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A produção de informação nas periferias no combate aos efeitos da Covid-19

Por Daniel Cerqueira / Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

 

Entre as pessoas que estudam e produzem comunicação já virou um clichê dizer que estamos na era da pós-verdade, ou seja, um momento histórico no qual o apelo emocional e a opinião de quem a dá é tomada como fato, mesmo que não exista nada que a comprove. Não à toa, em tempos de pandemia da Covid-19, há quem acredite e dissemine ideias sem nenhuma comprovação científica como: “é só uma gripezinha”, “a cloroquina protege e salva” ou “o vírus foi criado pela China para sobrepor seu estilo de vida ao mundo”.

 

O antídoto ainda existente para isso continua sendo a produção de conteúdos jornalísticos com credibilidade para contra-informar. Porém, encontra-se na questão da credibilidade outro clichê bastante presente em quem analisa a comunicação que é dizer da concentração midiática por grupos econômicos que detêm o poder e produzem informações que mais lhes convêm. Os dois clichês podem ser verdadeiros, mas a busca do jornalismo nestes tempos de pandemia é para ir além deles.

 

As notícias e estudos feitos desde março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) confirmou a declaração de um surto de pandemia pela Covid-19, retratam que quem mais tem sofrido no Brasil com os contágios e, principalmente, com as mortes provenientes da pandemia são moradores das periferias urbanas. A pesquisa Viver em São Paulo – Especial Pandemia, divulgada em 5 de maio pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ibope Inteligência, mostra que 81% dos  paulistanos  e paulistanas acreditam que as periferias são as que mais sofrerão neste surto.

 

Com isso, ganha ainda mais importância coletivos de comunicação destas regiões que apuram a notícia diretamente nos seus territórios e vão além dos clichês e do senso comum que aparecem nos meios de comunicação quando estes falam das regiões de periféricas. É o caso da Rede Jornalistas das Periferias de São Paulo, que é composta por Mural – Agência de Jornalismo das Periferias, Coletivo Nós, Mulheres da Periferia, Desenrola e Não Me Enrola, DoLadoDeCá, Historiorama: Conteúdo & Experiência, Periferia em Movimento, DiCampana Foto Coletivo, Imargem e Alma Preta.

 

Estes coletivos têm centrado esforços em pautas de e para os territórios com informações úteis à população, histórias de cuidados e serviços acessíveis para a proteção em momentos de pedidos de isolamento social. Nas redes sociais, a hashtag #coronanasperiferias têm agrupado múltiplas histórias que, ainda hoje, tem pouco espaço nos veículos de comunicação tradicionais. As abordagens são muitas: a saúde, a educação, a habitação, as questões relacionadas às mulheres e as desigualdades sociais e territoriais. São todas vertentes impactadas pela atual crise de saúde e que geram reflexos e consequências para todas a população.

 

Um destes grupos, a Mural – Agência de Jornalismo das Periferias, destaca em artigo na Folha de S.Paulo assinado pelo seu cofundador e diretor de jornalismo, Vagner de Alencar, que agora, mais do que nunca, as periferias parecem entrar no centro da pauta, uma vez que a Covid-19 evidencia as desigualdades ao mesmo tempo que deixa claro que elas são um problema que afetam todos os grupos sociais.

 

No artigo, Alencar defende que um dos desafios da comunicação é romper com um jeito de falar das periferias que as coloca exclusivamente como algozes ou vítimas trágicas de um problema, passando a tratá-las com objetividade e dados: “Temos uma preocupação muito grande em apenas noticiar o número de infectados ou mortes pela Covid-19. Afinal, as periferias, de certo modo, sempre foram sucumbidas aos números (especialmente de mortes). Temos buscado informar para formar os moradores já que, quando falamos de desigualdade, também falamos sobre desigualdade de informação. A cobertura continua como sempre fizemos: a partir do ponto de vista dos e das moradoras”.

 

Esse interesse por notícias e dados dos territórios periféricos é também expresso em números. Vagner conta que os dados da Mural mostram que, em abril e maio de 2020, pela primeira vez conseguiu-se superar 100 mil visualizações por mês ante média de 40 mil. Quase a metade das visualizações, 44%, chega pelo Google, o que também reflete o aumento de interesse pela informação dessas regiões. A Agência lançou também o podcast Em Quarentena e já alcançou a marca de mil cadastramentos em dois meses. Foram mais de 120 entrevistados e entrevistadas entre moradores, médicas, psicólogos, terapeutas e outras.

 

Outro aspecto que merece atenção nesse cenário é a disseminação de conteúdo negacionista e de desinformação. Esse fenômeno, que está ligado à ausência de educação midiática e é observado setores sociais variados, é acompanhado pela quantidade cada vez maior de pessoas que se informam via WhatsApp. De acordo com Ronaldo Matos, diretor de jornalismo do Desenrola e Não Me Enrola, o trabalho jornalístico perde relevância ou deixa de ter validade se não estiver no cotidiano de quem se informa por esse aplicativo. Por isso, o site tem enviado reportagens e entrevistas por meio do aplicativo de trocas de mensagens para esse público, que não estão em redes sociais, como Facebook e Instagram, para combater o discurso negacionista.

 

Ainda que o processo não seja fácil, pois demanda de organização de infraestrutura de distribuição de material que exige grande dedicação operacional para  chegar a esse público, os resultados já podem ser observados: uma entrevistada encaminhou a reportagem da qual participou para o grupo da família, a família  enviou para o padre da paróquia da região, e o conteúdo foi disseminado entre os moradores do território – de acordo com Matos, “sem depender da nossa participação. O mais interessante é que a audiência local ou territorial aconteceu, a notícia circulou pelo bairro e serviu como instrumento de diálogo entre os moradores.”

 

Segundo Matos, as reportagens produzidas têm mostrado o impacto da vulnerabilidade, que já existia em tais territórios, a partir dos dados públicos obtidos. Esse fato tem aumentado o olhar sobre iniciativas criadas por movimentos periféricos para suprir a ausência do poder público e têm sido retratadas na série de reportagens Gestão da Ausência. “Estão surgindo muitas soluções criativas e outras que poderiam se tornar políticas públicas, revelando capacidade intelectual e de organização coletiva que atende às demandas distintas de cada território”, completa.

 

Além dos fatos socioculturais expressos no Desenrola e Não Me Enrola, é possível encontrar na página do Facebook da Rede Jornalistas das Periferias esses e outros materiais como as reportagens do ponto de vista das mulheres no Nós, Mulheres da Periferia, e a cobertura Coronavírus e as Quebradas, do Periferia em Movimento. Ainda, a campanha #coronanasperiferias tem ganhado as redes sociais com textos, fotos, vídeos e infográficos que retratam os efeitos da Covid-19 nestes territórios por todo o Brasil e apresentam caminhos para a população. Vale a pena fazer uma busca da hashtag em redes como Facebook, Twitter, Linkedin e Instagram.

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