Qual é a proporção de pessoas negras na magistratura brasileira?
A proporção de pessoas negras na magistratura brasileira mostra flagrante sub-representação racial nesses espaços.
A afirmação a seguir não contém exageros: a magistratura brasileira passa longe de representar a população do país. Enquanto a população autodeclarada negra corresponde a 56% do total – e entre a qual 10,6% se declara preta -, apenas 12,8% de magistradas/os são negras/os segundo a pesquisa Negros e Negras no Poder Judiciário, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ainda de acordo com o mesmo levantamento, 5% da magistratura brasileira é composta por mulheres negras. Ou seja, a sub-representação da população negra, em particular de mulheres negras, é flagrante.
Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) entra na história, a discrepância e a desigualdade racial são ainda mais flagrantes. Em toda a história da Suprema Corte do país, somente três homens negros fizeram parte dela: Pedro Augusto Lessa (1907-1921), Hermenegildo de Barros (1919-1937) e Joaquim Barbosa (2003-2014). Como se isso não fosse o bastante, nunca uma mulher negra esteve no STF.
Apesar dos injustificáveis e indefensáveis ataques antidemocráticos realizados contra o STF recentemente, pode-se entender por que parcela populacional não se sente representada pelo Judiciário. De acordo com a pesquisa Percepções Sobre o Racismo no Brasil, do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta, somente 5% de pessoas sentem-se representadas nesse espaço. E a percepção entre pessoas brancas não é muito mais positiva nesse sentido: apenas 16% têm avaliação positiva nessa direção
Lígia Batista, atualmente diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, considera que a disparidade racial na magistratura é um sintoma e motor de desigualdades. “No campo simbólico, enxergar o poder judiciário como uma instituição dominada pela branquitude e um lugar que, dada a ausência de negros em seus posições importantes, fortalece a mistificação sobre o seu lugar. Ele é percebido como alguém que não tem nenhum outro papel nesse sistema exceto o da figura criminalizada pelo poder judiciário.
Episódio da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial sobre como é ser uma liderança política negra no Brasil
Incluir para legislar e representar
Campanhas em favor da nomeação de uma ministra negra para o STF, como a ação recém-lançada pela Coalizão Negra por Direitos, têm razão de existir. Afinal, por uma questão de representatividade populacional, nada justifica a Suprema Corte e a magistratura brasileira terem composição majoritariamente branca e masculina.
Em entrevista ao site da Fundação Tide Setubal, Felipe da Silva Freitas, doutor e mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB), destacou a relação entre a baixa presença de pessoas negras em espaços de poder e decisão – inclusive na esfera judiciária.
“A baixa presença de pessoas negras é, em si, um problema porque evidencia o caráter violento e autoritário da nossa sociedade na medida em que nega à maioria da população a possibilidade de participar dos espaços em que se decide o seu próprio destino. Entretanto, essa exclusão tem efeitos negativos que ultrapassam o segmento negro. O pior é que nem sempre a gente se dá conta disso.”
Por fim, o apagamento e a subjugação de lideranças foi apontada por Isaura Genoveva, advogada no Instituto de Proteção, Promoção aos Direitos Humanos e Acesso à Justiça, durante a série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial. “Não há ausência, mas sim apagamento e o ato de esconder. Conhecemos as nossas lideranças e sabemos quais pessoas são importantes e vieram antes – e o que produziram. Ao pegarmos a história, veremos que há lideranças negras em todas áreas: na ciência, na cultura, na matemática, no direito.”
Saiba mais
+ Entrevista com Lígia Batista sobre a discrepância racial na esfera judiciária
+ Relato do evento Plataforma Alas em Debate sobre debates diversos, inclusive na esfera jurídica
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil