Construção a muitas mãos e ideias coletivas
Cinco escritórios de arquitetura apresentaram os seus conceitos para o projeto habitacional do +Lapena Habitar.
A relevância do debate sobre construções de moradias em regiões periféricas, a partir de novas abordagens, cresce ao levar-se em conta que o conceito compreende ao acesso viável à população de baixa renda a moradias em condições adequadas e regulares, assim como a serviços públicos. Tais pontos são centrais nos projetos dos cinco escritórios de arquitetura participantes da Chamada de Projetos do +Lapena Habitar. Durante a apresentação das propostas, o comitê de avaliação e a comunidade do Jardim Lapena puderam analisar e deliberar sobre os conceitos exibidos.
O primeiro projeto habitacional foi do escritório de arquitetura Terra e Tuma em parceria com o Estúdio Síntese. Os destaques abrangeram a construção do condomínio em módulos, considerando particularidades e necessidades da população, e o espaço destinado ao comércio local. Ainda, as construções seriam realizadas com espaços para incentivar a prática da permacultura.
“A ideia é manter o edifício horizontal, facilitando o acesso aos moradores. Os blocos acomodam-se no terreno e se articulam pelas passarelas que ‘vencem’ os pequenos desníveis. A fachada do edifício na avenida São Miguel tem caráter residencial e é um espaço de convergência das pessoas. O comércio é integrado a uma praça pública”, destaca a equipe.
Entre os questionamentos da comissão julgadora, o destaque foi relativo à ecoeficiência, conceito referente ao uso racional de recursos naturais não renováveis, que possibilita a redução de impactos socioambientais e preserva a qualidade do projeto habitacional. “A modulação pode ser um sistema conectado a outras decisões do projeto. Pode, por exemplo, ter premissa de viabilidade econômica e ecoeficiência no custo-benefício da construção, ter viabilidade e ser replicável muitas vezes”, pondera Cláudia Pires.
Levantamentos e propostas em cena
O segundo projeto habitacional, do Coletivo Levante, apresentou a perspectiva segundo a qual as periferias são o centro. Os destaques são o uso da passarela para dar acesso a uma espécie de mirante do território, que pode funcionar também como um espaço cultural. Possíveis usos para o espaço contemplam cinema, salão para festas e realização de atividades esportivas, além de eventos diversos para intensificar o convívio em comunidade.
De acordo com Marina Vilela, arquiteta e urbanista do Coletivo Levante, a visita técnica permitiu encontrar elementos para desenvolver o projeto habitacional, seja na escolha dos materiais propostos para a construção das unidades, ou na compreensão de como a população interage com o ambiente. “Pode-se ver que muitos cômodos podem se tornar ambientes de trabalho. Mas, se depois de alguns anos a pessoa tiver um filho, por exemplo, é possível fazer mudanças facilmente dentro da unidade. Pensamos nisso, de diferentes formas, em cada unidade.”
Durante a avaliação, alguns fatores que se revelaram preponderantes abrangeram a acústica do espaço cultural, a taxa de permeabilidade relativa às construções e a sustentabilidade financeira do projeto habitacional. Nesse sentido, Tiarajú Pablo D’Andrea destacou a dinâmica dos quintais nos territórios. “As periferias de São Paulo passam por processos de adensamentos demográficos e estão cada vez mais distantes do bem-viver que é o quintal. Grande parte das famílias mais empobrecidas que moram de aluguel, ou em casas um pouco mais espaçosas, perde o quintal quando vai para habitações de interesse social. Essa é uma perda afetiva simbólica.”
Sobre aproveitar espaços
Os escritórios Gávea Arquitetos + Diego Portas + Matteria mostraram aspectos relativos à otimização espacial, à estruturação do projeto dentro da lógica de vila aberta e à idealização de uma nova travessia. Desse modo, o espaço funcionaria como um terraço para a população.
“Pensamos em uma vila aberta com uma via principal e todas as edificações voltadas para ela. Consideramos potencializar o espaço, que é único na rua, e compartilhá-lo: com iluminação e ventilação para todos os ambientes, permitindo haver transformações ou adequações conforme a diversidade de lotes e possibilidades de ocupação no território”, explica Alziro Neto, do escritório Gávea Arquitetos.
Ao mesmo tempo em que a comissão julgadora elogiou a concepção de uma área específica para o lazer, outro aspecto chamou a atenção. “O deslocamento vertical não pode ser mecanizado. Por que não uma escada rolante ou um elevador? A passarela deveria fazer parte do mesmo sistema de mobilidade e deveria ser norma haver este tipo de conforto básico em todos os espaços de mobilidade e de travessia”, pondera Nabil Bonduki.
Do tijolo ao convívio comunitário
A quarta proposta, do Estúdio Gustavo Utrabo, contempla o protagonismo da população e o reaproveitamento dos recursos lá existentes – como a produção de tijolos a partir da matéria-prima no aterro do bairro. Essa medida prevê geração de renda para o território e a transformação do mesmo local em uma bacia para reter água e mitigar os problemas pluviais recorrentes no território. Para além desse tópico, pode-se destacar a criação de uma área comum voltada à rua, incluindo intervenções em favor da acessibilidade.
“Dividimos o edifício com um pátio central para criar uma praça. Então, entra-se na área comercial voltada à rua ou em outra para uso comum. Os apartamentos estão disponíveis em arranjos variados. Há dois volumes no espaço interno e interlocução entre eles na circulação dentro desses acessos”, detalha o arquiteto Gustavo Utrabo.
Para além do caráter coletivo da proposta arquitetônica, um ponto de destaque foi relativo aos móveis que farão parte das unidades habitacionais. “A habitação de interesse social e de área pequena precisa de um mobiliário específico e adaptado aos espaços. Considero essa a maior contribuição de arquitetas/os para a habitação, pois as pessoas constroem, mas o mobiliário é muito pouco apropriado”, comenta Nabil Bonduki.
Acessibilidade em sentido amplo
A proposta do escritório Apparatus Architects & Alvaro Arancibia colocou o pátio como elemento central para organizar as unidades habitacionais e a área comercial. Essa dinâmica vale para transformá-lo em ponto de conexão do espaço público com o privado. A acessibilidade tem lugar de destaque graças à inclusão de um elevador no projeto dos prédios.
Outros pontos abrangem hortas coletivas na cobertura e um parque próximo à linha do trem. De acordo com Filipe Lourenço, sócio do escritório, a análise geolocalizada foi importante para desenvolver a proposta com base nas necessidades da população e “propor o que consideramos uma solução adequada na resolução e na proposta do impacto urbano para ligar as duas partes.”
Durante a avaliação da equipe julgadora, a relação entre o território e a mobilidade por meio da passarela teve destaque. “Talvez agora seja um pouco óbvio, mas o problema não está na passarela. O problema está na costura do território. A oportunidade que está lá não é consequência de um raciocínio claro sobre o tecido urbano”, completa Vinicius Andrade.
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Vanderson Atalaia