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É fundamental haver maior presença de mulheres e pessoas negras para melhorar a qualidade do legislativo – Fundação Tide Setubal entrevista Tayguara Ribeiro

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21 de setembro de 2022
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Por Amauri Eugênio Jr. / Foto: arquivo pessoal

 

 

Um projeto mais justo e igualitário de Brasil passa pelo aumento de mulheres e pessoas negras em espaços de poder e decisão. E isso compreende, sem dúvida nenhuma, a esfera política.

 

No entanto, é possível ver também nesse espaço uma flagrante sub-representação racial: segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 125 deputados federais negros foram eleitos em 2018, mas irregularidades nos registros de uma parcela desses parlamentares colocam esse número em xeque – e reduzem ainda mais a quantidade real. Ainda, de acordo com levantamento da agência jornalística Gênero e Número, 31% das candidaturas das eleições nacionais e estaduais de 2018 eram relativas a mulheres – e, dentro deste percentual, 4,4 mil correspondiam aos registros de mulheres negras.

 

Algumas ações adotadas pelo próprio TSE para reverter esse quadro compreendem a reserva do fundo partidário e do fundo eleitoral para candidatos negros e brancos, considerando o número de postulantes de acordo com cada partido, assim como a criação de 30% de cotas do Fundo Eleitoral para mulheres.

 

Tayguara Ribeiro, repórter da Folha de S.Paulo, tem produzido uma série de reportagens que mostram disparidades diversas dentro da política brasileira e do processo, além de detalhar como o componente racial tem papel decisivo nesse cenário, inclusive por meio do estudo Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras, conduzido pelos economistas Sergio Firpo, Michael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, pesquisadores do Núcleo de Estudos Raciais do Insper.

 

Em entrevista à Fundação Tide Setubal, o repórter fala sobre o material produzido a partir do estudo e do seu trabalho com foco na perspectiva racial na esfera política, os aprendizados resultantes das reportagens feitas por ele.

 

Para Tayguara, o protagonismo de profissionais com perfis diversos em todas as áreas possibilita haver novos olhares, a começar pelo fato de que pessoas com perfis diversos podem apresentar olhares igualmente diversos. “Logo, sem dúvida, a presença de pessoas negras pode contribuir de forma diferente nos tipos de assuntos abordados e nas análises já que as pessoas, em um país desigual como o nosso, partem de experiências pessoais bastante distintas”, destaca.

 

Confira a seguir a íntegra da entrevista.

 

 

Quando se fala em pluralidade e diversidade no ambiente político, as pautas relativas a grupos minorizados no desenvolvimento de projetos na esfera legislativa vem à tona. Como você vê a postura de partidos nos últimos tempos em relação a candidaturas de raça e gênero?

 

Acredito que eles podem fazer mais e acelerar mais esse processo. Existem iniciativas de alguns, mas a minha avaliação é de que elas ainda estão aquém do que precisamos. Por exemplo, a participação de pessoas negras nas direções dos partidos depende apenas dos processos internos – pouquíssimos têm pessoas negras na sua composição. Quando uma pessoa participa de um cargo importante dentro dele, isso dá muito mais visibilidade política para ela. Os partidos têm monopólio das candidaturas – isso mostra a importância das cúpulas partidárias.

 

Os partidos ajudam também a organizar a vida legislativa nas assembleias estaduais e na Câmara Federal por meio de indicações em comissões e na definição de projetos prioritários para cada bancada. Além disso, os dirigentes dão entrevistas à imprensa. Isso mostra como uma coisa relativamente simples, que seria ter pessoas negras dentro da direção, afetaria todo o ecossistema político do Brasil. Isso só depende de mecanismos internos, de decisões internas da própria sigla dar espaço a essas pessoas negras e fomentar novas lideranças. Acho que eles atuam de forma tímida nesse sentido.

 

Um segundo ponto é que a definição das candidaturas é feita pelos próprios partidos. Incentivar e apoiar com mais veemência pessoas negras fará muita diferença e depende deles.

 

 

Ainda que seja fundamental eleger pessoas de grupos sub-representados, por que não é possível estabelecer que tais candidaturas sejam automaticamente voltadas à defesa das pautas desses mesmos segmentos?

 

O Brasil teve, e ainda tem, um processo de desigualdade racial muito complexo e uma forma muito negligente de lidar com isso e com o racismo, assim como com todos os efeitos causados pela escravidão no país. Isso trouxe e traz muitos efeitos sociais, psicológicos e até desigualdade de entendimento sobre a questão racial no país.

 

Quando se pensa em pautas supostamente voltadas para a comunidade negra ou mulheres, é importante entendermos que se trata de um falso dilema. Falar em questões da comunidade negra diz respeito a questões do país, pois elas afetam toda a população brasileira, seja ela negra ou não. Projetos, pautas e discussões que amenizem essas questões beneficiarão toda a sociedade.

 

Hoje há um parlamento majoritariamente masculino e branco fazendo políticas públicas para uma sociedade negra e feminina em sua maioria. Existe o risco de haver políticas públicas ineficazes – e isso é dinheiro público mal gasto. Ter um parlamento mais diverso, com mais mulheres e pessoas negras, provavelmente promoverá projetos mais eficazes, que resultam em dinheiro público melhor gasto. Isso é bom para toda a sociedade brasileira, pois o dinheiro é de todos nós.

