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Quais são os impactos da minirreforma eleitoral e da PEC da anistia para candidaturas de mulheres e de pessoas negras?

A Câmara dos Deputados aprovou, após votação, o projeto de lei da minirreforma eleitoral. Sob a premissa de simplificar a prestação de contas, o PL 4438/23 prevê alterações no financiamento e prestação de contas de candidaturas femininas. Todavia, o projeto, que será encaminhado ao Senado, apresenta pontos preocupantes em aspectos relativos a candidaturas femininas e à prestação de contas.

 

Nesse sentido, a minirreforma prevê, entre outras coisas, a aplicação da cota mínima de 30% de candidaturas femininas sendo válida para a federação partidária. Ou seja, um partido pode isentar-se dessa regra, ao transferi-la para outro partido da mesma federação. Além disso, os critérios para identificação e punição de partidos que recorressem “a candidaturas laranja” para burlar cotas tornaram-se mais flexíveis e de difícil aplicação.

 

Valores até então de repasse obrigatório para candidaturas femininas poderão ser destinados, por meio de brecha, para candidatos homens. Como? Tal transferência pode ocorrer “desde que haja benefício para a candidatura feminina”.

 

No entanto, a abrangência da minirreforma alcança outros aspectos, como a inelegibilidade. Até então, um político cassado ficaria o período relativo ao período restante do mandato – dois anos, por exemplo. O somatório abrange mais oito anos a contar o fim desse período – nesse exemplo hipotético, uma década. Com a reforma, os oito anos em que ele estiver inelegível passarão a contar em caráter imediato.

 

A propaganda nas redes sociais entrou também no radar. A minirreforma desobriga, então, a inclusão do nome do vice na chapa candidata, assim como da coligação e dos partidos na peça a ser veiculada. Outro ponto: a veiculação poderá ocorrer nas redes sociais do candidato. Ainda assim, é proibido impulsionar tais peças – ou seja, pagar para aumentar o alcance e a propagação.

 

Anistia ou desresponsabilização?

Outro ponto que está no radar da Câmara Federal é a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia, que deve ser votada em 20 de setembro. Nesse sentido, o texto apresentado prevê repasse de, no mínimo, 20% de recursos dos fundos partidário e eleitoral para candidaturas negras. Esse percentual pode representar retrocessos e, desse modo, reforçar a sub-representação eleitoral. Para se ter uma ideia, em 2022, 50,27% de candidatas/os eram negras/os. Ainda, esse percentual foi de 46,4% em 2020.

 

Ao analisar-se que o modelo vigente prevê o repasse de verbas em percentual proporcional ao de campanhas, além de que a PEC literalmente propõe também anistia a punições passíveis a partidos que descumprirem tais regras, o que está em jogo é a flexibilização de regras a ponto de desresponsabilizar partidos de atuarem em favor da promoção da diversidade racial e de gêneros no ambiente político. Assim sendo, diversos indicadores apontam como a minirreforma eleitoral e a PEC da Anistia tendem a repercutir em um cenário já deficitário em termos raciais e de gênero.

 

Para se ter uma ideia, apenas 3.569 de vereadoras eleitas/os em 2020 eram negras/os – o total no Brasil foi de 57.608, equivalendo a 6,16% do total. Quando o gênero entra na equação, 9 mil vereadoras nesse universo eram mulheres – no caso, 16% entre todos os vereadores eleitos. Em âmbito federal, 134 de 531 deputadas/os tinham autodeclaração negra – ou seja, 25% da composição da casa. Já a bancada feminina contempla 91 deputadas federais, representando 17% da Câmara dos Deputados.

Enfrentar esse paradigma é fundamental

Ainda não é o bastante? Pois bem: de acordo com a União Interparlamentar, que compara as situações dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil está na rabeira de indicadores sobre equidade de gênero na política. De acordo com o ranking de abril de 2023, o país está na posição 131, atrás de países como Filipinas (85), Polônia (78), Belarus (28) e El Salvador (83). Vale dizer que tais países não são exemplos democráticos – longe disso.

 

Assim sendo, a minirreforma eleitoral e a PEC da Anistia representam caminhos opostos nas trilhas pela equidade racial. Tayguara Ribeiro, repórter da Folha de S.Paulo, apontara o seguinte diagnóstico feito por especialistas no contexto político brasileiro: o financiamento coletivo tem papel central nesse cenário. Quem menos recebe verbas e apoio nesse cenário é, justamente, o público composto por mulheres e pessoas negras.

 

“Isso é fundamental porque, para o eleitor conseguir votar em uma pessoa negra e em uma mulher, ele precisa saber que essa pessoa é candidata. Os nomes mais conhecidos, por exemplo, são, majoritariamente, os de homens brancos com poder aquisitivo ou apoio partidário para chegar a ele”, pondera.

 

Para Max Maciel Cavalcanti, deputado distrital do Distrito Federal (DF), elas estão sub-representadas em espaços de poder e de decisão. Como consequência, isso causa entraves para demandas das populações desses grupos e espaços alcançarem o status de políticas públicas.

 

“Quando há um espaço onde você se reconhece e não precisa explicar de onde vem, pois todo mundo já sabe a história do seu bairro e pois já tem relação [com ele], é muito diferente. As lideranças existem. Mas a questão é: elas mexem com a estrutura hegemônica estabelecida, inclusive, dentro dos partidos e do Estado”, destaca Maciel.

 

 

 

Episódio da série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial sobre lideranças políticas

 

Caminhos possíveis

Maria Páscoa Sarmento de Sousa, secretária executiva da Universidade Federal do Pará (UFPA) e liderança apoiada pelo Edital Traços, da Plataforma Alas, considera que mais atores podem apoiar lideranças negras e de trajetória periférica. Uma delas, assim sendo, é o campo do investimento social privado (ISP). “É necessário haver mais investimentos e que mais instituições caminhem no sentido de criar estratégias para garantir que mais pessoas como eu, mais pessoas negras e indígenas, possam desenvolver potencialidades ao máximo e criar um ambiente mais equitativo no Brasil.”.

 

Por fim, Tayguara Ribeiro considera, como reflexo de reportagens produzidas por ele à época da campanha eleitoral sobre disparidades gritantes na política nacional, que mais ações são necessárias para além do financiamento de campanhas de candidaturas negras e de mulheres – alvos de destaque, respectivamente, da minirreforma eleitoral e da PEC da Anistia. Para ele, é necessário avançar “para cotas no parlamento, para acelerarmos o processo de um país com mais equidade em todas as suas áreas.” Todavia, para implementá-las, será necessário criar mecanismos sólidos para fiscalizar esse processo, para garantir o bom uso do dinheiro público.

 

“A fiscalização deverá ser pensada de forma conjunta entre o TSE com apoio dos partidos, que precisarão se autofiscalizar e fiscalizar uns aos outros. Idem os próprios eleitores, que precisarão também participar da fiscalização, olhar e fazer denúncias aos órgãos responsáveis”, pondera Tayguara. “É necessário pensar em quais mecanismos serão necessários para se fiscalizar, assim como [haver] representatividade pela questão do bom uso do dinheiro público por meio de legislações bem-feitas – adequadas ao que a população precisa”, finaliza.

 

Saiba mais

+ Entrevista na íntegra de Tayguara Ribeiro

 

+ Conheça a série Caminhos: Trilhas Coletivas pela Equidade Racial

 

 

Texto: Amauri Eugênio Jr. / Foto: Lula Marques / Agência Brasil

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