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Mulheres de luta que zelam pelo bairro

Por Daniel Cerqueira

 

 

Nos territórios periféricos, as mulheres desde sempre protagonizam o dia a dia das comunidades, seja na condição de chefe da casa, seja nos espaços de trabalho ou nos serviços públicos. Nos últimos anos, o investimento social privado tem olhado para ações territoriais de uma maneira diferente do que fazia antes, dando mais ênfase ao enfrentamento das desigualdades para o desenvolvimento de uma cultura mais democrática e de justiça social no país. Ao mesmo tempo, ganha força a ideia de que o fazer com é melhor do que o fazer para.

 

Chegamos então ao Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, um dos territórios da cidade com essas características. Como toda periferia, é um lugar cheio de desafios e, neste caso, basta entrar no Google Maps e olhar atentamente para a geografia do bairro para entender parte de sua complexidade. Localizado entre a linha do trem, na Estação São Miguel, da Linha 12 – Safira da CPTM, a avenida Jacu Pêssego e um braço do rio Tietê, as desigualdades sociais ganham um contorno de destaque no começo do ano, no período de chuvas, quando grande parte do terreno, uma área de várzea, alaga e agrava a situação.

 

Seguimos então para fevereiro de 2020. O vírus Sars-CoV-2 começa a se alastrar, mas a pandemia ainda não foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Fundação Tide Setubal ainda mantém suas atividades de apoio às pessoas do bairro. Às margens do rio, em um espaço de ocupação, um grupo de mulheres da Fundação e moradoras do Lapena se perde durante uma ação social e não consegue sair dali. Elas resolvem pedir ajuda por telefone e uma amiga as coloca em contato com Monalisa, a primeira guardiã do território. Monalisa mora na região e conhece tudo dali, sabe onde cada família está e vem ao socorro das mulheres perdidas.

 

“Como seria bacana e importante termos uma mulher dessa, uma guardiã em cada ponto do bairro?” Com esse pensamento é criado o grupo Guardiãs do Território do Lapena. E o grupo rapidamente vai ganhando corpo. Em abril, 22 mulheres. Em dezembro, 96. E no começo de 2021, já mais de 120. Mulheres que não se acovardaram diante do cenário da pandemia, mulheres corajosas que lutam todos os dias, como corresponsáveis pelo território, para seduzir a população a seguir os protocolos e contribuirá para enfrentar a Covid-19.

 

Julinda Oliveira foi escolhida para presidir o grupo. Ela se emociona a cada vez em que se lembra de que nas veias dessas mulheres já corre o sangue de uma guardiã. Como no dia em que um casal de imigrantes bolivianos chegou sem ter um teto para dormir e – também – uma mulher os acolheu e procurou ajuda das guardiãs. A voz se enche de orgulho quando ela conta que o grupo vai em escolas, nas creches, nas igrejas e nos bares, levando a prevenção da pandemia.

 

Um fator importante para esse grupo é o reconhecimento de que são mulheres que descobriram juntas as suas forças e as suas potências. Com sua voz forte e decidida, Marcia Silva admira cada mulher presente e se inspira nelas. Se antes ela ia ao Galpão ZL para chorar ou se tinha de ouvir calada um homem dizer o que quer porque crê que “bota comida na casa”, hoje sua postura é totalmente diferente. Marcia se sente forte e guerreira, e fala sempre o que quer porque, afinal, “também ponho comida em casa e tenho esse direito”.

 

Chegamos a março de 2021. Algumas dessas mulheres se reúnem em uma live do Canal Enfrente para compartilhar suas histórias. Essas histórias vão sendo contadas e um pouco antes do final, Angela Barbosa dos Santos nos lembra de algo fundamental para todo o processo: “A gente precisa sempre lutar por políticas públicas no nosso bairro, principalmente porque na periferia a desigualdade é muito grande”.

 

 

 

Assista à live sobre as Guardiãs do Jardim Lapena, que foi realizada em 8 de março

 

 

A ação das guardiãs do território não é apenas fruto da boa vontade delas. É também um instrumento de luta para fazer o poder público e outras organizações sociais entenderem que é chegado o momento de fazer com o território e não para o território.

 

Uma ação social forte e duradoura precisa estar conectada com a realidade de quem vive as desigualdades na pele e, o conhecimento do que é periferia, deve priorizar, acima de tudo, quem é da periferia. O investimento social privado pode ser um potencializador dessas ações e, assim, contribuir para a melhoria do país como um todo.

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