Quem escreve nos principais jornais do Brasil?
Pesquisa Raça, gênero e imprensa: quem escreve nos principais jornais do Brasil? estuda sobre o perfil racial e de gênero na imprensa
Esta pergunta, sobre o perfil racial e de gênero na imprensa, é o ponto de partida e questão central da pesquisa Raça, gênero e imprensa: quem escreve nos principais jornais do Brasil?. A publicação foi desenvolvida pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), núcleo do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (RJ).
O estudo apresenta investigação sobre o perfil racial e de gênero na imprensa a partir dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo. Deste modo, o levantamento contemplou, por meio de amostra aleatória, 21 edições dos respectivos veículos publicadas entre janeiro e julho de 2021. A partir disso, a pesquisa contemplou informações de 1.190 profissionais que assinaram reportagens ou colunas para, enfim, haver heteroidentificação racial.
De modo geral, a pesquisa identificou veemente desigualdade quanto ao perfil racial e de gênero na imprensa, por meio dos veículos analisados. E tamanha disparidade tornava-se mais intensa conforme analisaram-se espaços de poder e de decisão em tais veículos, como textos de opiniões e estruturas hierárquicas decisórias.
Entre dados e desigualdades
A pesquisa Raça, gênero e imprensa: quem escreve nos principais jornais do Brasil? mapeou que, de modo geral, havia sub-representação nas redações dos três jornais analisados no que dizia respeito a grupos sociais minorizados.
De modo geral, ao falar-se sobre desigualdade de gêneros, 59,6% dos profissionais identificados no estudo eram homens. Havia, por conseguinte, 36,6% de mulheres e 3,7% de profissionais cujo gênero não fora identificado – havia uma mulher trans entre quase 1.200 profissionais.
Para além disso, no que diz respeito à perspectiva racial, os números mostram a retroalimentação da desigualdade. Para se ter uma ideia, 84,4% eram pessoas brancas, ao passo que havia 9,5% de profissionais negras/os. Ainda, havia 1,8% de amarelas/os – ou seja, pessoas com ascendência de países do leste asiático – e 0,1% de jornalistas indígenas.
Desta maneira, os dados do estudo remetem à importância da pluralidade de vozes, vivências e perspectivas em redações jornalísticas. Beatriz de Oliveira, jornalista do site Nós, Mulheres da Periferia, levantou esse ponto em reportagem sobre engajamento das juventudes na defesa e no fortalecimento do tecido democrático.
“Ver-se representado em quem escreve, em quem é entrevistado e nos temas das reportagens faz as juventudes negras terem mais referências e entenderem que há outras possibilidades além do que a mídia hegemônica oferece. E, portanto, se sintam mais fortalecidas e motivadas a se engajar politicamente, bem como mais seguras ao escolher entrar no jornalismo”, ressalta Beatriz.
+ Beatriz de Oliveira, do Nós, Mulheres da Periferia, fala sobre engajamento e juventudes. Confira
Falando sobre vieses
A fala de Beatriz de Oliveira sobre representatividade ganha ainda mais importância ao considerar-se a intersecção de vieses quanto ao perfil racial e de gênero na imprensa.
De acordo com o mesmo estudo, a presença de homens cis era de 83,3% na editoria esportiva ante 15,4% de mulheres cis. Para além disso, a proporção nas editorias de política e de segurança pública, respectivamente, foi de 63,4% e 67,4% de homens cis, enquanto havia 32,7% e 27,9% de mulheres cis.
Nesse sentido, o cenário ganha tons ainda mais dramáticos ao levar-se em conta a intersecção entre raça e gênero. A prevalência de reportagens assinadas por homens brancos atinge os seguintes percentuais nas editorias a seguir:
- 83% de ciência e tecnologia
- 80% em matérias sobre esportes
- 87% na cobertura política
- 85% sobre saúde e pandemia.
Já no caso de mulheres negras, elas assinaram 2% de matérias sobre ciência e tecnologia e 3% a respeito de reportagens sobre esportes. Nesse contexto, elas escreveram 4% de reportagens sobre política e ciência e tecnologia, respectivamente, nos veículos analisados. Para completar, a presença delas, mesmo com flagrante subrepresentação, era maior em reportagens sobre assuntos relacionados a causas e movimentos sociais: 8%.
Caminhos independentes e possíveis
Em entrevista à Plataforma Ancestralidades, co-organizada por Fundação Tide Setubal e Itaú Cultural, Semayat Oliveira, uma das fundadoras do site Nós, Mulheres da Periferia e consultora jornalística do podcast Mano a Mano, falou sobre a importância da ocupação de espaços jornalísticos, inclusive por meio de veículos independentes e de perspectiva periférica.
“Não podemos deixar de criar nossos próprios veículos e esse também é um ponto crucial. Isso exige investimento não só de quem empreende, mas de grandes empresas e fundações. A transformação de fato só acontece se houver pessoas pretas e mulheres na estrutura da coisa, com poder de decisão, criação e contratação”, destaca.
Por fim, Pedro Borges, cofundador e editor-chefe do portal Alma Preta, destacou, em reportagem sobre a atuação de veículos independentes e das periferias urbanas, um ponto retroalimentado pela prevalência de pessoas brancas em grandes veículos jornalísticos. No caso, a representação estereotipada de pessoas negras em espaços hegemônicos.
“É necessário haver uma mídia que traga representatividade e novos olhares e vozes, a partir de uma perspectiva editorial diferente. Esses canais se propõem a fazer algo que deveria ser papel do jornalismo: informar para transformar a sociedade. Precisamos de comunicação que mobilize as pessoas e as faça sair do lugar de conforto diante de uma realidade tão cruel e perversa como a brasileira”, ressaltou à época.
+ Confira a entrevista de Semayat Oliveira à Plataforma Ancestralidades
+ Leia reportagem sobre a atuação de veículos independentes das periferias urbanas
Assista à participação de Pedro Borges na websérie Enfrente
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: brotiN biswaS / Pexels