Construir uma sociedade mais justa e equitativa somente é possível com a promoção de lideranças negras e de trajetória periférica a espaços de poder e decisão. Essa premissa deu o tom da mesa de encerramento do evento Plataforma Alas em Debate.
Lideranças negras falaram sobre como enxergam a área de recursos humanos em empresas e do Investimento Social Privado (ISP) em suas trajetórias. Sendo assim, uma questão deu o tom do encontro: essas áreas estão realmente em movimento para apoiar a evolução de suas trajetórias e acreditarem em seu potencial?
Sendo assim, o evento contou com mediação de Uvanderson Vitor da Silva, coordenador do Programa Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal, e com participações de:
- Isadora Bispo dos Santos (liderança apoiada pelo Edital Traços);
- Andre Degenszajn (Instituto Ibirapitanga);
- Neusa Lopes (analista de diversidade, equidade e inclusão).
+ Relato da primeira parte sobre o evento Plataforma Alas em Debate
Diversidade e inclusão para além de discursos
Andre Degenszajn comentou como a transformação em favor da diversidade e da inclusão é muito mais profunda. De acordo com o diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga, esse processo deveria ter começado há muito mais tempo. Para além disso, o foco deve estar em como a busca de pessoas de grupos minorizados e com outros referenciais socioculturais, raciais e econômicos transforma a estrutura das organizações uma vez que elas alcancem espaços de poder e decisão.
“Precisamos flexibilizar algumas estruturas internas. Nós nos acostumamos ao lugar meio universal de criar parâmetros e referenciais rígidos. Se isso não permitir transformações nessas dimensões, geraremos sempre um atrito entre pessoas que estão entrando e precisam se adequar a um modelo institucional constituído e que, por muitas vezes, têm poucos espaços para transformar esses referenciais”, destaca.
Ainda, Degenszajn destacou, desse modo, os desafios esperados nesse contexto. “Se acreditarmos que uma mudança dessa magnitude acontecerá sem dificuldades, sejam elas internas ou para fora, é ilusório. Logo, significa que a mudança não é tão profunda assim ou, talvez, não esteja na extensão da necessidade.”
Baixar a régua. Essa afirmação está errada
“Não estamos baixando a régua: estamos mudando-a. Como repensamos os processos excludentes feitos até agora para serem realmente inclusivos para todas as pessoas?”. Essas reflexões foram centrais na intervenção de Neusa Lopes durante o evento Plataforma Alas em Debate. A analista de diversidade, equidade e inclusão destacou como o debate sobre planos de carreiras para lideranças negras e de trajetória periférica ser recente. Logo, precisa-se considerar como empresas olham para pessoas negras dentro de suas estruturas é um ponto para se considerar.
Ainda, ela reforçou a construção de ambiente para possibilitar permiti-las ocupar espaços de poder e decisão. “Elas têm de lidar com um ambiente muitas vezes hostil. Como podemos repensar para além dos processos de atração, para elas poderem ter um espaço saudável emocionalmente e conseguirem dar continuidade e perpetuar a tão almejada liderança?”
Por sua vez, Isadora Bispo dos Santos destacou o histórico da luta antirracista e como questões como as do evento Plataforma Alas em Debate já eram recorrentes há tempos, como na atuação de intelectuais como Lélia Gonzalez e de organizações como o Movimento Negro Unificado (MNU), até entrarem nas agendas de organizações como as do ISP e do poder público. “Com isso, recentemente conseguimos furar a bolha”, destaca.
Finalmente, a liderança do Edital Traços ressalta o papel de cada pessoa no plano coletivo pela equidade racial – idem na relação com o poder público. “Como provoco, na minha cidade, um orçamento combativo contra a estrutura racista? Temos um plano plurianual participativo e diversas propostas elencadas para todos os ministérios – não só o da Igualdade Racial. Como discutimos a pauta racial com Ciência e Tecnologia, Relações Exteriores e Indústria e Comércio? Esse é o momento também de participarmos, nos organizarmos e fazermos enfrentamentos para haver mudanças. Cada pessoa precisa fazer a sua parte”, finaliza.
Qual é o papel de cada pessoa?
Durante o evento Plataforma Alas em Debate, o público destacou reflexos variados de haver pessoas negras em espaços de poder e decisão.
Juliana Gonçalves, fundadora do Instituto Rebbú, destacou, a partir da pauta sobre pobreza menstrual, a necessidade de se ouvir e atuar em conjunto com lideranças de tais territórios para haver transformações em favor da equidade. “O debate, por meio do lançamento da websérie, veio para permear e trazer muito mais discussões e aprofundamento de ações que precisam ser implementadas, inclusive, como política pública.”
Já Maysa Mayara Santos, consultora de RH, por sua vez, parte de sua própria vivência para falar da promoção da equidade racial em espaços de poder e decisão. “já passei por racismo estrutural dentro de empresas. Por esse motivo, hoje me empodero na causa e quero levantar essa bandeira no decorrer da minha trajetória profissional.” Nesse sentido, ela considera o trabalho da área fundamental para enfrentar estruturas excludentes. “O papel do RH na liderança com pessoas negras consiste em incentivar a gestão e liderança já inerente nas empresas e mostrar o quanto isso é importante para a nossa evolução enquanto pessoa e em responsabilidade social.”
Por fim, Mauricélia Martins, integrante da área de gestão de projetos da Associação Cidade Escola Aprendiz, destaca a importância de OSCs e o campo do ISP olharem com mais cuidado para o status de diversidade e inclusão em suas estruturas. “Se olharmos para algumas OSCs, as pessoas que ocupam esses espaços [de liderança] são brancas. É importante olhar para onde estão as pessoas negras e quais cargos elas ocupam nas instituições”, completa.
Texto: Amauri Eugênio Jr.