Como a história mostra que o Brasil precisa de uma ministra negra no STF?
Em mais de 130 anos de história, nunca houve uma ministra negra no STF. Chegou a hora de haver reparação histórica na Suprema Corte
Desde a sua criação, em 1891, o Supremo Tribunal Federal (STF) nunca teve uma ministra negra. Esta informação é impactante por si só, inclusive quando se fala na proporção de pessoas negras na magistratura brasileira. Mas isso ganha contornos ainda mais assustadores quando outros elementos vêm à tona.
O STF teve apenas três ministras em sua história. A primeira, Ellen Gracie, entrou para a Suprema Corte somente em 2000 – e ocupou o cargo até 2011. As duas ministras seguintes são Cármen Lúcia e Rosa Weber – que saiu do STF em 2023.
Assim sendo, mudar perspectivas na principal esfera judiciária do país consiste em um projeto nacional em favor da equidade. Mais do que isso, trata-se, então, de uma mudança de paradigma alicerçada na perspectiva de homens brancos em espaços de poder e decisão. A escolha para uma ministra negra no STF é um passo fundamental nesse sentido.
“Do ponto de vista prático, o Direito não pode ser percebido como uma ferramenta neutra. Mesmo apresentado como uma ferramenta para promover mudanças e defender pessoas, ele acaba servindo para reforçar uma visão de justiça que reflete as disparidades debatidas sob ponto de vista de raça, classe e gênero”, destacou Lígia Batista, diretora executiva do Instituto Marielle Franco.
Em entrevista à Fundação Tide Setubal, Lígia destacou a relação entre o poder judiciário e a retroalimentação de estruturas socialmente desiguais. Esse ponto tem relação direta com a ausência histórica de ao menos uma ministra negra no STF.
“Falar da relação intrínseca e direta entre a vinculação das elites à composição do poder judiciário é falar da sua exploração para mantê-las no poder. Idem o que significam as outras instituições. Ao pensar na política nacional e nas comunicações, isso estará igualmente colocado, assim como nas posições de poder que determinam os rumos do Brasil. Um poder judiciário dominado pelas elites brancas serve a elas.”
O combate às desigualdades passa também pela esfera judiciária
A disparidade na esfera judiciária foi um dos tópicos do lançamento do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, no Congresso Federal, em Brasília (DF). O evento reuniu diversas organizações da sociedade civil, que falaram sobre ações para enfrentar disparidades crônicas no Brasil, em particular sobre raça, gênero e território.
Nesse sentido, um dos pontos passou pela estrutura dos espaços de poder e de decisão, que fez parte da fala de Oded Grajew, fundador e presidente emérito do Instituto Ethos. De acordo com Grajew, a população negra e mulheres compõem os grupos mais prejudicados quando se fala em desigualdades. Além disso, são segmentos minoritários nesses mesmos espaços.
“Isto não é por acaso, pois as/os mais prejudicadas/os têm menos poder. Uma das coisas sagradas para países que reduziram a desigualdade é ter na representação política um espelho da sociedade. Isso é fundamental para haver políticas públicas de acordo com o desejo e a composição da sociedade”, ressaltou.
Assista ao lançamento do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades
Coalizão por representatividade social no STF
A escolha de uma ministra negra para o STF é uma pauta que faz parte da mobilização de diversas organizações da sociedade civil.
A iniciativa Ministra Negra no STF, que conta com participações de organizações como a Coalizão Negra por Direitos, Instituto de Referência Negra Peregum, Geledés – Instituto da Mulher Negra e Instituto Marielle Franco, apresenta motivos diversos para essa pauta tornar-se realidade.
O projeto conta também com um manifesto – e e-mail – para pressionar o Governo Federal a colocar essa demanda histórica em prática. Até setembro de 2023, mais de 25 mil pessoas enviaram e-mails à presidência da República em favor da escolha de uma ministra negra no STF. Vale dizer que a iniciativa esteve no ar no mesmo período, quando este texto foi originalmente escrito.
Desse modo, iniciativas com esse perfil tornam-se ainda mais urgentes diante da aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso, cujo anúncio aconteceu em 9 de outubro de 2025.
Nesse contexto, a iniciativa Reparação Já! Pela Vida do Povo Negro, que reivindica ações concretas pela vida e pela dignidade do povo negro, objetiva também pressionar pela escolha por uma ministra negra para a Suprema Corte.
Entende-se, enfim, que o fortalecimento do tecido democrático passa pela pluralidade étnico-racial em espaços de poder e de decisão. Logo, a decisão por parte do Governo Federal para nomear uma ministra negra no STF é central e emblemática nesse contexto.
Saiba mais
Conheça os editais e iniciativas da Plataforma Alas para potencializar as trajetórias de lideranças negras com trajetória periférica, inclusive na esfera jurídica. O site consiste em uma plataforma de encontro com a proposta de um pacto coletivo para acelerar a busca pela equidade racial nas posições de liderança. Por fim, conheça os projetos em plataformaalas.org.br.
Assista aos desafios enfrentados por lideranças negras nas esferas jurídica e política na série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Coalizão Negra por Direitos
*Texto modificado em 9 de outubro de 2025 para atualizar informações sobre os ex-ministros Rosa Weber e Luís Roberto Barroso.
