acessibilidade no Brasil. Esse indicador mostra que temos um longo caminho pela frente.

 

A gente avaliou nesta pesquisa com a BigData Corp toda a web brasileira por meio de um robô desenvolvido com eles, que simula várias experiências de navegação com pessoas de diferentes tipos de deficiências. Por exemplo, cegos navegam com leitor de tela e precisam ter descrição das imagens dos sites para eles poderem compreender o que aquele site tem de imagem. – esse é um campo que existe na hora da programação. O robô vai nesse campo e vê que está vazio e, se estiver, não há descrição de imagens.

 

Assim segue em diversas outras programações nas quais esse robô foi criado. No total sites ativos da web brasileira – foram avaliados 14,65 milhões de sites -, menos de 1% estava relativamente acessível e não tinha barreiras de navegação.

 

 

Como ficou esse cenário na pandemia?

 

Fizemos uma releitura desse estudo em abril, o que mostra como esse cenário é muito forte. A web é o nosso principal meio de comunicação com o mundo externo durante a pandemia, seja para a gente trabalhar, comprar, interagir com a família e amigos. Usamos sites e aplicativos para tudo. Pessoas com deficiência estão ainda mais ilhadas em casa, sem poder fazer compras de supermercado ou farmácia online, pois esses sites não estão preparados para elas. Os aplicativos voltados ao consumo rápido não estão preparados para a navegação de pessoas com deficiência. A pandemia mostrou a exclusão, mas ao mesmo tempo obrigou as marcas a olharem diferente para essa realidade e a necessidade de incluir pessoas. É só olhar a proliferação de lives com Libras e a inserção de legendas em vídeos para surdos que são oralizados e falam português

 

A gente brinca que está começando um processo de inclusão meio a fórceps. A gente precisa tomar muito cuidado com o risco de essas diretrizes de acessibilidade não serem estudadas e praticadas, porque o pessoal inclui qualquer intérprete de Libras, faz a descrição de qualquer jeito e coloca, por exemplo, um contraste de fundo no site para falar que está acessível. Precisamos tomar muito cuidado.

 

Esse é um momento muito oportuno para falarmos sobre acessibilidade digital, mas precisamos falar de maneira muito correta com os profissionais que estão a fim de aprender sobre isso. Há muita gente fazendo de maneira equivocada, o que pode gerar conhecimento enviesado. Por exemplo, estão proliferando ferramentas milagrosas que afirmam deixar sites acessíveis com instalação delas – e isso não é verdadeiro. O site não ficará acessível simplesmente ao instalar um plug-in. É necessário mexer na experiência do usuário, fazer o analista/pessoa de comunicação descrever as imagens, assim como trabalhar contrastes de cores em toda a comunicação. Ao mesmo tempo em que há muitas oportunidades, muita gente irá querer se beneficiar disso de maneira negativa.

 

 

Menos de 1% (0,4%) dos sites do governo atendia aos parâmetros de acessibilidade. Isso impacta a transparência de dados governamentais e o uso de informações públicas?

 

Quando passamos e validamos todas as páginas “.gov.br”, fiquei [negativamente] surpresa com o resultado. Há algumas esferas do governo e entidades que estão realmente sensibilizadas para mobilizar os seus canais – e isso é o mínimo. Faltam prática e conhecimento dentro do próprio governo, que deveria ser o nosso benchmark inspiracional para a questão da acessibilidade.

 

 

Como ir além de marcos regulatórios e promover cidadania por meio da acessibilidade?

 

A grande transformação acontecerá por quem produz sites e aplicativos. Essa é a grande virada de chave: programadoras(es), designers e comunicadoras(es) contemplarem a pessoa com deficiência como uma persona na jornada de desenvolvimento..

 

Ao desenvolver um produto para jovens, é possível pensar logo no início que há jovens cegos, tetraplégicos ou com deficiência intelectual. A questão da deficiência transversaliza toda a população.

 

Digo mais: a acessibilidade beneficia não só a pessoa com deficiência, mas a todos. Ela beneficia idosos, por exemplo: há quase 30 milhões de idosos no Brasil e eles precisam da acessibilidade, pois estão perdendo visão e audição, por exemplo. Eles estão em um ambiente digital, que não é o nativo deles. Quando falamos de acessibilidade, estamos melhorando para todo o mundo. Por isso precisamos muito da empatia de quem trabalha. Isso é entender o papel social, inclusive profissional.

 

 

O que é necessário para quem trabalha com desenvolvimento de sites e aplicativos, assim como comunicadoras(es) do terceiro setor, pensar na navegação e produção de conteúdos acessíveis e considerar que tais melhorias serão por etapas e não de uma vez?

 

É essencial que esses profissionais entendam como pessoas com diferentes tipos de deficiência consomem serviços e produtos online. Convido o pessoal a visitar a plataforma do Web para Todos, pois a gente tem muito conteúdo. Há histórias, biblioteca com artigos, matérias que ensinam o passo a passo, vídeos, etc.

 

Para quem quiser começar, a grande bíblia da acessibilidade digital é o WCAG (Web Content Accessibility Guidelines), que consiste em diretrizes de acessibilidade digital mundiais. Há 72 critérios que devem ser levados em consideração para haver navegação acessível. A plataforma contém diversas matérias explicando a WCAG e indicando sites que falam sobre ela de maneira lúdica. A partir disso é ter empatia, aplicar e lembrar de que esse será um diferencial competitivo.

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