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Jornalismo para ampliar as portas da percepção social

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19 de novembro de 2020
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Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: Beatriz Reis/Preto Império

 

 

Mais do que informar a população, a imprensa funciona também como termômetro social para identificar quem tem acesso a espaços de poder e decisão. Na média, quem é ouvido com maior frequência tem perfil bem definido e hegemônico. Segundo levantamento do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), mais de 70% dos colunistas dos principais jornais do Brasil são homens, enquanto esse indicador ultrapassa 90% quando se fala em pessoas brancas. Ainda, outro estudo mostrou que a quantidade de apresentadores de televisão pretos e pardos era inferior a 4%.

 

Diante desse cenário, a ocupação desses espaços se tornou uma medida estratégica para ampliar o protagonismo e a representatividade das periferias urbanas e de grupos minorizados. Esse é o objetivo de veículos independentes e das periferias urbanas, assim como ocupar espaços na grande imprensa, que têm presença hegemônica de pessoas brancas.

 

 

Pedro Borges, cofundador do Alma Preta, na bancada do Roda Viva

 

 

Para Pedro Borges, cofundador e editor-chefe do portal Alma Preta, a população negra e das periferias urbanas é representada de maneira estereotipada por veículos hegemônicos. “É necessário haver uma mídia que traga representatividade e novos olhares e vozes, a partir de uma perspectiva editorial diferente. Esses canais de comunicação se propõem a fazer algo que deveria ser papel do jornalismo: informar para transformar a sociedade. Precisamos de comunicação que mobilize as pessoas e as façam sair de lugar de conforto diante de uma realidade tão cruel e perversa como a brasileira.”

 

Essa lógica é endossada por Evelyn Vilhena e Flavia Lopes, do site Desenrola e Não Me Enrola. Para a dupla, vivências e olhares dos integrantes do portal são importantes para evidenciar a complexidade de sujeitos e territórios periféricos. “Isso é refletido no público que passa entender a importância do seu lugar e a consumir conteúdos que fomentam discussões sobre as transformações e potência de conhecimento e luta dos sujeitos e movimentos que atuam nas periferias da cidade.”

 

Ocupar e resistir/existir

 

O trabalho desenvolvido por tais veículos chamou a atenção para a importância que a pluralidade e o protagonismo de pessoas negras e periféricas têm para o enfrentamento a diversos tipos de desigualdade. Alguns exemplos disso são a entrada de Semayat Oliveira, jornalista e cofundadora do site Nós, Mulheres da Periferia, no time de jornalistas da TV Cultura para levar o modus operandi da equipe do site para a televisão aberta; e as participações de Pedro Borges em reportagem da CNN Brasil sobre a construção de estereótipos e a violência contra a população negra e na bancada do programa Roda Viva, da TV Cultura, no qual o rapper Emicida foi entrevistado.

 

O Nós, Mulheres da Periferia desenvolve linha editorial pautada pelo protagonismo de mulheres das periferias urbanas e na quebra de estereótipos comuns na grande imprensa. De acordo com Jéssica Moreira, cofundadora do portal, o ingresso de Oliveira na TV Cultura é uma maneira para “chegar ainda mais nas bordas e para aquelas que ainda não têm pleno acesso aos meios digitais” – ou seja, “chegar onde a hashtag não chega”. “A entrada de Semayat na TV Cultura coloca o modo e metodologia criados no Nós, Mulheres da Periferia em um canal aberto de grande audiência, nos ajudando no desafio já dito de chegar a mais lares e mais mulheres periféricas, que ainda se informam majoritariamente pela TV.”

 

O cofundador do Alma Preta, que é um dos autores do livro AI-5 50 Anos – Ainda não Terminou de Acabar, finalista do 62° Prêmio Jabuti, considera “incríveis” o reconhecimento do trabalho e a consequente chegada à mídia tradicional, mas vê como fundamental o reconhecimento junto a outras mídias das periferias urbanas, movimentos sociais e pessoas de tais territórios. “Fico contente por saber que o meu trabalho está sendo reconhecido em várias dessas fronteiras, mas a mais importante é a que conseguimos e temos trabalhado para conseguir ainda mais: o reconhecimento do nosso pessoal e do nosso povo.”

 

 

Semayat Oliveira, do Nós, Mulheres da Periferia, durante reportagem veiculada na TV Cultura (TV Cultura/Nós, Mulheres da Periferia)

 

 

No centro da sociedade

 

Outra forma para ajudar vozes de grupos minorizados a chegar a mais espaços é apoiar o trabalho deles. Esse é o objetivo de iniciativas como o #NoCentroDaPauta, projeto da Fundação Tide Setubal que visa fomentar o protagonismo de atores periféricos e enfrentar desigualdades diversas nos territórios de atuação. Em 2020, as iniciativas participantes foram, além de Alma Preta, Desenrola e Não Me Enrola e Nós, Mulheres da Periferia, os coletivos Embarque no Direito, Periferia em Movimento, Preto Império e TV Grajaú.

 

Jéssica Moreira considera que ações desse tipo são fundamentais para a manutenção de veículos independentes e das periferias urbanas e para o trabalho em rede entre tais coletivos, o que permite o público vê-los como parte do ecossistema comunicacional. “Com certeza, nos dá fôlego para dar continuidade ao nosso trabalho como formadores e disseminadores de opinião sempre atentos em trazer vozes que antes estavam marginalizadas.”


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