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Juventude, periferia e expressões culturais são foco de mesa de debate

Programas de influência

21 de junho de 2016
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Enquanto são construídos muros – visíveis e invisíveis – nas metrópoles, a cultura parece criar túneis, atalhos para conectar territórios. Nesse sentido, a juventude, que muitas vezes é em si um espelho da sociedade como um todo, reinventa conceitos, cria moda e novas formas de explorar a cidade. Contudo, apesar da queda de algumas barreiras – quando o rap de Mano Brawn e Emicida invade os bairros nobres e grifes pop chegam à favela -, as desigualdades materiais e simbólicas ainda são uma marca social de nosso país. 

A mesa "Conexões culturais: encontros e desencontros na cidade", que reuniu uma boa parte do público do Seminário Internacional Cidades e Territórios: encontros e fronteiras na busca da equidade,destacou experiências da academia e da própria sociedade civil que dão luz a essas desigualdades que vivem alguns territórios. Em debate, três conceitos centrais: juventude, periferia e expressões culturais.

Participaram da mesa os debatedores Regina Novaes, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sobre religião e políticas públicas para juventude; Robinson Pedial, poeta criador do Sarau do Binho e de um livro que conta com mais de 179 autores da periferia; e Ronaldo Almeida, professor do departamento de Antropologia da Unicamp e pós-doutor pela École des Hautes en Sciences de Paris.

Em pauta, uma série de assuntos, complexos por natureza, marcou o diálogo e ajudou a construir uma espécie de colcha de retalhos que representa as conexões culturais entre o que chamamos de centro e periferia. Em menos de duas horas de conversa, surgiram questões que valeriam um debate exclusivo como o movimento dos rolezinhos, os fenômenos culturais do rap e do funk, a influência da religião nas periferias e a violência policial contra o jovem – em especial contra os negros moradores de áreas vulneráveis.

Regina Novaes deu um panorama da dimensão dessa discussão. Hoje, no Brasil, são mais de 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos, que vivenciam rápidas mudanças no campo do trabalho, além de novos padrões sexuais e afetivos. “Nossa juventude é uma geração com grandes marcas comuns. Como, por exemplo, a questão da conectividade. Atualmente, as formas de comunicar e criar laços passam pelo mundo virtual. Estamos falando também de uma geração profundamente marcada pela violência. É um jovem, especialmente o da periferia, que conhece de perto a morte de pares.”

A pesquisadora falou ainda sobre um conceito conhecido como “discriminação por endereço”. É aí que o preconceito por classe social, marcado por uma questão territorial, fala mais alto. "Dizer onde mora pode fechar portas, oportunidades e potencialidades", afirmou.

Embora os jovens das regiões mais pobres da cidade vivam em seu cotidiano uma série de dificuldades, Regina explicou que, por meio da cultura, a periferia tem se reafirmado como espaço produtor de expressões culturais que acabam migrando do underground para o mainstream – como vários fenômenos artísticos do rap, do funk ou do grafite que acabam juntando numa mesma tribo ‘manos’ e ‘playboys’. “Observamos um processo de troca de estigma por emblema. É, portanto, uma ideia de afirmação dessa juventude periférica”, disse.   

Ronaldo Almeida concordou, mas acredita que, apesar de toda a transformação – incluindo melhorias sensíveis em questões de qualidade de vida nos últimos 20 anos -, a desigualdade material e simbólica dos chamados bairros de periferia é questão definitiva na sua relação com a cidade.

Para o pesquisador, algumas “situações periféricas” são comuns aos territórios mais pobres das grandes cidades, aparecendo com maior ou menor força em certas regiões. Entre eles estão as relações frenteà violência simbólica (como os moradores reagem às condições de vida local, ou seja, como os estigmas são encarados), a relação de positivação (ou como uma comunidade é vista de maneira positiva, como o caso de Paraisópolis em São Paulo que virou até novela), vulnerabilidade política, qualidade de vínculos (ou as relações de poder e solidariedade dentro da comunidade) e o papel da assistência social na região.

“É muito difícil generalizar a leitura sobre o que é periferia. São muitas as particularidades e os vetores que vão direcionar oportunidades e determinadas habilidades. Mas a sensação comum é que todos os que vivem nesses espaços estão em uma situação de desvantagem desde o começo.”

E concluiu afirmando que é urgente tratar o tema das desigualdades material e simbólica das populações das periferias. “No caso de São Paulo, as carências vão aumentando nas margens da cidade, no Rio a desigualdade se vê na relação entre morro e asfalto", ressaltou.

Poesia na periferia

Representante da periferia de São Paulo na mesa, Robinson Padial, o Binho, começou sua participação com um poema. Afinal, não poderia ser diferente. Ele foi o criador do Sarau do Binho, iniciativa que reúne moradores da região Sul de São Paulo para declamar e apreciar poesias.

"A ideia surgiu dentro de uma lanchonete que eu tinha no Campo Limpo. Sempre gostei de ler e comecei a introduzir as poesias em algumas noites. Nessa época, nos anos 90, os Racionais MC’s estavam bombando e a nossa ideia pegou. A autoestima da periferia estava se transformando", explicou.

Logo depois a poesia ganhou as ruas. O sarau extrapolou as paredes do bar e virou cartazes, no formato lambe-lambe, nos postes da cidade. Assim nasceu a “Postesia”. “Fizemos isso porque quase não existia espaço de cultura na periferia. Não havia lugar para a poesia”.

Desde então Binho vem criando e transformando lugares do cotidiano em espaços de cultura e, dessa forma, promovendo um tipo de linguagem e discurso que representa as muitas vozes que constituem as margens da cidade. “É nóis. Porque como diz um poema meu, na periferia nossos plurais são tão singulares”.

Repercussão

Ao final da atividade, Eder Soares, do CENPEC, comentou sobre as discussões tratadas no encontro, ressaltando como ponto positivo a diversidade da composição da mesa, que enriqueceu o debate. “Foi importante refletir sobre pontos trazidos pela Regina Novaes sobre os avanços e dos desafios que a população periférica ainda enfrenta”, ressaltou.


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