O incêndio seguido pelo desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, na região central de São Paulo, completou dois meses no início de julho. A tragédia, que matou sete pessoas e deixou centenas de famílias sem abrigo, trouxe à tona o debate sobre o acesso à moradia. Segundo o IBGE, seis milhões de brasileiros não têm onde morar, ainda que sete milhões de imóveis estejam vazios em todo o País.
O déficit habitacional traz com ele uma série de desafios relacionados à sustentabilidade das cidades. Para analisar esse cenário e de que forma a sociedade pode interferir nesse contexto, a Fundação Tide Setubal reuniu na Fundação Getulio Vargas (FGV) os especialistas Ciro Biderman, coordenador do Centro de Política e Economia do Setor Público – CEPESP e responsável pelo projeto do Plano de Bairro do Jardim Lapenna na instituição, Dito Barbosa, advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da União dos Movimentos e militante do Movimento Popular e Luiza Lins Veloso, Defensora Pública do Estado. O encontro, mais uma vez, teve na mediação Mafoane Odara, psicóloga social pela Universidade de São Paulo (USP), que integra a Rede pela Diversidade Avon, Diretoria do Fundo Brasil de Direitos Humanos e a rede de líderes da RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade.
“Direito à cidade não está relacionado apenas à busca de um direito específico. É mais abrangente, tem a ver também com meio ambiente, moradia, gênero e raça”, afirmou Handemba Mutana, coordenador de ação macropolítica da Fundação Tide Setubal, na abertura do evento, lembrando que a periferia deve ser vista como espaço de pluralidade para, assim, afastar o discurso negativo que compõe o imaginário da sociedade.
Dito Barbosa destacou que somente 1% de donos concentra 45% do valor imobiliário em São Paulo. “Temos um déficit de moradia muito alto. As pessoas não desaparecem ao fim do dia, elas moram e vivem em algum lugar. Devemos atuar para garantir os nossos direitos”, ressaltou.
A participação popular, relembrou Luiza Lins Veloso, é uma prerrogativa da Constituição Federal. “Vivemos em uma democracia onde a sociedade pode ser ouvida de forma direta, através de ações populares ou plebiscitos, ou representativa, como em eleições, associações, sindicatos”. No âmbito municipal, as iniciativas de participação são vistas, por exemplo, em audiências públicas, ressalta. “Todos esses são instrumentos que a população dispõe para ter voz no que vai ser a cidade em que ela vive”.
Ciro Biderman abordou então formas de qualificar e ampliar a participação da população junto ao poder público, usando como exemplo o Plano de Bairro do Jardim Lapenna, que conta com a FGV e a Fundação Tide Setubal em seu colegiado, ao lado de organizações locais.
“Esse modelo, que eu chamo de participação 2.0, vem de baixo para cima. Em outras palavras, é a própria comunidade que se organiza para cuidar de questões localizadas, que estão ali no barro do chão”, explicou o pesquisador.
Para a mediadora do evento, Mafoane Odara, é necessário o engajamento da comunidade na busca pelos direitos à cidade. “A cidade não é pensada para as pessoas. Hoje, ela está preparada para carros, indústrias e empresas. A discussão é importante para entendermos e deslocá-la não para como a gente lida com o que não tem, mas como a gente constrói a cidade em que a gente acredita”.
Confira o vídeo com a síntese do encontro: