Cinco obras para refletir sobre as novas economias para transformação social
Kenia Cardoso, coordenadora do Programa de Nova Economia e Desenvolvimento Territoria, indica cinco obras para pensarmos sobre o tema.
Como as estruturas de raça, classe e gênero influenciaram nossas formações socioeconômicas e condicionam a reprodução das desigualdades no Brasil? De que forma essa interseccionalidade pode trazer reflexões, debates e construções para uma nova economia capaz de enfrentá-las e, assim, promover transformação social?
Kenia Cardoso, coordenadora do Programa de Nova Economia e Desenvolvimento Territorial da Fundação Tide Setubal, indica cinco obras para pensarmos sobre as novas economias para transformação social.
Dialética Radical do Brasil Negro, de Clovis Moura
Como diz Dennis de Oliveira, professor livre-docente em Jornalismo, Informação e Sociedade pela ECA/USP, Clovis Moura é uma forma de pensar o Brasil. Seu principal argumento é: a economia brasileira foi moldada pelo escravismo, pois ali estão as nossas contradições mais profundas foram sedimentadas. O Brasil viveu 388 anos de uma dinâmica social baseada em oposição rígida entre senhores e escravos. Tensões, muita violência e resistência marcaram esse ajuste.
Moura divide esse período da história entre escravismo pleno e escravismo tardio. Nesse último período, as tensões – controle e violência por parte da classe senhorial e estratégias de resistência por parte da população escravizada – foram tamanhas a ponto de extingui-lo.
Indico essa leitura, pois Moura explicita as leis (A Tarifa Alves Branco, 1844; A Lei da Terra, 1850; A Lei Eusébio de Queirós, 1850; A Guerra do Paraguai, 1865-1870; A política imigrantista) que permitiram uma transição conservadora e deixaram elementos não resolvidos em nossa estrutura econômica e social. Essas condicionam, inclusive, o mercado de trabalho até os dias atuais. Em resumo, Moura posiciona a raça como uma categoria central para entender o sistema produtivo brasileiro.
Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici
A autora mostra como a caça às bruxas na Europa do século XV e o controle sobre a capacidade reprodutiva da mulher foram fundamentais para o avanço do sistema capitalista.
É uma leitura importante por explicar a divisão de gênero no trabalho e na lógica de funcionamento do sistema capitalista. Isso reflete-se na forma de organização do mercado de trabalho no Brasil – por que a maioria dos postos de cuidado e serviços domésticos é ocupada por mulheres negras?).
Uma de suas principais referências bibliográficas é Maryse Condé, escritora guadalupense. Uma nova versão de livro de Condé, Eu, Tituba, a Bruxa Negra de Salem, foi traduzida no Brasil. Esse romance baseado é em fatos reais que narram um pouco do que foi a caça às bruxas nas Américas.
Federici reconhece que o termo “bruxa” nasceu com as mulheres negras e indígenas no Sul Global. Além disso, segundo a reflexão de Federici, o processo colonizatório não teria acontecido sem sua caça aqui também. A caça às bruxas é uma realidade até hoje em África.
Por um Feminismo Afro-Latino-Americano, de Lélia Gonzalez (organização: Flávia Rios e Márcia Lima)
Lélia Gonzalez tem contribuição incontestável para o pensamento negro feminista no Brasil. É uma autora que bebe do marxismo e, posteriormente, do culturalismo para tentar entender a fetichização da mulher negra. A reflexão de Lélia Gonzalez vale também para a subalternização da mulher negra no mercado de trabalho.
Economia para a Transformação Social, de Juliane Furno e Pedro Rossi
Trata-se de um livro único, pois faz um esforço didático sem igual para entregar a leitores de fora do campo da economia conceitos que podem ser densos e parecer “técnicos demais”, mas que são parte indissociável das ciências sociais. Alguns abrangem a noção de “modelos produtivos” na história, função social da moeda, do Estado, arrecadação de impostos e sistemas distributivos.
Além disso, as reflexões abrangem noções do que é desenvolvimento, subdesenvolvimento e dependência, o debate da austeridade, entre outros, sempre ilustrando a teoria com exemplos concretos e com a história do Brasil e do mundo.
Ao final, sinaliza um horizonte dentro deste campo do pensamento para a transformação social, sinalizando a importância das novas economias.
Viver por Conta Própria – Como Enfrentar Desigualdades Raciais, de Classe e Gênero e Apoiar a Economia Popular nas Periferias Brasileiras (organizadores: Jacques Mick e João Carlos Nogueira)
Esse livro, impresso pela Fundação Perseu Abramo, representa uma contribuição atual para pensar o empreendedorismo nas periferias e outras formas de geração de renda. Além disso, oferece proposições que possibilitem a melhoria de vida do que o livro chama de “trabalhadores sem patrão”. Essa lógica envolve atores e atrizes do campo privado, público e ISP.
Foto: José Cícero / DiCampana Foto Coletivo