 

Para tentar sintetizar a minha avaliação: o Brasil teve escravidão por mais de 300 anos. Quando a escravidão acabou, ela foi inconcluída e não foi resolvida – foi negligenciada. A questão racial, a desigualdade racial e o racismo são as bases de todos, ou quase todos, os problemas sociais e econômicos que o país tem. Lidar com esse quadro será benéfico para toda a população brasileira, pois falamos de talentos desperdiçados, de 56% da população brasileira que é negra e consome – estamos falando de um público consumidor. O aumento do poder aquisitivo e educacional é importante e influenciará a sociedade como um todo.

 

 

 

Tayguara Ribeiro fala sobre o papel estratégico que a equidade de gêneros tem para o enfrentamento das desigualdades na política partidária

 

 

Apesar de haver mais candidaturas de pessoas negras, pode-se ver que eleitoras/es desses mesmo grupo ainda não as têm apoiado de modo substancial. Quais podem ser as razões para esse fato? Por quais motivos?

 

Ao longo deste ano, tenho feito muitas matérias relacionadas à desigualdade racial e de gênero. Conversando com muitos especialistas, a maioria, para não dizer todos, tem colocado a questão do financiamento de campanha. É muito caro fazer campanha no Brasil e existe uma quantidade absurdamente grande de candidatos para pouquíssimas vagas nos parlamentos. Os que menos recebem dinheiro e apoio nesse contexto são as pessoas negras e mulheres.

 

Isso é fundamental porque, para o eleitor conseguir votar em uma pessoa negra e em uma mulher, ele precisa saber que essa pessoa é candidata. Os nomes mais conhecidos, por exemplo, são, majoritariamente, os de homens brancos com poder aquisitivo ou apoio partidário para chegar a ele.

 

Estamos falando de pessoas que não vivem da ou para a política e não consomem isso diariamente. São pessoas que têm as suas atividades profissionais e precisam cuidar delas, que usam transporte público ou carro e ficam presas no trânsito, que precisam cuidar da família e fazer as atividades profissionais, e não conseguem acompanhar uma quantidade absurda de candidatos. Para votar em alguém, primeiro, é necessário saber que essa pessoa existe para, depois, analisar se ela conseguirá representar você bem ou não. Aí entra a importância do financiamento de campanha para que mulheres e pessoas negras consigam chegar aos eleitores. Esta mudança, pensando em eleições nacionais, poderá começar a fazer diferença. Acredito que os 30% de candidaturas de mulheres podem ter impacto, pois os partidos são obrigados a tê-las e precisam investir nelas, e poderá ser o primeiro passo para mudar a balança de apenas homens brancos serem eleitos.

 

 

Dentro dos dados que compõem o estudo Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras, quais pontos chamaram mais a sua atenção?

 

O que mais me chamou a atenção na pesquisa do Insper foi ver que o grupo mais afetado é o de mulheres negras. Como em quase todos os índices, quem mais sofre com os impactos negativos, em qualquer área social do país, são elas.

 

Quando olhamos também em números todos os aspectos e níveis no legislativo, percebemos que é um parlamento branco. Ao mensurarmos isso e olharmos para assembleias que elegeram uma pessoa negra em um país como o Brasil, é bem impactante e importante para traduzirmos isso em uma coisa palpável e mostrarmos como é importante esta medida que está sendo implementada, pensando sob o ponto de vista nacional.

 

 

Ainda dentro da cobertura que você tem feito sobre política e desigualdade racial, quais podem ser caminhos hipotéticos para ao menos mitigá-la entre candidaturas e políticas/os eleitas/os?

 

Não podemos parar no financiamento de campanha direcionada a pessoas negras e nas cotas para candidaturas femininas, pois são passos ainda insuficientes. Na minha visão, precisamos avançar, inclusive, para cotas no parlamento, para acelerarmos o processo de um país com mais equidade em todas as suas áreas. Poderemos discutir essa proporção, mas precisamos ter um percentual mínimo de participação. Não é possível um país como o Brasil ainda ter um parlamento absurdamente branco como o atual – e ainda ter participação feminina muito aquém do que poderíamos e deveríamos ter.

 

Outro ponto importante é a fiscalização. No Brasil, a questão racial é autodeclaratória e o TSE leva em consideração quem se autodeclara preto ou pardo e soma esses dois grupos para considerar quem são as pessoas negras e as pessoas que receberão o direcionamento financeiro para as candidaturas de pessoas negras. Fizemos uma matéria na Folha de S.Paulo mostrando que muitos parlamentares brancos se autodeclaram pretos ou pardos, o que atrapalha a percepção e os números de pessoas negras que participam do parlamento.

 

Há oficialmente 124 deputados federais [negros], mas na prática, esse número é muito menor. Vários parlamentares com quem conversamos confirmaram que estão registrados como negros, mas não o são. Agora, que haverá dinheiro público envolvido, essa fiscalização é ainda mais fundamental para o direcionamento do dinheiro das campanhas ocorrer de forma mais adequada, assim como para avançar e pensar na questão das cotas no parlamento. Como haverá cotas se não for possível fiscalizar a autodeclaração? É um processo absurdamente complexo. A fiscalização deverá ser pensada de forma conjunta entre o TSE com apoio dos partidos, que precisarão se autofiscalizar e fiscalizar uns aos outros – e também com os próprios eleitores, que precisarão também participar da fiscalização, olhar e fazer denúncias aos órgãos responsáveis. É necessário pensar em quais mecanismos serão necessários para se fiscalizar, assim como [haver] representatividade pela questão do bom uso do dinheiro público por meio de legislações bem-feitas – adequadas ao que a população precisa.

 

 

 

Tayguara Ribeiro fala sobre a presença de candidatas/os negras/os na esfera política para além da representatividade pura e simples, ao destacar aspectos relativos ao protagonismo em espaços de poder e de decisão


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