Analista de comunicação e produtor de conteúdo do site da Fundação Tide Setubal
Seminário Territórios Clínicos apresenta dimensões diversas sobre democratizar o acesso à saúde mental
Perspectivas plurais no debate sobre saúde mental compuseram o Seminário Territórios Clínicos, realizado em 15 de abril, na EACH-USP Leste.
Cuidar da saúde mental é um direito de todo e qualquer indivíduo e iniciativas para democratizar o acesso a ela devem ser apoiadas. Perspectivas plurais que compõem o debate sobre o tema estiveram no centro do Seminário Territórios Clínicos, ciclo de debates realizado em 15 de abril, na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP Leste).
O evento, cuja programação foi composta por três mesas de debates sobre tópicos que visavam avançar e aprofundar em temas centrais relativos à clínicas públicas com teoria psicanalítica, território e políticas públicas de saúde mental, foi resultante do trabalho realizado por dois anos da Fundação Tide Setubal com organizações voltadas à democratização da saúde mental em espaços periféricos.
O início da atividade contou com apresentações dos sete coletivos apoiados por meio do projeto Territórios Clínicos:
- Casa de Marias
- Veredas – Psicanálise e Imigração
- AMMA Psique e Negritude
- Margens Clínicas
- PerifAnálise São Mateus
- Roda Terapêutica das Pretas
- SUR Psicanálise.
Processo clínico
Tide Setubal, coordenadora do projeto Territórios Clínicos, falou do processo de dois anos de apoio às coletivas e o desenvolvimento do trabalho realizado por elas, para compreender a oferta de atendimento psicanalítico como fonte de informações para trabalhadores da área de saúde mental.
Além disso, outros pontos abordados por Tide disseram respeito ao fato de iniciativas como o Territórios Clínicos serem importantes como signos de resistência e de criação de laços comunitários e a necessidade de se romper com a lógica elitizada da psicanálise, ao democratizar o seu acesso às populações de territórios periféricos.
“Pensar o território é maior do que pensar uma localização ou CEP. É preciso olhar para a sua subjetividade, enxergar suas faltas, mas também a sua vitalidade urbana, suas relações sociais, seus espaços de encontro e de diversidade. Um território terá de ser produtor de vivência coletiva e, por que não?, de saúde mental. Escutar o sujeito em seu território em sua terra, a partir de suas raízes, além de ser urgente, traz potência e renovação para o nosso fazer psicanalítico”, destaca posteriormente.
+ Conheça o Mapeamento Territórios Clínicos
Ampliar limites e possibilidades de atuação para democratizar a saúde mental
A primeira mesa, cujo tema foi Entre as políticas públicas de saúde mental e as clínicas públicas – quais são os limites e possibilidades de articulação?, foi mediada por Kwame Yonatan (Margens Clínicas). A saber, a atividade contou com participações de Emiliano David (Instituto Amma Psique e Negritude), Bianca Spinola (SUR Psicanálise) e Rosimeire Bussola (PerifAnálise São Mateus).
Em sua fala, Emiliano David parte de um episódio veementemente racista, no qual a ex-atleta de vôlei Sandra Mathias Correia de Sá proferiu ofensas de cunho racial e agrediu com uma coleira canina o entregador Max Ângelo dos Santos. Desse modo, o ato remeteu a chicotadas usadas contra pessoas escravizadas, para falar da dimensão dos cuidados voltados à saúde mental nas periferias urbanas.
Desse modo, um ponto de destaque abrangeu a necessidade de se rever quais procedimentos são adotados nesse contexto: “Visando combater esse tipo de psicopatologia manicolonial brasileira, a reforma psiquiátrica propõe o cuidado na clínica desde que seja pública e em nome público. Do contrário, seremos analistas ‘desconstruidinhos’ que oferecem atendimentos em ruas, praças e esquinas, que saem do Centro e vão à favela sem intervir na lógica da branquitude, que condominializou e privatizou pensamentos e relações em determinadas espacialidades da cidade.”
Políticas públicas e território
Em seguida, Rosimeire Bussola falou sobre pontos que passavam pelo papel fundamental de se fortalecer políticas públicas voltadas à saúde mental. Ela falou também sobre a perspectiva estratégica na qual o território mostra o que é necessário para profissionais da área poderem aprender e conhecer.
“Sabemos também que as políticas públicas, por muitas vezes, são reprodutoras das violências. Como pensamos o cuidado com a saúde mental e o cuidado coletivo dentro da instituição e das políticas públicas? É interessante pensarmos em como a sociedade civil segue se organizando e construindo estratégias para lidar com questões do nosso tempo. Mas é importante também pensarmos que o Estado não promove esse cuidado e formação crítica a esses trabalhadores.”
Por fim, Bianca Spinola partiu do debate sobre clínica pública para abordar aspectos como a escuta realizada dentro do território. De acordo com ela, profissionais em saúde mental colocarem-se como estrangeiras/os nesses mesmos espaços. O motivo disso é intensificar o processo de escuta do que sujeitos têm a dizer.
“Mesmo quando pertencemos ao território, por vezes, a linguagem da clínica pública e do saber da psicanálise nos coloca em um lugar de estrangeiro. Ainda que pertençamos de outras formas a esse território e estejamos nele, não entendemos que isso prejudique o nosso trabalho. Pelo contrário: acreditamos que isso produza potência, à medida em que seja possível falar de um lugar de autoridade também”, explica Bianca.
+ Confira a segunda parte do Seminário Territórios Clínicos
Texto: Amauri Eugênio Jr. / Fotos: DiCampana Foto Coletivo