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Fundação Tide Setubal entrevista Tomás Wissenbach

Programas de influência

31 de agosto de 2018
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Uma das principais causas das desigualdades entre os territórios é a má distribuição de recursos públicos, que não são alocados de forma a reduzir este quadro. Somadas a isso, a cultura de pouca participação política, para além do voto, e subutilização de mecanismo de participação social por parte do poder público são fatores que contribuem para a manutenção desse problema. Para abordar estas questões, a Fundação Tide Setubal conduziu o estudo “Gasto Público no território e o território do gasto na política pública”, divulgado no dia 31 de julho, durante o ciclo de debates Vozes Urbanas.

 

“Sem dados sobre a territorialização do orçamento, a sociedade é privada de uma informação básica para a participação social”, diz o geógrafo Tomás Wissenbach, que conduziu o estudo,para a Fundação Tide Setubal. Confira abaixo a entrevista completa:

 

 

Por que a produção e divulgações sobre a territorialização dos gastos públicos é importante?

 

Se você perguntar hoje para um cidadão: “Qual você acha que é o principal problema da cidade?”, territorializar o orçamento e produzir informação não apareceriam entre as respostas, pois parece muito abstrato. Então a sensibilização da sociedade civil sobre o problema é central. Acho que o primeiro argumento relaciona-se com a desigualdade na cidade. A gente sabe que a cidade é muito desigual, que têm indivíduos que são muito bem servidos por serviços e equipamentos públicos, com um padrão de vida muito bom, e muitos outros indivíduos que vivem com altos níveis de precariedade urbana, habitacional, sócio-econômica. Então se a cidade quer se comprometer a reverter este quadro, ela precisa saber se para além do discurso, das palavras, da propaganda, se pra além disso o esforço da administração pública para reduzir a desigualdade está se reproduzindo em dinheiro. Se de fato a prioridade existe na hora de empenhar um recurso, de identificar quem vai receber os recursos públicos. A gente só vai saber se os governos estão comprometidos com a redução das desigualdades no momento em que tivermos dados que mostrem o quanto eles estão de fato comprometidos com isso no orçamento público.

 

O segundo argumento é um de planejamento: para planejar adequadamente o gasto público, principalmente em períodos de escassez, você precisa olhar territorialmente, olhar os distritos da cidade, saber pelos indicadores sócio-econômicos e urbanísticos quais são os principais déficits dessas áreas precárias, e usar o orçamento para, em cada distrito, atacar os déficits ali localizados e mostrados pelos indicadores. Então você precisa planejar bem os seus recursos, direcionar ele para essas áreas e depois avaliar para ver se as políticas estão funcionando ou não.  Se você não tem informação sobre onde no território você está gastando o dinheiro público, fica muito difícil de fazer um planejamento adequado da ação governamental. E sem planejamento adequado há sobreposição de programas, investimentos em questões que não são tão prioritárias para o distrito, etc.

 

E o terceiro argumento é esse da transparência do controle social. Para que efetivamente os conselhos participativos façam sentido, é preciso que a informação esteja disponível. Assim é possível haver um diálogo construtivo com a sociedade civil, no sentido de mostrar as dificuldades, ouvir as demandas. O que acontece hoje é que essas audiências trazem números gerais sobre a cidade, como quanto será gasto em habitação, em saúde, em educação – que para o cidadão que está participando de uma audiência pública regional tem um significado muito pequeno, porque são números muito grandes, são valores que, num olhar mais imediato, sempre parece muito recurso. A partir do momento em que o governo for capaz de falar “Olha, eu tenho aqui 15, 20 escolas, essas escolas custam tanto; ano que vem a gente está prevendo tal e tal orçamento; qual escolha vamos fazer dentro dele?”, a participação seria mais efetiva.

 

 

Quais foram os principais achados do estudo? 

 

O maior achado foi que a Prefeitura de São Paulo não sabe informar onde está a maior parte de seus gastos – 75% daquilo que foi liquidado. As consequências são que tanto o Governo como a sociedade civil ficam sem saber efetivamente se as regiões que têm piores déficits sociais e em termos de equipamentos públicos estão recebendo prioridade orçamentária. Além disso, a sociedade é privada de uma informação básica para a participação social, afinal, sem saber os gastos efetivos nos territórios, nas Prefeituras Regionais, fica muito difícil fazer um debate público efetivo.

