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O que você precisa saber sobre a Lei de Cotas?

A Lei de Cotas ganhou fôlego e o seu projeto de atualização foi aprovado na Câmara dos Deputados. A votação simbólica da Lei Federal n° 12.711, realizada em 9 de agosto, ocorreu um ano após o período previsto para a revisão, que deveria ter ocorrido em 2022. Todavia, o processo passou por adiamento para não ocorrer em ano eleitoral e, desse modo, evitar o risco de haver retrocessos.

 

Nesse sentido, é necessário trazer alguns pontos à tona. Primeiro: a Lei de Cotas prevê a reserva de pelo menos 50% das vagas para estudantes com trajetória no ensino público cujas famílias tenham renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita. Ainda, dentro de cada faixa de renda, será necessário reservar vagas para estudantes autodeclaradas/os negras/os e indígenas em proporção no mínimo igual ao percentual da população dentro da unidade federativa onde está situada a instituição de ensino.

 

Esse parâmetro deve respeitar os dados mais recentes do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outro ponto a ser considerado: pessoas com deficiência foram incluídas posteriormente como beneficiárias das cotas, também em conformidade com a proporção populacional.

 

Para além desses aspectos, a revisão da Lei de Cotas, cuja proposta será encaminhada ao Senado, prevê a inclusão de estudantes quilombolas. Outros pontos da revisão abrangem a redução da renda per capita das famílias de estudantes que pleitearem vagas e políticas de inclusão em programas de pós-graduação. Por fim, as avaliações deverão ocorrer a cada dez anos e contar com ciclos anuais de monitoramento.

 

Resultados, melhorias e pontos de atenção

De fato, a Lei de Cotas promoveu incontestável democratização no acesso ao Ensino Superior. De acordo com levantamento do Centro de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA), com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), do IBGE, houve salto nos percentuais de pessoas das classes C, D e E e de estudantes negras/os e indígenas. Segundo o levantamento, ambos os grupos abrangiam a 52% de estudantes em universidades. Essa proporção em 2001 era de, respectivamente, 31% de corpo discente negro e indígena e 19% das classes C/D/E.

 

Ainda, para quem acha que o nível acadêmico caiu com a democratização em universidades, a realidade mostra algo muito diferente. Um exemplo nesse sentido é um levantamento feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): a nota de ingresso de estudantes cotistas já era superior à de egressas/os não cotistas.

 

Márcia Lima, professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Universidade de São Paulo (USP), apontou esse sinais. Márcia é também coordenadora do Afro – Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e conselheira consultiva da Fundação Tide Setubal.

 

Em entrevista concedida em 2020, Márcia Lima destacou que “estudantes cotistas têm bom desempenho ao longo do processo, a taxa de evasão não é tão superior à média e, ao longo do processo, os alunos melhoram o desempenho. Há problemas nas universidades, mas há uma boa aceitação do processo lá dentro. O modelo foi bem-sucedido, pois todos os temores e questões de quem era contrário às cotas não se concretizaram. Houve avanços muito importantes no combate à desigualdade racial no acesso ao ensino superior. Há muito mais avanços do que problemas.”

 

 

 

Confira os tópicos abordados no Vozes Urbanas sobre acesso ao ensino superior

 

 

Sobre espaços de produção de conhecimento

Assim sendo, outro ponto a considerar-se sobre a Lei de Cotas abrange quem tem pode ocupar espaços de produção de conhecimento. Esse tópico foi apresentado por Laura Cecília López, professora dos programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e de Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

 

Segundo a docente, cuja pesquisa de doutorado analisou os movimentos negros e ações afirmativas na América Latina, das políticas de ações afirmativas, a que teve mais visibilidade e polêmica foi, sem dúvida, a questão das cotas nas universidades, precisamente por tocar nesses espaços de poder e produção intelectual das elites brancas”, avaliou Laura Cecilia López, que pesquisou em seu doutorado os movimentos negros e ações afirmativas na América Latina.”

 

Outro aspecto para se considerar nesse contexto abrange a pós-graduação, justamente um dos pontos contemplados na revisão da Lei de Cotas. De acordo com Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e doutor em Sociologia pelo mesmo instituto, as cotas na graduação levaram à diversificação no estágio acadêmico seguinte. Desse modo, medidas para incidência nessa etapa são necessárias para, entre outros aspectos, garantir segurança jurídica para instituições de ensino implementá-las.

 

“Neste sentido, as ações afirmativas na pós-graduação são centrais porque elas, primeiro, complementam as ações na graduação – ou seja, garantem essa transição. Em segundo lugar, porque os sistemas de inscrição na pós-graduação são sistemas de múltiplos filtros e bastante seletivos. Precisamos pensar em ações afirmativas que atenuem, de certo modo, esta seletividade, sobretudo em relação a filtros que não são propriamente de excelência acadêmica ou que excluem muito na pós-graduação, como as provas de língua estrangeira, que não necessariamente têm a ver com o mérito acadêmico e por aí vai”, completa Campos.

 

Saiba mais

+ Leia a entrevista de Márcia Lima

 

+ Confira o conceito sobre cotas da Plataforma Ancestralidades, projeto da Fundação Tide Setubal e do Itaú Cultural

 

+ Acesse a entrevista de Luiz Augusto Campos à Plataforma Ancestralidades sobre o tema

 

+ A segunda edição do Caderno Vozes Urbanas contém diversos debates sobre educação, inclusive cotas no ensino superior

 

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Robson B. Sampaio / Flickr

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