 

Além disso a pesquisa mostra que existe uma defasagem entre aquilo que é planejado, a lei orçamentária anual, e o processo orçamentário efetivo. Na etapa do planejamento e de elaboração da lei orçamentária anual, o percentual de dados que estão efetivamente localizados, com informações sobre a localização, são expressivamente maiores que aqueles depois de ter decorrido o processo orçamentário. Isso significa que em grande medida o processo participativo e legislativo de debate do orçamento decorre sobre uma realidade, mas no dia-a-dia das decisões orçamentário aquilo não é exatamente realidade. E a falta de informações impede o monitoramento da sociedade civil.

 

 

O que precisaria ser feito para termos essa informação de forma transparente e regionalizada?

 

É preciso que haja um esforço para isso, pois essa é uma produção de informação difícil de ser feita. Alguns grandes contratos de terceirização para serviços públicos são feitos para a cidade toda, como é o caso de varrição de ruas e limpezas de escolas, pois dessa forma a Prefeitura ganha em escala e em custos. Mas a partir do momento em que a contratação foi feita, deveria ter um acompanhamento mais próximo do poder público em relação à distribuição efetiva dos serviços, para além da região central. O que a gente vê é que o interesse em produzir esse conhecimento não é tão grande a ponto de a Prefeitura, de fato, fazê-lo.

 

 

A lei determina que o orçamento municipal tenha dados territorializados?

 

A Lei Orgânica do Município (LOM) traz a regulamentação a respeito do orçamento público e dos instrumentos de planejamento e orçamento, e nela há uma clara e inequívoca menção

à obrigatoriedade da regionalização do gasto público, dizendo que o gasto público precisa ser territorializado. E há também o Decreto de Execução Orçamentária, que todo prefeito assina no início do ano para estabelecer as regras de execução do orçamento público. Ali também está especificada a obrigação de preencher o campo “detalhamento de ação”. Mas na prática, a pressão para que a máquina administrativa produza os dados sobre o orçamento resulta em pouquíssimas informações territorializadas.

 

 

Há algo quepossa ser feito para que a lei seja obedecida?

 

Quandovocê viola um artigo da lei, pode motivar uma ação civil pública, alguma ação para que esse descumprimento seja averiguado. Mas isso depende em grande medida de pressão da sociedade civil. Acho que os órgãos de controle têm um papel também, mas acredito que o principal agora é sensibilizar a sociedade das consequências de a Prefeitura não informar o dado territorializado.

 

 

Existem áreasdo orçamento municipal que estão mais à frente na questão da regionalização?

 

Há uma diferença grande entre as secretarias. A Secretaria da Cultura, por exemplo, há algum tempo está organizando e dotando seu orçamento com maior percentual de informação sobre a territorialização dos gastos.Isso tem relação por um lado com altos investimento em equipamentos próprios da Cultura. Mas outras secretarias que também possuem essa natureza de investimento não apresentam números tão bons, como é o caso da Secretaria de Educação e a Secretaria de Saúde.

 

 

Que caminhos você acredita que poderiam ser feitos para que a sociedade civil pressionasse pela divulgação desses dados territorializados?  

 

É importante que a sociedade civil de forma organizada se manifeste presencialmente nas audiências públicas sobre a Lei Orçamentária Anual, que as pessoas oficiem os governos locais, as prefeituras regionais e as secretarias cobrando essa informação. O ideal seria que isso ocorresse de uma forma articulada, ou seja, juntando diversas entidades. E, também, que a sociedade utilize a Lei de Acesso à Informação para pressionar e para cobrar esses gastos. Queremos que, de fato, o governo perceba que produzir esses dados é um desejo da sociedade civil. As Secretaria de Governo e Secretaria de Finanças, que são centrais na execução orçamentária, precisam sentir que existe essa pressão, que a sociedade está disposta a cobrar que essa informação seja disponibilizada.

 

É precisoagora testar quais secretarias vão responder aos questionamentos e os desejos da sociedade civil. Eu sei que produzir esses dados demanda um esforço da administração. Demanda dedicar funcionários a fazer isso; demanda uma cobrança por parte dos órgãos centrais; demanda uma sensibilização de que esse é um dado importante. Então acho que o primeiro passo é a gente mostrar que essa cidade está desejosa dessa informação. E a partir daí monitorar as respostas, avaliar como é que elas vão chegar e inclusive ajudar a divulgar as secretarias que estão na frente, que vão poder compartilhar suas experiências com as outras secretarias.


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